Os balanços dos três maiores bancos priva- dos que atuam
no Brasil comprovam que a crise econômica passa longe do setor financeiro. Juntos, Bradesco, Santander e Itaú
lucraram R$ 50,12 bilhões em 2015, aumento de 20% em relação a 2014, quando
ganharam R$ 41,8 bilhões. Tanto Itaú quanto Bradesco registraram os maiores
resultados da História, com R$ 26,15 bilhões e R$ 17,8 bilhões,
respectivamente.
Entre os vários itens responsáveis por essa alta
lucratividade, o aumento das tarifas e serviços bancários acima da inflação
teve um peso que chamou a atenção das entidades de defesa do consumidor. Só o Itaú,
o Bradesco e o Santander arrecadaram R$ 83,11 bilhões, em 2015, com receitas de
serviços, em que estão embutidas as tarifas – Bradesco registrou R$ 41,8
bilhões, Itaú R$ 29,45 bilhões e Santander, R$ 11,86 bilhões. O montante total
do que foi arrecadado com as tarifas, porém, é uma caixa-preta que os bancos
não divulgam nem em suas demonstrações
financeiras.
As tarifas praticadas pelas instituições bancárias foram
padronizadas em 2007, por meio da Resolução nº 3.518 do Conselho Monetário
Nacional (CMN). Desde então, os bancos são obrigados a deixar claro aos
consumidores todos os serviços cobrados, além de oferecer pacotes que contenham
os chamados serviços essenciais. De acordo com
a regulamentação do BC, no caso
de aumento das tarifas, os bancos devem comunicar ao consumidor com, no mínimo,
30 dias de antecedência. Além disso, o consumidor deve ter fácil acesso às
informações relativas aos serviços cobrados, no site da instituição e em
tabelas na própria agência.
Em 2010, a edição da Resolução, a nº 3.919, que alterou e
consolidou a Resolução nº 3.518, de 2007, possibilitou aos clientes a
comparação entre os preços dos serviços de cartão de crédito praticados pelos
bancos e demais instituições emissoras. De acordo com Sidney Menezes Ferreira,
diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do BC, “a Resolução nº
3.919 estabeleceu que somente é admissível a cobrança de tarifas de clientes se
o serviço tiver sido previamente autorizado ou solicitado por eles, e se a
possibilidade de cobrança estiver prevista no normativo”. A Resolução
determinou, também, a obrigatoriedade da oferta, por parte de instituições
emissoras, de cartão de crédito de baixo custo e de formatação simplificada, a
ser utilizado na sua função clássica de pagamento de bens e serviços em
estabelecimentos credenciados. Denominado “cartão básico”, tanto nacional
quanto internacional, não pode estar associado a programas de benefícios ou de
recompensas.
DE OLHO NO
CONSUMIDOR
O cumprimento dessas normas é acompanhado de perto pelo
BC e órgãos de defesa do consumidor. Segundo Sidney Ferreira, a fiscalização
realizada pelo Banco tem por objetivo verificar se a cobrança de tarifas está
em desacordo com o que de- termina a Resolução nº 3.919, e é feita por meio de
verificações especiais in loco, aná- lises horizontais e nos acompanhamentos
específicos feitos junto aos bancos. “Já a abusividade da cobrança de tarifa,
entendida como a precificação abusiva dos serviços prestados pelas
instituições, é matéria da alçada dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor, do qual o Banco Central não é parte integrante”, explica.
Para as entidades que defendem o cliente bancário, porém,
não é simples detectar os abusos. Em resposta à regulamentação do BC, que criou
quatro pacotes padronizados e uniformizou a nomenclatura das tarifas, os bancos
montaram seus próprios pacotes comerciais, reajustados sem qualquer tipo de
limite legal, permitindo, assim, aumentos muito acima da inflação. O que
explica, em parte, suas altas taxas de lucratividade. “Embora o BC tenha
imposto quatro tipos de pacotes padronizados, no momento da abertura de conta,
o banco empurra um dos seus pa- cotes comerciais. Para cancelá-lo, o cliente
tem de enviar carta em duas vias”, explica Cristina Rafael Martinussi, supervisora
de pesquisas do Procon-SP.
Nehemias Monteiro Junior, analista do BC, observa que no
ranking de instituições por índice de reclamação, a quinta queixa mais
recorrente é a de cobrança irregular de tarifas por serviços não contratados,
seguida por recusa de cancelamento do pacote de serviços, em 13º lugar, e
cobrança irregular de tarifa de serviço prioritário, em 21º. “Muitas vezes, o
banco cobra por um pacote de serviços, mas pela lei não pode fazer isso, caso o
cliente não tenha solicitado o pacote. Outra irregularidade comum é quando o
banco muda as regras de isenção e o cliente passa a pagar tarifas. As pessoas
confiam no que lhes é oferecido, mas muitas vezes o pacote não é adequado às
necessidades do cliente”, adverte Nohemias.
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), realizada no ano passado, os aumentos chegam a 136%, entre
serviços avulsos, e 75,2%, entre os pacotes analisa- dos. O estudo avaliou 75
pacotes de serviços dos seis maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco,
Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander) e detectou que 44% sofreram
reajustes. Em muitos casos, os aumentos aplicados foram bem superiores à
inflação do período (de março de 2014 a fevereiro de 2015, medida em 7,7%). O
Bradesco, por exemplo, elevou o preço de um de seus pacotes em 75,2% – quase
dez vezes acima da inflação.
