Febre suína africana e o impacto nos preços brasileiros de proteínas


O número de casos de febre suína africana aumentou consideravelmente ao longo do último semestre do ano passado. A doença estava concentrada em alguns países do leste europeu e passou a ser reportada também na Ásia. Ainda que o número de casos mundiais tenha caído nos últimos meses, a chegada do vírus no território chinês mudou a escala de preocupação.
o A China é o maior mercado mundial de suínos, respondendo por cerca de 50% da produção e do consumo global. Dados do USDA apontam que a febre suína poderia causar queda de 10% da produção chinesa. Alguns analistas acreditam que essa queda pode chegar a 30% neste ano. Em ambos os casos já seria a maior queda já registrada na produção chinesa de suínos.
o Analisamos outros três períodos em que um choque de oferta gerou altas consistentes nos preços de carne suína na China. São eles: i) 2006-2008, quando o rebanho foi infectado pela doença da “orelha azul”; ii) 2010-2012, impacto da diarreia epidêmica de suínos; e, iii) 2015-2016, ajuste na produção local em função de diretrizes ambientais.
o Entre os eventos, os ciclos da “orelha azul” e do “ajuste ambiental” foram os mais intensos, com retração em torno de 7% da produção em dois anos. Nesses períodos, os preços dos porcos na bolsa de Chicago (EUA) subiram em média 21%.
o No choque atual, os preços de porcos em Chicago aumentaram 67,2%. Mantendo a proporção observada nos últimos choques é possível intuir, tudo mais constante, que a cotação atual já precifica uma queda ao redor de 25% na produção chinesa. Isto é, os preços refletem praticamente o pior cenário estimado atualmente (queda de 30%). O resultado de um modelo mais estrutural para preços de porcos sugere resultados bem semelhantes.
o Dessa forma, para uma alta adicional dos preços da carne suína em Chicago será necessário uma piora do ambiente atual. A manutenção dos preços norte-americanos no patamar atual é compatível com uma variação de 43% na cotação do suíno no atacado brasileiro. No entanto, utilizando hipótese mais conservadora, já que se trata do maior choque na oferta de porcos, consideramos na nossa projeção 95% de aumento no atacado neste ano, compatível com alta de 19% para o varejo (IPCA) nas carnes de porcos e frangos.
o A principal parte do choque se dará neste ano. Para que ocorram elevações na mesma magnitude no próximo ano, serão necessárias novas revisões baixistas da produção chinesa, além dos 30% já precificados em Chicago. Assim, estimamos elevação de 9,3% no atacado brasileiro, compatível com variação de 4,4% no varejo em 2020.
o Apesar de o efeito não ser propriamente direto, há expectativa de que o preço da carne bovina e dos demais alimentos da cadeia também seja afetado. Estimamos aumento de 8,0% para carne bovina no IPCA deste ano. Somando os demais alimentos da cadeia (industrializado, ovos e lácteos), projetamos alta de 10,5% no complexo carnes em 2019.
Em resumo, estimamos que o impacto adicional atribuído aos efeitos da febre suína é de 0,42 p.p. no IPCA, sendo 0,38 p.p. neste ano e 0,04 p.p. em 2020. Essas pressões tendem a elevar apenas marginalmente nossas projeções para o IPCA de 2019, que está em 3,8%, uma vez que outros fatores, majoritariamente o hiato do PIB, têm atuado para reduzir as projeções do núcleo de inflação. Para 2020, a projeção está mantida em 3,9% dado o impacto residual da PSA nos preços.

