Outorgada por D. Pedro I, a Carta Imperial de 25 de março de 1824 foi inspirada no constitucionalismo inglês, segundo o qual é constitucional apenas aquilo que diz respeito aos poderes do Estado e aos direitos e garantias individuais, conta, hoje, o historiador Paulo Vendelino Kons, que é de Brusque, SC. O historiador mandou dizer ao editor, hoje, que o conhecimento da nossa trajetória constitucional é indispensável para que o cidadão exearça seus direitos.
O conhecimento de nossa trajetória constitucional, de como se moldaram, nesses dois séculos, nossas instituições políticas, é indispensável para que o cidadão exerça seu novo direito, o de alargar, depois do voto, seu poder de caucionar e orientar o mandato outorgado a seus representantes.
A primeira Constituição brasileira conferiu as bases da organização político-institucional do país independente. Em 1822 D. Pedro convocou uma assembleia constituinte com a tarefa de elaborar uma Constituição para o Brasil. Instalada em 3 de maio de 1823, a assembleia foi dissolvida pelo imperador em 12 de novembro deste mesmo ano, devido ao descontentamento de D. Pedro com as propostas de limitação de seus poderes e de definição das atribuições do Poder Executivo. A tarefa de elaborar uma constituição para o Brasil foi conferida, então, ao Conselho de Estado, tomando por base o projeto que esteve em discussão na assembleia constituinte que fora dissolvida.
Apoiada numa pluralidade de matizes teóricas, como a experiência constitucional da Espanha (1812) e da França (1814), o modelo expresso na Constituição de 1824 resultou da tentativa de conciliar os princípios do liberalismo à manutenção da estrutura socioeconômica e da organização política do Estado monárquico que emergira da Independência.
A Constituição de 1824 não serviu apenas para os momentos de estabilidade política, conseguida, no Império, a partir da Praieira (1848-1849), que foi a última rebelião de caráter político no período monárquico. Serviu, também, com a mesma eficiência, para as fases de crise que se multiplicaram numa sucessão interminável de revoltas, rebeliões e insurreições, entre 1824 e 1848. Mais do que isso: foi sob esse mesmo texto, emendado apenas uma vez, que se processou, sem riscos de graves rupturas, a evolução histórica de toda a Monarquia. Essa evolução inclui fatos de enorme relevância e significação tanto política como econômica e social. As intervenções no Prata e a Guerra do Paraguai; o fim da tarifa preferencial da Inglaterra e o início do protecionismo econômico, com a tarifa Alves Branco, de 1844; a supressão do tráfico de escravos, o início da industrialização e a própria Abolição, em 1888, são alguns desses exemplos.
Uma série de circunstâncias, derivadas em grande parte do início do constitucionalismo moderno, contribuiu para que esse documento, ainda que outorgado, assumisse incontestável relevância em nossa história constitucional. Mais do que o julgamento de historiadores, juristas e cientistas políticos, que a esse respeito é quase unânime, vale o seguinte comparativo: É claro que temos que levar em conta que não é só sob o aspecto da durabilidade que as Constituições provam, objetivamente, a sua eficiência. O próprio conceito filosófico e doutrinário que inspira cada texto constitucional costuma emprestar-lhe esse sentido de permanência, na medida em que o concebe como um documento jurídico adaptado às condições econômicas e sociais do meio a que se destina, permitindo, em vez de travar e impedir as mudanças necessárias, acelerar a evolução de toda sociedade política.
No caso da Carta de 1824, esse foi um requisito essencial de sua concepção. Inspirados nos princípios do constitucionalismo inglês, segundo o qual é constitucional apenas aquilo que diz respeito aos poderes do Estado e aos direitos e garantias individuais, os autores do texto outorgado por D. Pedro I transplantaram para o art. 178 o que seguramente constitui a chave do êxito e da duração da Carta Imperial: “Art. 178 – É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias.”
Assim concebida, a Constituição, com sua única emenda, o Ato Adicional de 1834, serviu tanto às monarquias de D. Pedro I e de seu filho e sucessor D. Pedro II quanto à chamada “experiência republicana”, representada pelo período regencial que se estende do sete de abril, em 1831, à Maioridade do Imperador, em 1840. Sem que fosse necessário tocar em qualquer de seus artigos, instituiu-se, embora nela não estivesse prevista, a praxe do governo parlamentar, a partir da criação do cargo de Presidente do Conselho de Ministros, em 1847, por simples decreto do Executivo.
