Artigo, Jacy de Souza Mendonça - Impeachment

Dispõe a Constituição Federal do Brasil que o Presidente da República está sujeito à perda do cargo pela prática de crimes de responsabilidade: contra a existência da União; contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; contra o exercício dos direitos políticos individuais e sociais; contra a segurança interna do País; por improbidade na administração; contra a lei orçamentária; ou contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Os constituintes de 1988 poderiam ter disposto que o julgamento, desses processos, teria natureza jurídica (como, de certo modo, ocorre na Inglaterra, onde a Câmara dos Lords é transformada em tribunal), ou teria natureza política (como nos Estados Unidos). Optaram pelo segundo caminho: a Câmara dos Deputados autoriza a abertura do processo e o Senado Federal cuida de sua tramitação, decidindo como instância única. Em um gesto meramente simbólico, durante esse processamento, a Presidência do Senado Federal é entregue ao Presidente do STF, cujo papel é, no entanto, de mero adorno político.

A opção constitucional brasileira, ao caracterizar o ato como meramente político, atrai consequências. Se a decisão tivesse natureza jurídica e, por isso, coubesse ao STF, os votos de cada Ministro deveriam ser expressamente justificados e fundamentados em leis e provas; como decisão parlamentar, no entanto, basta o voto dos Senadores, sem necessidade de justificativa, de fundamento legal e de análise de provas. Perdeu sentido, portanto, o pressuposto fático dos crimes de responsabilidade, já que a maioria imotivada e silenciosa dos votos parlamentares é suficiente. Afasta-se também toda e qualquer possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, que sequer terá competência recursal; no máximo, poderá apreciar o respeito ou desrespeito às leis processuais promulgadas para o ato.

PAULO BROSSARD publicou seu livro O Impeachment em 1965. É, aliás, a única obra publicada no Brasil sobre o assunto. Não esboçou nenhum elogio ao instituto; escolheu-o apenas para cumprir exigência acadêmica em seu propósito de justificar-se no exercício da cátedra de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Destacou então que o interesse maior no processo de impeachment é proteger o Estado e não punir o delinquente; assim, não há porque perquirir sobre a existência de crime: afastado do cargo o Presidente, satisfaz-se o interesse jurídico.

Essa opção de nossa Constituição pode não ter sido a melhor dentre as possíveis, mas é a que está em vigor. Há que respeitá-la. Obtido o quorum previsto no texto, o voto da maioria faz o efeito da coisa julgada, sem deixar espaço para recurso.


Sem sentido, portanto, o brado exigindo estrita fundamentação jurídica da decisão, a pré-existência de crime de responsabilidade. Nenhum Senador precisa justificar seu voto. A maioria vence, como decidiram os constituintes de 1988 e como já ocorreu na única vez em que o instituto foi aplicado entre nós, no governo Collor.