Governadores entregam carta de reivindicações para Bolsonaro


 Conforme Leite, a verba consumida com o déficit previdenciário elimina a possibilidade de investimentos em outras áreas - Foto: Gustavo Mansur / Palácio Piratini
Em reunião com o presidente da República, Jair Bolsonaro, com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, 25 governadores e vice-governadores entregaram, na manhã desta quarta-feira (8/5), em Brasília, uma lista com sete demandas (veja abaixo) consideradas prioritárias pelos Estados. O governo federal, por sua vez, renovou o pedido de apoio dos chefes de Executivo à aprovação da Reforma da Previdência.
O governador Eduardo Leite explicou que o fato de o governo federal estabelecer a aprovação da Reforma da Previdência como condicionante à evolução de outras pautas federativas, demandadas pelos governadores, é compreensível. “No RS, também pedimos que os prefeitos e que a sociedade entendam a importância de reformar o Estado, do ponto de vista estrutural, incluindo a reforma das carreiras do exercício público e do sistema previdenciário, para que o Estado tenha condição de adimplir os compromissos”, detalhou.
Mais uma vez, Leite deixou claro o apoio incondicional à Reforma da Previdência, uma vez que considera que a verba consumida do orçamento federal com o déficit do sistema previdenciário elimina a possibilidade de investimentos em outras áreas. “A reforma, por si só, produz benefícios para o futuro do Brasil, dos brasileiros e dos Estados”, declarou.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, explicou que o café da manhã, que também contou com a presença do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tinha como intuito discorrer sobre o papel dos governadores e dos parlamentares na reconstrução da sociedade brasileira.
Dever de casa
“O problema é que, se quisermos redistribuir a arrecadação, precisamos, primeiro, ter arrecadação, equilibrar as contas. Aí entra a importância da Reforma da Previdência”, explicou, reforçando o pedido de apoio à medida por parte dos governadores.
O governador também lembrou que a aprovação na Assembleia gaúcha, na terça-feira (7/5), da emenda constitucional que retira a exigência de plebiscito para a venda de três estatais (CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração) deixa o Estado mais perto de aderir ao Regime de Recuperação Fiscal.
“A aprovação mostra que o RS está fazendo o dever de casa. Entendemos que, assim, há possibilidade de evoluirmos na negociação para que, logo no início do segundo semestre, tenhamos condições de aderir ao regime”, comentou.
As reformas no sistema previdenciário gaúcho e no sistema de carreira serão os próximos passos para a recuperação das condições financeiras do RS.

Na lista que entregaram às autoridades, os governadores reivindicaram sete temas, visando à promoção do desenvolvimento social no Brasil:
1 - A implementação imediata de um plano abrangente e sustentável que estabeleça o equilíbrio fiscal dos Estados e do Distrito Federal, a exemplo do Plano Mansueto (ao qual o RS não terá condições de acesso);
2 - A importância de assegurar a devida compensação pelas perdas na arrecadação tributária da desoneração de exportações, regulamentada na Lei Kandir;
3 - A instituição de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb);
4 - A regularização da "securitização" de créditos dos Estados, visando ao fortalecimento das finanças;
5 - A garantia de repasses federais dos recursos provenientes de cessão onerosa/bônus de assinatura aos Estados e aos municípios;
6 - O apoio ao avanço urgente da Proposta de Emenda à Constituição nº 51/2019, que "altera o art. 159 da CF para aumentar para 26% a parcela do produto da arrecadação dos impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados destinada ao Fundo de Participação dos Estados";
7 - A extensão do prazo de pagamento de precatórios de 2024 para 2028

