– Tens certeza, minha filha?
– Tenho sim.
– Você não acha…
– Pai! Tenho certeza; é hoje, e é o Ignácio!
A mudança no tom da voz, no olhar e no fato da segunda resposta vir acompanhada de três movimentos de um dedo indicador estendido, calou João carlos.
João Carlos é engenheiro, cartesiano, bem sucedido, homem de decisões e pai de duas filhas.
Clarice é a primogênita, tinha 17 anos, estava no segundo ano de psicologia, tocava violão para o pai nos fins de tarde dominicais, e namorava o Ignácio - havia sessenta dias.
Ainda administrando a descarga de adrenalina que a informação causara, João Carlos, o pai, buscou uma solução para o inusitado diálogo:
– Minha filha, me entenda. Estava… estou… Você repartir comigo esta novidade… tão pessoal… – Catava as palavras em voz baixa, tentando normalizar a respiração.
Dez segundos de silêncio, e o engenheiro encontrou seu discurso:
– Esta é a nossa cumplicidade! Foi o que construimos, não foi? O que eu posso dizer que não seja em louvor de nossa relação? Muito obrigado, minha filha. Estou até emocionado. – Concluiu, dando dois passos em direção à filha para receber, sem um olhar, dois tapinhas no ombro direito.
Homem determinado e, afinal, pai da menina Clarice, João Carlos não se deu por satisfeito. Baixou a cabeça, alinhou os braços ao lado do corpo, suspirou profundamente, colocou o peito à frente, olhou por baixo das sobrancelhas agora caídas e, com voz rouca, fez seu melhor movimento:
– Minha filha, que bom que você dividiu comigo. Eu te amo.
Clarice repetiu os dois passos, ficou na ponta dos pés e encheu o rosto do pai de beijos.
Naquela noite, João Carlos não dormiu.
Até hoje, são muitas as noites em que João Carlos não dorme: Clarice ficou convencida que é importante dividir a informação com o pai, sempre que troca de parceiro ou namorado.