A Europa sofre uma crise energética sem precedentes. O preço do gás natural —crucial componente para a matriz energética e para a calefação— está dez vezes mais alto que a média da última década. A energia elétrica também está muitas vezes mais cara.
A história demonstra que, toda vez que ocorreu um choque no fornecimento de energia, seguiu-se uma recessão severa. O cenário não é bonito. As estimativas de crescimento econômico da Alemanha em 2023 foram revisadas de cerca de 3,5% para zero nos últimos dois meses.
Essa é a história de um continente complacente, que durante duas décadas se tornou viciado no gás russo, seu único fornecedor. É a história de uma dependência juvenil que poderia ter sido evitada se Bruxelas não se empolgasse em demasia com o frenesi de conferências repletas de gente que não precisa entregar resultados. É a história que se repete: de apaziguamento ingênuo, de imaturidade geopolítica, de paz-e-amor idealizados. Mas Putin joga xadrez, e Bruxelas, bolinhas de gude.
A ideia europeia em 2010 era que o gás natural seria o combustível ideal da transição energética: menos poluente que o carvão (que emite o dobro), menos "perigoso" que a energia nuclear (conceito controverso). A Alemanha programou o fechamento de todas as suas usinas nucleares. A Europa construiu uma colossal infraestrutura industrial baseada na importação do gás russo.
Adicionalmente, importantes terminais de armazenamento foram desativados com a chegada dos gasodutos da Gazprom, a gigante de energia controlada pelo Kremlin. Ou seja, os europeus aposentaram "discos rígidos" quando se conectaram no "streaming" da "nuvem" russa. Mesmo neste 2022, a partir da guerra, a geração de energia baseada em gás russo vem aumentando mês a mês, em razão do desligamento dos reatores nucleares e de menor produção de demais componentes da matriz.
Nada se aprendeu desde 2004? Naquele ano, o povo ucraniano votou em um líder mais alinhado com a Europa, em substituição ao fantoche do Kremlin. Alguns meses depois, a Gazprom, que controlava 1/3 da oferta mundial de gás, exigiu preços cinco vezes mais altos, a Ucrânia se recusou a pagar, e o Kremlin cortou o fornecimento no dia mais frio de janeiro. Esse evento inaugurou a "weaponization" da energia russa, a criação de um poderoso botãozinho na mesa de Putin para exercer pressões geopolíticas.
Em 2014, a Rússia invadiu e tomou a Crimeia. A Europa já importava da Rússia mais de 25% de sua demanda de gás. Putin concluiu que já havia construído alavancagem suficiente sobre a Europa. Imaginou que as sanções não seriam tão severas. Uma eventual condenação pelo tribunal da opinião pública não incomodava o Kremlin. Pagou para ver e levou. Putin cortou novamente o fornecimento à Ucrânia. Bruxelas deu de ombros, como se não fosse problema seu
Em 2018, em discurso na ONU, Trump alertou para o risco de a Alemanha se tornar totalmente dependente se não diversificasse sua matriz imediatamente e disse que o Ocidente não deveria ficar vulnerável a políticas externas expansionistas. O ministro das Relações Exteriores alemão desfez-se em sorrisinhos sarcásticos em sua delegação. Trump estava correto, no entanto.
A Europa, encantada pelos ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), investiu em tecnologias verdes e aumentou sua dependência do gás russo para 40%. A invasão inflou a receita da Gazprom, e agora a Rússia fechou novamente as torneiras, o que não deveria ter sido uma surpresa a conhecedor algum da história, mas chocou muitos europeus. com custo exorbitante, preços nas alturas, racionamento, e a volta ao carvão, ao menos temporariamente. É a era do ESG: Europa sem gás