Força-Tarefa da Lava Jarto explica operação de hoje


A 61ª fase da operação da Lava Jato, deflagrada nesta quarta-feira, 8 de maio, apura a participação de executivos do Banco Paulista S.A. em operações de lavagem de dinheiro relacionadas com integrantes do “Setor de Operações Estruturadas” do Grupo Odebrecht. As investigações revelaram que ao menos R$ 48 milhões repassados pela empreiteira, no exterior, a seis executivos desse setor foram lavados entre 2009 e 2015 por meio da celebração de contratos ideologicamente falsos com o banco no Brasil. Outros repasses suspeitos a empresas aparentemente sem estrutura, na ordem de R$ 280 milhões, também são objeto da apuração.
Estão sendo cumpridos três mandados de prisão preventiva (Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, Tarcísio Rodrigues Joaquim e Gerson Luiz Mendes de Brito, executivos do Banco Paulista) e 41 mandados de busca e apreensão em sedes de empresas que transacionaram com a instituição financeira.
O “Setor de Operações Estruturadas”, criado pelo Grupo Odebrecht para o repasse de propinas para agentes públicos e políticos, sobretudo no esquema criminoso que vitimou a Petrobras, tinha estrutura hierarquizada com divisão de tarefas, composto por pessoas de confiança da cúpula do Grupo, dentre as quais se destacavam Luiz Eduardo da Rocha Soares, Olívio Rodrigues Júnior e Fernando Migliaccio da Silva. Estes três, em associação com Vinícius Veiga Borin, Marco Pereira de Souza Bilinski e Luiz Augusto França, detinham o controle societário do Meinl Bank Ltd., instituição financeira localizada nas ilhas de Antígua e Barbuda (Caribe), onde o Grupo Odebrecht abriu e manteve, pelo menos entre 2010 e 2016, diversas contas bancárias operacionais para a movimentação ilícita de valores.
Além de salários e participação nos lucros dessa instituição financeira, os referidos sócios do Meinl Bank Ltd. (Antígua) partilhavam uma comissão de 2% sobre cada ingresso de valores de origem ilícita nas contas operacionais do Grupo Odebrecht mantidas naquele banco. O total da comissão destinada a esse grupo de seis pessoas era inicialmente depositada em uma conta titularizada por offshore controlada por Olívio Rodrigues Júnior, que se encarregava de distribuí-la por meio de transferências a contas bancárias de titularidade de outras offshores no exterior, e, no Brasil, por intermédio de doleiros e do Banco Paulista.
Nesse último caminho de lavagem de dinheiro, há fortes evidências da participação de Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, Tarcísio Rodrigues Joaquim e Gerson Luiz Mendes de Brito, que, na época dos fatos, atuavam respectivamente como funcionário da mesa de câmbio, diretor da Área de Câmbio e diretor-geral do Banco Paulista. Os três ainda trabalham no grupo financeiro.
Os elementos probatórios colhidos revelaram um mecanismo ilícito de compensação financeira, com a participação desses executivos do Banco Paulista. Periodicamente, os integrantes do “Setor de Operações Estruturadas” efetuavam transferências de valores em moeda estrangeira para contas no exterior em nome de offshores controladas por doleiros, como “Juca Bala” (Vinícius Claret) e “Dragão” (Wu Yu), que, por sua vez, disponibilizavam o equivalente em reais no Brasil.
O procurador da República Júlio Noronha destacou que “a operação de hoje inicia a responsabilização de agentes que atuaram no mercado financeiro e bancário, e permitiram que milhões de reais fossem lavados e pagos como propina no grande esquema revelado pela Lava Jato. Quem falhou na detecção e na comunicação dessas condutas criminosas de lavagem, e até delas participou, pode ser chamado à responsabilidade”.
O esquema no Banco Paulista – Após a internalização dos recursos ilícitos pelos doleiros, Olívio Rodrigues Júnior encaminhava dinheiro em espécie ao Banco Paulista e este efetuava, em nome próprio, pagamentos, por meio de transferência eletrônica, em favor de empresas de “fachada” controladas pelo próprio Olívio Rodrigues Júnior, e por Luiz Eduardo da Rocha Soares, Fernando Migliaccio da Silva, Vinícius Veiga Borin, Marco Pereira de Souza Bilinski e Luiz Augusto França.
Os pagamentos do Banco Paulista a essas empresas sem existência real, por serviços nunca prestados, foram fraudulentamente justificados por contratos fictícios e notas fiscais falsas. Apenas no período de 2009 a 2015, o Banco Paulista efetuou, sem a efetiva contraprestação de serviços, pagamentos superiores a R$ 48 milhões em favor das empresas BBF Assessoria e Consultoria Financeira, JR Graco Assessoria e Consultoria Financeira, VVB Assessoria e Consultoria Financeira, Lafrano Assessoria e Consultoria Financeira, MIG Consultoria Econômica e Financeira, Crystal Research Serviços Ltda., e Bilinski Assessoria e Consultoria Financeira.
