A 61ª fase da operação da Lava Jato, deflagrada nesta
quarta-feira, 8 de maio, apura a participação de executivos do Banco Paulista
S.A. em operações de lavagem de dinheiro relacionadas com integrantes do “Setor
de Operações Estruturadas” do Grupo Odebrecht. As investigações revelaram que
ao menos R$ 48 milhões repassados pela empreiteira, no exterior, a seis
executivos desse setor foram lavados entre 2009 e 2015 por meio da celebração
de contratos ideologicamente falsos com o banco no Brasil. Outros repasses
suspeitos a empresas aparentemente sem estrutura, na ordem de R$ 280 milhões,
também são objeto da apuração.
Estão sendo cumpridos três mandados de prisão preventiva
(Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, Tarcísio Rodrigues Joaquim e Gerson Luiz
Mendes de Brito, executivos do Banco Paulista) e 41 mandados de busca e
apreensão em sedes de empresas que transacionaram com a instituição financeira.
O “Setor de Operações Estruturadas”, criado pelo Grupo
Odebrecht para o repasse de propinas para agentes públicos e políticos,
sobretudo no esquema criminoso que vitimou a Petrobras, tinha estrutura
hierarquizada com divisão de tarefas, composto por pessoas de confiança da
cúpula do Grupo, dentre as quais se destacavam Luiz Eduardo da Rocha Soares,
Olívio Rodrigues Júnior e Fernando Migliaccio da Silva. Estes três, em
associação com Vinícius Veiga Borin, Marco Pereira de Souza Bilinski e Luiz
Augusto França, detinham o controle societário do Meinl Bank Ltd., instituição
financeira localizada nas ilhas de Antígua e Barbuda (Caribe), onde o Grupo
Odebrecht abriu e manteve, pelo menos entre 2010 e 2016, diversas contas
bancárias operacionais para a movimentação ilícita de valores.
Além de salários e participação nos lucros dessa
instituição financeira, os referidos sócios do Meinl Bank Ltd. (Antígua)
partilhavam uma comissão de 2% sobre cada ingresso de valores de origem ilícita
nas contas operacionais do Grupo Odebrecht mantidas naquele banco. O total da
comissão destinada a esse grupo de seis pessoas era inicialmente depositada em
uma conta titularizada por offshore controlada por Olívio Rodrigues Júnior, que
se encarregava de distribuí-la por meio de transferências a contas bancárias de
titularidade de outras offshores no exterior, e, no Brasil, por intermédio de doleiros
e do Banco Paulista.
Nesse último caminho de lavagem de dinheiro, há fortes
evidências da participação de Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, Tarcísio
Rodrigues Joaquim e Gerson Luiz Mendes de Brito, que, na época dos fatos,
atuavam respectivamente como funcionário da mesa de câmbio, diretor da Área de
Câmbio e diretor-geral do Banco Paulista. Os três ainda trabalham no grupo
financeiro.
Os elementos probatórios colhidos revelaram um mecanismo
ilícito de compensação financeira, com a participação desses executivos do
Banco Paulista. Periodicamente, os integrantes do “Setor de Operações
Estruturadas” efetuavam transferências de valores em moeda estrangeira para
contas no exterior em nome de offshores controladas por doleiros, como “Juca
Bala” (Vinícius Claret) e “Dragão” (Wu Yu), que, por sua vez, disponibilizavam
o equivalente em reais no Brasil.
O procurador da República Júlio Noronha destacou que “a
operação de hoje inicia a responsabilização de agentes que atuaram no mercado
financeiro e bancário, e permitiram que milhões de reais fossem lavados e pagos
como propina no grande esquema revelado pela Lava Jato. Quem falhou na detecção
e na comunicação dessas condutas criminosas de lavagem, e até delas participou,
pode ser chamado à responsabilidade”.
O esquema no Banco Paulista – Após a internalização dos
recursos ilícitos pelos doleiros, Olívio Rodrigues Júnior encaminhava dinheiro
em espécie ao Banco Paulista e este efetuava, em nome próprio, pagamentos, por
meio de transferência eletrônica, em favor de empresas de “fachada” controladas
pelo próprio Olívio Rodrigues Júnior, e por Luiz Eduardo da Rocha Soares,
Fernando Migliaccio da Silva, Vinícius Veiga Borin, Marco Pereira de Souza
Bilinski e Luiz Augusto França.
Os pagamentos do Banco Paulista a essas empresas sem
existência real, por serviços nunca prestados, foram fraudulentamente
justificados por contratos fictícios e notas fiscais falsas. Apenas no período
de 2009 a 2015, o Banco Paulista efetuou, sem a efetiva contraprestação de
serviços, pagamentos superiores a R$ 48 milhões em favor das empresas BBF
Assessoria e Consultoria Financeira, JR Graco Assessoria e Consultoria
Financeira, VVB Assessoria e Consultoria Financeira, Lafrano Assessoria e
Consultoria Financeira, MIG Consultoria Econômica e Financeira, Crystal
Research Serviços Ltda., e Bilinski Assessoria e Consultoria Financeira.
