Governador lembrou durante a entrevista no Palácio
Piratini que dívida total do RS se aproxima de R$ 100 bilhões.
Depois de debater com a sociedade – parlamentares,
sindicatos de categorias de servidores e chefes de Poderes – a Reforma
Estrutural do Estado, o governador Eduardo Leite concede a entrevista a seguir
dentro da política de transparência nas informações prestadas para os gaúchos
neste momento de grande importância para o futuro do Rio Grande do Sul.
A reestruturação nas carreiras dos servidores e nas
regras previdenciárias – como propõe a reforma – se faz necessária para trazer
equilíbrio às finanças do Estado. Um número que comprova essa necessidade: 82%
das despesas deste ano até o momento foram para pagar o funcionalismo – que vem
recebendo atrasado e parcelado exatamente em razão da falta de capacidade do
Estado de cobrir todos os custos.
Ajustar pela receita – como a elevação de impostos –,
explica o governador Leite na entrevista, teria um efeito contrário. Uma medida
assim faria o morador no Estado, inclusive o servidor, pagar ainda mais por
serviços essenciais em razão de elevação de ICMS e reduziria a possibilidade de
atração de investimentos, base para a abertura de mais vagas de trabalho.
Por isso, a mudança se faz necessária pelo lado da
despesa e pela parte mais representativa, que é a folha salarial. Outras
medidas de economia estão sendo tomadas, como descreve o governador a seguir,
mas têm efeito pequeno frente ao custo final.
A dívida total do RS – perto de R$ 100 bilhões –, os
quase 50 meses de salários pagos com atraso e a falta da capacidade de
investimentos em saúde, segurança e infraestrutura evidenciam a necessidade de
mudança.
Como não há de onde tirar receitas extraordinárias, a
reforma é necessária, informa o governador, "para o Estado voltar a ter
capacidade de entregar segurança, saúde, educação, boas estradas, empregos para
seus filhos e para as futuras gerações". A seguir, leia os principais
trechos de entrevista concedida no Palácio Piratini.
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Por que a Reforma Estrutural que será enviada nos
próximos dias à Assembleia é essencial para o futuro do Rio Grande do Sul?
O Rio Grande do Sul, infelizmente, apresenta uma condição
fiscal que está entre as piores do Brasil. O RS tem a maior proporção de
servidores inativos e pensionistas em relação aos servidores em atividade. Há
1,63 servidor inativo ou pensionista para cada servidor trabalhando. E é uma
conta que deve ser paga no final do mês. Assim, o Estado deixa de investir, não
consegue pagar os servidores em dia e precariza a situação de investimentos em
segurança, em saúde e nas estradas. Isso tira a capacidade de dar retorno para
o povo gaúcho naquilo que ele demanda. O déficit previdenciário do Rio Grande
do Sul é de R$ 12 bilhões. Como comparação, o Paraná, Estado semelhante ao
nosso em população, no orçamento e no PIB, lá o déficit é de R$ 6 bilhões. Ou
seja, metade do déficit do RS. Isso significa que, ao longo de um mandato de
quatro anos, o governador do Paraná dispõe de R$ 24 bilhões a mais do que o RS
para investir ou para cobrar menos em impostos da sua população.
Nós precisamos fazer um esforço muito maior para pagar
aposentadorias e, consequentemente, deixamos de retornar para a sociedade
aquilo que ela paga em imposto. O servidor paga 14% do seu salário em
contribuição previdenciária, o Estado coloca outros 28% e ainda faltam R$ 12
bilhões. Quem paga essa conta é a sociedade como um todo. Eu tenho salientado
aos servidores que, antes de serem servidores públicos, eles são cidadãos, que
também pagam esse preço. Pagam combustível mais caro, pagam energia elétrica
mais cara, pagam telecomunicações mais caras porque as alíquotas foram
majoradas, já que o Estado precisa pagar essa conta. Com a elevação de
alíquotas, acabamos criando um ambiente economicamente adverso, hostil ao
investidor. E aí se deixa de gerar empregos, se deixa de gerar riqueza
essencial para que o próprio Estado consiga ter capacidade de pagar os
salários. Então, vira um círculo vicioso: o Estado cobra imposto alto, porque
precisa pagar aposentadorias e salários. E como cobra imposto alto, desanima a
economia. E como desanima a economia, cobra mais caro ainda para conseguir
pagar suas contas. E esse círculo vicioso não tem se conseguido romper no nosso
Estado, para isso é que nós queremos fazer reforma.