A Receita Federal do Brasil apurou que quase a totalidade (99%) do faturamento dessas empresas, que não possuíam funcionários, era originário do Banco Paulista, o que chamou a atenção, uma vez que seriam sociedades de consultoria empresarial que não teriam prestado serviços a outras empresas.
Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, funcionário da mesa de câmbio do Banco Paulista na época dos fatos, era o responsável por receber os valores em espécie na instituição financeira e manter o contato com os integrantes do “Setor de Operações Estruturadas” do Grupo Odebrecht. Além de diversas ligações entre ele e os operadores financeiros do grupo, as investigações identificaram que Paulo Barreto utilizava, com codinome “Lance”, o sistema de comunicação criptografado da empreiteira (sistema “Drousys”), e ainda mantinha contas no exterior em nome de offshore para receber valores de origem ilícita do Grupo Odebrecht. Tarcísio Rodrigues Joaquim e Gerson Luiz Mendes de Brito, que na época dos fatos atuavam como diretor da área de Câmbio e diretor-geral do Banco Paulista, respectivamente, assinaram, durante 4 anos, contratos falsos celebrados com as empresas dos sócios do Meinl Bank Ltd. (Antígua), que foram usados para lastrear os pagamentos.
Na apuração feita pelo Banco Central do Brasil em 2017, o Banco Paulista foi instado a prestar esclarecimentos sobre os contratos fictícios em questão. A instituição financeira, ainda contando com os referidos Diretores, alegou que os pagamentos seriam ligados a remunerações pela apresentação e estruturação do produto “Importação de Moeda Nacional”, além de comissões sobre valores importados (“success fee”). A explicação, porém, não estava embasada em documentos formais que comprovassem a aprovação, cálculos dos pagamentos e contato com os envolvidos, o que reforçou a afirmação dos sócios das empresas recebedoras dos valores no sentido de que nunca prestaram serviço ao banco.
Conforme ressaltado pelo procurador da República Roberson Pozzobon, “a omissão da instituição financeira na prevenção à lavagem de dinheiro e na comunicação de operações suspeitas, em si, já se revela bastante crítica. Contudo, o que a 61ª fase da Lava Jato investiga é algo ainda mais grave: a atuação criminosa de três altos executivos do Banco Paulista para a lavagem de pelo menos R$ 48 milhões. Estamos falando de dinheiro que veio do setor de propinas da Odebrecht e que foi lavado por meio de contratos falsos do próprio banco”.
Assim, os contratos fictícios serviram para dar justificativa falsa para que recursos ilícitos, internalizados no Brasil por doleiros, pudessem ser encaminhados aos controladores do Meinl Bank S.A., após a devida compensação ao Banco Paulista S.A. com o recebimento de valores em espécie. Adicionalmente, no curso das investigações foram identificadas evidências de que a celebração de contratos com outras 10 empresas pode ter sido utilizada para a mesma finalidade por executivos do Banco Paulista S.A. em operações de mais de R$ 280 milhões, entre 2010 e 2017. Segundo verificado, o volume transacionado com tais empresas conflita com a aparente falta de estrutura para prestar os serviços pelos quais foram contratadas, e denota ainda a necessidade de aprofundar as investigações em relação a elas e a seus sócios. A título exemplificativo, apuraram-se emissão de notas fiscais em numeração sequencial, ausência de funcionários, e inexistência e incompatibilidade das sedes das empresas.
Provas – A investigação está amplamente fundamentada em diversas provas, incluindo testemunhos e documentos decorrentes dos acordos de colaboração celebrados pela força-tarefa Lava Jato em Curitiba, especialmente do acordo de leniência firmado com o Grupo Odebrecht, dados obtidos a partir do afastamento de sigilos bancário e fiscal dos envolvidos, rastreamentos financeiros no Brasil e no exterior e documentos decorrentes de fiscalização e auditoria procedidas pelo Banco Central do Brasil.
Para a procuradora da República Juliana Câmara, “apesar da sofisticação do ‘modus operandi’ dos investigados, o trabalho conjunto de várias instituições parceiras, como o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, a Receita Federal e o Banco Central do Brasil conseguiu desbaratar o esquema ilícito, cujos contornos serão detalhados e aprofundados com os achados da fase ostensiva da investigação”.