A Receita Federal do Brasil apurou que quase a totalidade
(99%) do faturamento dessas empresas, que não possuíam funcionários, era
originário do Banco Paulista, o que chamou a atenção, uma vez que seriam
sociedades de consultoria empresarial que não teriam prestado serviços a outras
empresas.
Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, funcionário da mesa
de câmbio do Banco Paulista na época dos fatos, era o responsável por receber
os valores em espécie na instituição financeira e manter o contato com os
integrantes do “Setor de Operações Estruturadas” do Grupo Odebrecht. Além de
diversas ligações entre ele e os operadores financeiros do grupo, as
investigações identificaram que Paulo Barreto utilizava, com codinome “Lance”,
o sistema de comunicação criptografado da empreiteira (sistema “Drousys”), e
ainda mantinha contas no exterior em nome de offshore para receber valores de
origem ilícita do Grupo Odebrecht. Tarcísio Rodrigues Joaquim e Gerson Luiz
Mendes de Brito, que na época dos fatos atuavam como diretor da área de Câmbio
e diretor-geral do Banco Paulista, respectivamente, assinaram, durante 4 anos,
contratos falsos celebrados com as empresas dos sócios do Meinl Bank Ltd.
(Antígua), que foram usados para lastrear os pagamentos.
Na apuração feita pelo Banco Central do Brasil em 2017, o
Banco Paulista foi instado a prestar esclarecimentos sobre os contratos
fictícios em questão. A instituição financeira, ainda contando com os referidos
Diretores, alegou que os pagamentos seriam ligados a remunerações pela
apresentação e estruturação do produto “Importação de Moeda Nacional”, além de
comissões sobre valores importados (“success fee”). A explicação, porém, não
estava embasada em documentos formais que comprovassem a aprovação, cálculos
dos pagamentos e contato com os envolvidos, o que reforçou a afirmação dos
sócios das empresas recebedoras dos valores no sentido de que nunca prestaram
serviço ao banco.
Conforme ressaltado pelo procurador da República Roberson
Pozzobon, “a omissão da instituição financeira na prevenção à lavagem de
dinheiro e na comunicação de operações suspeitas, em si, já se revela bastante
crítica. Contudo, o que a 61ª fase da Lava Jato investiga é algo ainda mais
grave: a atuação criminosa de três altos executivos do Banco Paulista para a
lavagem de pelo menos R$ 48 milhões. Estamos falando de dinheiro que veio do
setor de propinas da Odebrecht e que foi lavado por meio de contratos falsos do
próprio banco”.
Assim, os contratos fictícios serviram para dar
justificativa falsa para que recursos ilícitos, internalizados no Brasil por
doleiros, pudessem ser encaminhados aos controladores do Meinl Bank S.A., após
a devida compensação ao Banco Paulista S.A. com o recebimento de valores em
espécie. Adicionalmente, no curso das investigações foram identificadas
evidências de que a celebração de contratos com outras 10 empresas pode ter
sido utilizada para a mesma finalidade por executivos do Banco Paulista S.A. em
operações de mais de R$ 280 milhões, entre 2010 e 2017. Segundo verificado, o
volume transacionado com tais empresas conflita com a aparente falta de
estrutura para prestar os serviços pelos quais foram contratadas, e denota
ainda a necessidade de aprofundar as investigações em relação a elas e a seus
sócios. A título exemplificativo, apuraram-se emissão de notas fiscais em
numeração sequencial, ausência de funcionários, e inexistência e
incompatibilidade das sedes das empresas.
Provas – A investigação está amplamente fundamentada em
diversas provas, incluindo testemunhos e documentos decorrentes dos acordos de
colaboração celebrados pela força-tarefa Lava Jato em Curitiba, especialmente
do acordo de leniência firmado com o Grupo Odebrecht, dados obtidos a partir do
afastamento de sigilos bancário e fiscal dos envolvidos, rastreamentos
financeiros no Brasil e no exterior e documentos decorrentes de fiscalização e
auditoria procedidas pelo Banco Central do Brasil.
Para a procuradora da República Juliana Câmara, “apesar
da sofisticação do ‘modus operandi’ dos investigados, o trabalho conjunto de
várias instituições parceiras, como o Ministério Público Federal, a Polícia
Federal, a Receita Federal e o Banco Central do Brasil conseguiu desbaratar o
esquema ilícito, cujos contornos serão detalhados e aprofundados com os achados
da fase ostensiva da investigação”.