Da mesma forma, passamos do voto indireto à Lei Saraiva, de 1881, matéria que, por sinal, gerou memorável polêmica, exatamente porque a escolha do sistema de eleição em dois graus, instituído em 1822, para a escolha dos Constituintes de 1823, constava expressamente do texto constitucional. Experimentamos o sistema distrital, alteramos sensivelmente a legislação eleitoral e, mantendo intocada a Constituição, realizamos, em suma, virtualmente, todas as mudanças que o País conheceu nesse período, sem que ninguém pensasse ou sentisse necessidade de reformar a velha Carta, de 65 anos de duração.
Em síntese podemos afirmar que a Constituição de 1824 funcionou para balizar o funcionamento da recém-criada nação independente brasileira. Delimitou a unidade territorial, criou uma divisão clara entre os poderes, garantiu direitos individuais, civis e políticos. Além disso, colocou como responsabilidade do Estado brasileiro a educação e definiu o catolicismo como religião oficial e garantiu o direito de culto de outras religiões.
Saiba mais: aprovada por algumas Câmaras Municipais da confiança de D. Pedro I, a Constituição de 1824 continha 179 artigos:
“CARTA DA LEI – DE 25 DE MARÇO DE 1824
Manda observar a Constituição Politica do Imperio, offerecida e jurada por Sua Majestade o Imperador.
Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deos, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil:
Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que tendo-Nos requerido os Povos deste Imperio, juntos em Camaras, que Nós quanto antes jurassemos e fizessemos jurar o Projecto de Constituição, que haviamos offerecido ás suas observações para serem depois presentes á nova Assembléa Constituinte; mostrando o grande desejo, que tinham, de que elle se observasse já como Constituição do Imperio, por lhes merecer a mais plena approvação, e delle esperarem a sua individual, e geral felicidade Politica: Nós Jurámos o sobredito Projecto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que d’ora em diante fica sendo deste Imperio; a qual é do theor seguinte:
CONSTITUIÇÃO Politica do Imperio do BRAZIL
Em Nome da SANTISSIMA TRINDADE.
TITULO 1º - Do Imperio do Brazil, seu Territorio, Governo, Dynastia, e Religião.
Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.
Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.
Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo.
Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I, actual Imperador, e Defensor Perpetuo do Brazil.
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permittidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de Templo.
TITULO 2º. - Dos Cidadãos Brazileiros.
Art. 6. São Cidadãos Brazileiros
I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.
II. Os filhos de pai Brazileiro, e os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio.
III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em serviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil.
IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residencia.
V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação.
Art. 7. Perde os Direitos de Cidadão Brazileiro
I. O que se naturalisar em paiz estrangeiro.
II. O que sem licença do Imperador aceitar Emprego, Pensão, ou Condecoração de qualquer Governo Estrangeiro.
III. O que fôr banido por Sentença.
Art. 8. Suspende-se o exercicio dos Direitos Politicos
I. Por incapacidade physica, ou moral.
II. Por Sentença condemnatoria a prisão, ou degredo, emquanto durarem os seus effeitos.
TITULO 3º. - Dos Poderes, e Representação Nacional.
Art. 9. A Divisão, e harmonia dos Poderes Politicos é o principio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a Constituição offerece.
Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.
Art. 11. Os Representantes da Nação Brazileira são o Imperador, e a Assembléa Geral.
Art. 12. Todos estes Poderes no Imperio do Brazil são delegações da Nação.
(...)
TITULO 8º. - Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros.
(...)
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.
II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica.
III. A sua disposição não terá effeito retroactivo.
(...)
Mandamos portanto, a todas as Autoridades, a quem o conhecimento e execução desta Constituição pertencer, que a jurem, e façam jurar, a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nella se contem. O Secretario de Estado dos Negocios 88 Constituições Brasileiras do Imperio a faça imprimir, publicar, e correr. Dada na Cidade do Rio de Janeiro, aos vinte e cinco de Março de mil oitocentos e vinte e quatro, terceiro da Independencia e do Imperio.
IMPERADOR Com Guarda.
João Severiano Maciel da Costa.”
Historiador Paulo Vendelino Kons
E-mail: bicentenariodaindependencia@gmail.com | paulo.kons@brusque.sc.gov.br