“Os reajustes foram mais frequentes entre os pacotes de
custo intermediário, os quais, possivelmente, são os mais utilizados pelos
consumidores”, aponta Ione Amorim, economista e pesquisadora do Idec. Entre as
tarifas avulsas, os aumentos, apesar de pontuais, também foram significativos.
O HSBC, por exemplo, ele- vou a anuidade de um cartão de crédito em 136%. “Os
índices [de reajuste] muito superiores à inflação são abusivos e sem
justificativas do ponto de vista da prestação do serviço”, alerta.
Ione Amorim informa que uma nova pesquisa será publicada
em setembro, com os dados de 2016. Mas, de antemão, já detectou o aumento de
ta- rifas em função do endividamento das pessoas, que têm buscado menos
crédito. Com a redução das receitas de financiamento, os bancos buscam
compensar as perdas por meio da elevação das tarifas de serviços bancários.
O Procon-SP, por sua vez, chama a atenção para a
disparidade entre as tarifas praticadas pelos bancos. Pesquisa do órgão,
divulgada no fim de junho, revela que a diferença de valor entre os serviços
bancários prioritários pode chegar a 447,50%. Para o serviço “Pagamento de
contas utilizando a função crédito do cartão”, o menor valor cobrado foi R$ 4,
pelo Banco do Brasil, e o maior, R$ 21,90, pelo Santander. A pesquisa analisou
e comparou serviços
prioritários e pacotes padronizados de sete instituições
financeiras: Banco do Brasil, Bradesco, CEF, HSBC, Itaú, Safra e Santander. Os
dados foram coletados nos próprios sites dos bancos.
Segundo Cristina Martinussi, na comparação entre 2015 e
2016, a maior variação foi de 198,25%, no serviço Depósito Identificado no
Banco do Brasil. Em 16/6/15, o custo desse serviço era de R$ 2,85, em 2/6/16,
passou para R$ 8,50.
Na comparação entre os bancos, feita pelo Procon-SP, a maior
diferença foi encontrada no Pacote Padronizado IV. O menor valor cobrado por
ele é de R$ 25,50 no HSBC, enquanto no Itaú o mesmo pacote custa R$ 36 – 41,18%
mais caro.
A Fundação Procon-SP lembra que o Banco Central
estabelece um rol de ser- viços gratuitos, que pode ser boa opção para o
consumidor que não utiliza a conta corrente com frequência. Mas no caso de
optar pela contratação de um pacote, o correntista deve verificar se os
serviços inclusos e suas respectivas quantidades estão de acordo com sua
utilização, e sempre observar se a instituição financeira oferece algum
desconto no pacote, em função do seu relacionamento com ela.
NA ERA DIGITAL
A utilização de novas tecnologias, com o oferecimento de
serviços, tais como SMS, token e agências virtuais, também é fonte de
preocupação. Questionado sobre se esses novos serviços podem ser tarifados,
Sidney Ferreira explica que a Resolução 3.919 admite a cobrança pela prestação
do serviço diferenciado, como envio de mensagem automática relativa à movimentação,
ou lançamento em conta de depósitos ou de cartão de crédito. “A cobrança de
tarifas, nesse caso, pressupõe que o serviço tenha sido objeto de contratação
prévia pelo cliente, com a explicitação de suas condições de utilização e de
pagamento. Quanto ao fornecimento de token e à disponibilização de agências
virtuais, a regulamentação vigente não prevê a possibilidade de cobrança de
tarifas específicas”.
De todo modo, o Banco Central vem acompanhando as
inovações que guardam relação com as atividades desenvolvidas no âmbito do
mercado financeiro, tendo criado um grupo de trabalho interno, com a
participação de representantes de todas as áreas técnicas, com o objetivo de
elaborar, inicialmente, estudos a res- peito de inovações tecnológicas digitais
relacionadas às atividades do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de
Pagamentos Brasileiro.
No intuito de baratear seus custos, os bancos também têm
insistido no uso de canais digitais, em substituição aos canais presenciais.
Para Ione Amorim, essas iniciativas estimulam a precarização dos serviços
bancários, como a recente decisão dos principais bancos de deixarem de receber
pagamento de contas nos guichês das agências. Ela lembra que nem todo mundo tem
internet, e nem toda cidade tem infraestrutura de telecomunicações adequada. “A
migração para os canais digitais não é espontânea, e sim imposta e estimulada
pelos bancos. Num primeiro momento, os novos serviços que ainda dependem de
adesão são oferecidos sem custo, mas o segundo passo é cobrar pelas facilidades,
como o doc e a transferência no internet banking”, adverte.
Em defesa das instituições bancárias, a Federação
Brasileira de Bancos (Febraban) esclarece, por meio de um posicionamento
padrão, que taxas e tarifas representam o pagamento pela prestação de serviços.
Os bancos são tanto prestadores de serviços quanto intermediários financeiros.
Isto é, além de serem remunerados pela concessão de crédito, auferem receitas
por outras diversas atividades. A entidade afirma que os bancos seguem estritamente
as regulamentações do Banco Central no que se refere às cobranças que podem ou
não serem feitas. Dentro das normas estabelecidas, cada instituição financeira
determina os preços de seus produtos de acordo com sua estratégia comercial.