Episódio é um marco em todos os seus aspectos
Era um tanto óbvio que as chances de assistirmos às cenas que vimos no último domingo, em Brasília, estavam no horizonte. As dúvidas eram a dose e quando o fenômeno ocorreria. É como uma mola que é comprimida, comprimida, comprimida. Um dia ela quebra. Ou devolve em um golpe toda a energia acumulada, em uma reação em sentido inverso.
A passagem do tempo será um ingrediente importante para que julgamentos mais certeiros possam ser feitos – inclusive para apurar se havia gente infiltrada, disposta a promover a barbárie. Ainda assim, algumas coisas parecem bastante claras. Depredar patrimônio público é atentar contra o próprio bolso – e, em alguns casos, contra a própria história. Se é público significa que é de todos. Meu, seu e, inclusive, de quem participou dos atos. E aí cabe a primeira linha de corte.
Aqueles que apenas deram uma demonstração de revolta contra os abusos do Supremo Tribunal Federal estão no seu direito. O Congresso Nacional, até segunda ordem, é a Casa do Povo. E, se um dia o povo não puder mais adentrar na casa que dizem ser dele, será o fim. Quem ultrapassou esta linha e vandalizou aquele espaço já se encontra em um segundo grupo e que precisa ser investigado e punido.
Depois que a multidão tomou conta do Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto, não demorou muito para que defensores de movimentos bandoleiros e que desrespeitam a propriedade privada (MST, MTST e afins) classificassem todas as pessoas que lá estavam como baderneiros. Alguns, sim. Não todos.
O senador petista Paulo Paim, por exemplo, chamou as pessoas de “invasores”. É curioso, mas não tenho na memória qualquer referência similar feita pelo senador de uma pauta só ao Movimento dos Sem-Terra, que historicamente desrespeita aquele que é um dos pilares de qualquer sociedade desenvolvida: a propriedade privada. Zero surpresa, vindo de quem veio.
Outra hipocrisia saiu da boca de Lula. Visivelmente nervoso (o campeão de popularidade que talvez não seja tão popular assim) usou a expressão “stalinistas fanáticos” ao se referir ao grupo de Brasília. O ato falho talvez diga mais sobre o próprio Lula do que sobre as pessoas que transformaram um domingo pacato na capital federal em um dos dias mais agitados do país, nos últimos anos.
O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello isentou o ex-presidente Jair Bolsonaro de qualquer culpa ou responsabilidade sobre o episódio. E apontou o dedo para o STF, relembrando a “descondenação” de Lula como o princípio de tudo. Mello está coberto de razão. Foram os “iluministros” que movimentaram as placas tectônicas que culminaram com a erupção do último domingo.
Uma singela dica: críticas podem e merecem ser feitas aos que ultrapassaram a linha do bom senso e da razoabilidade. Mas só devem ser levadas a sério aquelas que partirem de gente que sempre condenou atos assim, e não daqueles cujos princípios variam conforme a orientação ideológica – é a turma do não interessa o que se faz ou diz, mas sim de que lado se está.
O episódio de domingo não deixa de ser um marco, pelos seus aspectos positivos (um povo que se rebela contra a tirania de um dos poderes e a omissão dos demais) e pelos negativos (depredação, vandalismo, destruição). Pelos prós e contras, teve força suficiente para deixar muita gente de cabelo em pé.
Não espero que Alexandre de Moraes coloque o pé no freio. Pelo contrário. Mas talvez os senadores acordem do confortável quadro de anestesia no qual se encontram. Pelo bem e pelo mal, um vulcão entrou em erupção.