O próximo presidente e aqueles que estarão na oposição
devem ter a grandeza de compreender que o País não pode ficar em campanha
eleitoral permanente
Depois de uma campanha eleitoral especialmente
truculenta, em que a baixaria atingiu níveis inéditos e houve até atentado a
faca contra um dos candidatos, os eleitores irão hoje às urnas praticamente sem
saber o que de fato os dois postulantes à Presidência da República pretendem
fazer para resolver os gravíssimos problemas nacionais.
A pobreza das propostas foi escamoteada pela troca de
insultos e pela histeria, num clima de briga de torcidas que contaminou até
mesmo as relações familiares e de amizade - não foram poucos os brasileiros que
romperam contato com parentes e conhecidos em razão de suas opções políticas.
Ou seja, a campanha eleitoral que hoje termina foi muito
além do tradicional e algumas vezes agressivo embate de programas para o País,
quase sempre superado assim que as urnas fecham; o que se viu, por todos os
lados, foi a completa recusa de ouvir a opinião alheia, de reconhecer a
legitimidade de quem pensa de modo diferente e de usar a razão em vez da
emoção. Provavelmente o desfecho da eleição não desanuviará de imediato tal
clima de hostilidade.
Pode avizinhar-se, portanto, um terceiro turno, pois o
resultado da eleição talvez não seja suficiente para aplacar os ânimos. Mas é
preciso esquecer os discursos inflamados em que um lado falava em “metralhar”
os simpatizantes do rival e o outro tratava o adversário como um ditador em
potencial. Espera-se que a proclamação do vencedor seja capaz de encerrar a
contenda eleitoral, a despeito da virulência da campanha. Afinal, o País
necessita urgentemente de estabilidade e de medidas concretas para superar seus
profundos desequilíbrios fiscais e estruturais, algo que só será possível por
meio de um amplo acordo político.
Não se chega ao estado de espírito que presidiu a
campanha por acaso. Foram anos de corrupção, desmandos e desfaçatez por parte
do grupo político que, capitaneado pelo hoje presidiário Lula da Silva, chegou
ao poder disposto a dali nunca mais sair - e do qual o candidato Haddad é
herdeiro consagrado. A reação a essa ofensiva antidemocrática - materializada
na Operação Lava Jato -, se deve ser louvada por ter exposto o assalto que
estava sendo cometido aos cofres públicos, por outro lado demonstrou lamentável
inclinação para a ribalta e o messianismo. Todos os políticos passaram a ser
considerados igualmente corruptos até prova em contrário, instaurando-se um
clima de caça às bruxas que só poderia resultar na emergência de políticos
oportunistas que se apresentaram como “antissistema” - caso do candidato
Bolsonaro. Pouco importavam suas propostas para o País - que, aliás, ninguém
sabe quais são, pois elas não foram explicitadas, limitando-se a bravatas e
slogans.
O outro lado tampouco ajudou. Ao contrário: Lula
abastardou a campanha eleitoral ao usá-la escandalosamente em sua estratégia
para tentar sair da cadeia, lançando como candidato um mero preposto, Fernando
Haddad, e induzindo seus fanáticos seguidores a conflagrar ainda mais a Nação.
Quem realmente se importa com o País deve aceitar o dia
de hoje, quando se encerra a eleição, como o ponto final desse enredo de
horror. Urge que a classe política, a começar pelos partidos que disputam o
segundo turno, deixe de lado a irresponsabilidade e se esforce para colocar o
interesse público em primeiro lugar. Não é hora senão da reconciliação, e o exemplo
deve partir dos líderes políticos. Uma vez encerrada a votação e conhecido o
vencedor, o próximo presidente e aqueles que estarão na oposição devem ter a
grandeza de compreender que o País não pode ficar em campanha eleitoral
permanente.
Há muito trabalho a ser feito, e uma parte significativa
desse trabalho - como as reformas constitucionais - só poderá ser realizada se
houver amplo consenso. Para isso, o compromisso com a democracia, proclamado
durante a campanha pelos dois candidatos, não pode ser da boca para fora. Tanto
quem ganhar como quem perder deve ser capaz de conviver com seu adversário,
reconhecendo-lhe a legitimidade. Mais de uma década sob governos de um partido
que dividiu o País em “nós” e “eles” e cujos líderes nunca desceram do palanque
foi o bastante para sabermos o mal que isso faz.