Inflação do IGP-DI caiu levemente em abril (+1,078% para +0,90%)

Confirmando a tendência recente de arrefecimento dos preços de produtos agropecuários, o IGP-DI registrou alta de 0,90% em abril – abaixo da variação de março, de 1,07%. O resultado ficou ligeiramente abaixo da expectativa do mercado (0,81%), acumulando elevação de 8,25% nos últimos 12 meses.
Dentro do IPA Agrícola (-0,41%), principal influência baixista, destacam-se os recuos de preços de milho, soja e mandioca, embora o movimento tenha sido generalizado. Merece atenção, porém, o avanço de preço de arroz (que passou de -2,0% para 3,54%), refletindo a menor oferta doméstica, por conta da redução da safra. Apesar disso, o grupo deve continuar arrefecendo nas próximas divulgações, sendo um importante alívio aos preços prospectivos de alimentação ao consumidor.
O IPA Industrial, por outro lado, acelerou de 0,80% para 1,60% este mês, refletindo os avanços nos preços de minério de ferro, alimentos industrializados e produtos químicos, majoritariamente – assim como registrado no IGP-M. A alta nas cotações da commodity metálica e do petróleo foram os responsáveis pela pressão altista do grupo, sendo que este último reflete principalmente a recente tensão geopolítica entre Estados Unidos e Irã e o corte de produção da Opep. Além disso, o núcleo (que exclui indústria extrativa, combustíveis e produtos alimentares – itens considerados mais voláteis), passou para 0,63%, diante das altas de preços de produtos farmacêuticos e metalurgia básica, além da pressão de produtos químicos. Os outros componentes, por fim, também contribuíram para a moderação na queda do indicador. O INCC passou de 0,31% para 0,38%, enquanto o IPC desacelerou de 0,65% para 0,63%. Este último, entretanto, deve continuar a atenuar sua alta nas próximas divulgações, em linha com o esperado para o IPCA.

David Coimbra, Zero Hora - A Lava-Jato só tinha um lugar para se desenvolver


A Lava-Jato só seria possível em Curitiba. Em São Paulo, ama-se muito o dinheiro para sediar uma operação desse tipo. No Rio, ama-se demais a malandragem. Em ambas as cidades, as investigações seriam interrompidas já no começo. Em São Paulo, pela força dura da grana. No Rio, pelo poder mole da delinquência afável.

Em Porto Alegre, a Lava-Jato também não vicejaria, porque a cidade, como nenhuma outra do país, vive atormentada pela ideologia. Porto Alegre é a capital do fundamentalismo. Qualquer fundamentalismo. Não há a suavização do pragmatismo paulista ou da tolerância carioca. Há uma estúpida nobreza de sentimentos que torna tudo rascante, tudo caso de confronto. O sujeito não é um idiota, mas age como um idiota porque acha que é o certo a fazer. O que, em geral, o transforma em um idiota. E emperra a cidade porque há oposição a tudo e, sempre, oposição incondicional.

Em Curitiba, há uma elite cultural parecida com a porto-alegrense, de boa formação cultural. Só que, em Curitiba, essa elite cultural está a salvo da tacanhice ideológica. Há, também, boa qualidade de vida, como em São Paulo, sem o exagero da riqueza obscena. E certa dose de cosmopolitismo, como no Rio, sem o contágio da doce parceria na contravenção.

Por estar longe demais das capitais, Curitiba teve tempo e ambiente para se transformar na matriz de uma nova casta de funcionários públicos que se formou no país. Eles estão em praticamente todos os Estados, mas em Curitiba tiveram tranquilidade para se desenvolver e, por fim, agir. São jovens sérios, honestos, modestos e trabalhadores, que querem o bem do Brasil. São quase monótonos, de tão certinhos. Como é Curitiba.

