No dia 30 de julho de 2014, Lutero Fernandes do Nascimento, chefe do serviço de assessoria técnica e jurídica do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), do Ministério da Fazenda, conversava com o conselheiro Jorge Victor Rodrigues e ouviu: "Pode dar samba. Vai dar samba".
Ia dar samba. Os dois, mais os auditores da Receita Federal Jefferson Salazar (aposentado) e Eduardo Cerqueira Leite, negociavam com João Inácio Puga, do conselho de administração do banco Safra, o fim de uma cobrança de R$ 1,4 bilhão devidos à Viúva. O serviço renderia uma propina de R$ 15,3 milhões.
Para desencanto dos interessados, eles dançaram. Deu num inquérito que resultou na denúncia de quatro operadores da máquina do Carf, de um ex-diretor do banco e do próprio banqueiro Joseph Safra, a segunda maior fortuna do país.
Numa investigação exemplar, a Polícia Federal grampeou telefonemas, fotografou encontros e mapeou as conexões do grupo. Apanhados na rede dos investigadores da Operação Zelotes, eles ajudaram a construir um precioso retrato da maneira como funcionava a quadrilha. Operavam no mundo dos poderosos com a cabeça de malandros de comédias italianas. A certa altura, desconfiaram que seus telefones estavam grampeados (estavam) e passaram a usar aparelhos exclusivos para essas conversas. Tudo bem, mas informaram os novos números aos colegas por telefone. Habilitaram novos aparelhos usando dados pessoais de um funcionário do banco, sem o seu consentimento.
Desde o ano passado sabia-se da extensão das descobertas, e o primeiro juiz que cuidou do caso (hoje afastado) negou o pedido de prisão de Puga, cujo apelido no grupo era "Careca". O doutor conversava, negociava e chegou a criar uma cláusula de desempenho pela qual os operadores perderiam dinheiro se demorassem a resolver o caso. Tudo isso, de boca, pois não queria uma só folha de papel escrita. O banco informa que não negociou propinas e que nunca foi beneficiado por decisões do Carf.
A longa denúncia dos promotores tem a virtude de expor a montagem da operação. A coisa encrenca quando eles chegam ao topo da pirâmide, denunciando o próprio Joseph Safra. Em nenhum momento ele foi mencionado por Puga. O ex-diretor só falava num "pessoal" que tomava as decisões finais. Um dos argumentos dos promotores é o de que seria impossível o banqueiro desconhecer a tramitação de uma propina de R$ 15,3 milhões, já que essa quantia representava 41,3% do capital social do banco. A correlação é pueril e contamina a conclusão. O capital social de um banco nada tem a ver com seu patrimônio. O ervanário de Joseph Safra é estimado em US$ 18,3 bilhões.
Pode-se acreditar que um capilé de R$ 15,3 milhões jamais rolaria no seu banco sem que Safra soubesse, mas também pode-se sustentar o contrário, que ele, como Lula, nunca soube de nada. Para a Justiça felizmente, não basta acusar ou achar. É necessário provar.