Se você acompanhou o julgamento de Lula no TRF4 e viu algum outro, qualquer outro, do STF, terá a exata dimensão do que estou tentando dizer. Há dois tipos de entendimento de Justiça no Brasil. Um, antigo, barroco, lento, de origem lusitana, representado principalmente pela primeira turma do STF, aquela formada por Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Lewandowski e o decano Celso de Mello. Esses juízes se expressam de forma tortuosa, seu verbo é gótico, eles são grandiloquentes e empertigados. Eles defendem uma Justiça morosa, cartorial, carregada de possibilidades recursais, trâmites obscuros e impedimentos regimentais. Gilmar Mendes chama-a de "libertária", quando, na verdade, é apenas leniente. É a Justiça tardia, que não se faz jamais. Ou seja: a Justiça injusta.

Já o TRF4 protagoniza uma Justiça de modelo anglo-saxão, prática, direta, que não se deixa burlar por pormenores regimentais. Esses juízes não admitem a esperteza jurídica. Se uma das partes tenta usar a letra da lei para embair a própria lei, eles logo apontam a má-fé. E a punem.

É essa a Justiça que a sociedade brasileira está exigindo. São servidores com esse estofo de que os cidadãos brasileiros precisam, no século 21. A lei não é imutável. A lei muda de acordo com a necessidade da sociedade. A velha forma de se fazer justiça no Brasil não atende mais aos anseios da sociedade. Na verdade, nunca atendeu. O Brasil quer ser cada vez mais parecido com a República de Curitiba. E será.

Editorial, Zero Hora - Um governo fraturado


A gradual deterioração se origina na percepção de que o presidente ainda não tem noção da
 envergadura,  dimensão e responsabilidade de seu cargo

Com pouco mais de quatro meses no poder, já está claro que o governo Bolsonaro não é um, mas pelo menos cinco governos. 

Há o núcleo íntimo, dominado pelos filhos e inspirado pelas divagações de um autoproclamado filósofo cuja influência se estende, entre outras áreas, ao Itamaraty e ao Ministério da Educação, onde olavistas geram muita polêmica e poucos serviços ao país. No outro lado, há o núcleo dos militares da reserva e da ativa, que ocupam principalmente postos-chave no Palácio do Planalto e são os responsáveis por manter os serviços básicos do Executivo – e um mínimo de racionalidade –  em funcionamento.

O constrangimento só não é maior e mais visível porque há um compromisso tácito com a estabilidade

O terceiro governo gira em torno do Ministério da Economia, que conta com quadros de primeira linha e, mesmo sabotado por outras alas do Executivo, tenta impor uma agenda de modernização, responsabilidade fiscal e desburocratização do país. O quarto governo é composto por ministros com trajetórias próprias, como os da Cidadania, da Agricultura, da Infraestrutura e da Justiça, que conservam poucos laços entre si mas, a seu jeito, fazem o possível para tocar suas áreas adiante. O quinto governo é o de Bolsonaro, que, por miopia ou alienação da realidade, nega publicamente as fraturas e enxerga um time sólido enquanto abalos sísmicos entre as facções do Executivo deixam o país perplexo.
       
A gradual deterioração do governo eleito com enorme expectativa por folgada maioria do eleitorado se origina na percepção de que o presidente ainda não tem noção da envergadura, dimensão e responsabilidade de seu cargo. Ao tolerar que o orientador ideológico da família Bolsonaro ataque ministros militares e as Forças Armadas com baixarias vistas raras vezes na história política brasileira, o presidente não assume, ao contrário do que imagina, uma posição de magistrado. Antes disso, sua propalada neutralidade na disputa que corrói a administração é um incompreensível endosso às aleivosias disparadas por um guru lunático que acaba de ser contemplado com a Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco. Trata-se de uma provocação para diplomatas e militares tão ou mais disparatada do que a condecoração de Che Guevara por Jânio Quadros com a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul em 1961.