A dívida do Estado passa dos R$ 70 bilhões, e os
servidores estão perto de completar 50 meses de salários atrasados. Isso é um
alerta de que algo estrutural precisa ser feito?
Sem dúvida nenhuma. Percebam bem: são 50 meses, mais de
quatro anos, nos quais se passaram dois governos, dois mandatos, dois
governadores diferentes e, inclusive, um que concorreu à reeleição. Então, é
evidente que precisa muito mais do que vontade política para superar o
problema. Faltam recursos porque a estrutura do Estado demanda mais do que a
capacidade de pagamento. No passado, muitas soluções foram utilizadas com receitas
extraordinárias, para que esse problema fosse adiado, postergado. Saques ao
caixa único, que são recursos de fundos específicos, como a Cultura, o porto do
Rio Grande, o Instituto Rio-grandense do Arroz, são instituições ou fundos que
têm recursos específicos ali alocados e que o Estado passou a usar para pagar
as despesas do mês. Depois, foram os depósitos judiciais, demandas entre
terceiros. Se duas pessoas discutem qual é a dívida que uma tem para com a
outra, um valor estimado da dívida é depositada em juízo. Esse dinheiro não é
do Estado, mas está sob cuidado do RS. E o Estado foi lá e sacou cerca de R$ 11
bilhões dos depósitos judiciais e, assim, constituiu-se uma dívida ainda maior.
Nos R$ 70 bilhões está a dívida com a União, mas também temos que computar a
dívida de precatórios não pagos, a dívida desse caixa único e dos depósitos
judiciais. Tudo isso soma quase R$ 100 bilhões. O Estado não pode mais cair
nessas armadilhas, nem tem mais fontes extraordinárias de receitas e, mesmo que
tivesse, não seria correto ou adequado, porque estaríamos comprometendo ainda
mais o nosso futuro. Por isso que é importante readequar o tamanho da máquina
pública.
"O Estado não tem mais fontes extraordinárias de
receitas. Mesmo que tivesse, não seria correto usá-las, porque estaríamos
comprometendo ainda mais o nosso futuro."
O gasto com pessoal, por exemplo, representa 82% das
despesas do Estado. Nos últimos 10 anos, essa despesa passou de R$ 10 bilhões
para R$ 29 bilhões, o dobro da inflação. Como resolver essa situação, já que
parte desse dinheiro poderia ser investido em estradas, hospitais e escolas?
Entendo ser importante tentar traduzir para a população
como é na sua casa. Se você tem um salário que não está dando conta das
despesas, vai anotar quais são os gastos para poder entender onde é que se
consegue ajustar a capacidade de pagamento do salário. Então, se você tem 80%
de uma natureza de despesa, é até importante cortar em outras áreas, mas se não
ajustar nessa área, você não vai resolver o seu problema. Por exemplo, no nosso
governo, já fizemos a redução de veículos utilizados pelo Estado. Conseguimos
dar baixa em cerca de 2 mil veículos, o que nos reduz custo de combustível e de
manutenção. Pelo menos R$ 3 milhões foram economizados assim no primeiro semestre.
É importante e vamos vai continuar fazendo reduções dessa natureza, mas R$ 3
milhões, dentro de uma despesa de folha de pagamento bilionária, se torna
pequeno. E precisamos, então, discutir as mudanças na estrutura da máquina
pública onde ela mais consome as receitas do Estado, nos salários e nas
aposentadorias. Sem isso ser feito, os próprios salários já pagam a conta. Os
servidores, eu costumo dizer, têm agora o primeiro sintoma de uma doença mais
grave, que, se não for tratada, vai piorar. E esse tratamento envolve discutir
o próprio custo da folha de pagamento na estrutura do Estado.
O déficit previdenciário anual, proporcionalmente, é o
maior do Brasil, como o senhor já falou. Isso representa um custo de R$ 1.038
por gaúcho. Além disso, o Estado tem mais servidores inativos do que ativos.
Isso também preocupa?
Preocupa muito, porque tira a capacidade da prestação de
servidores diretamente pelos servidores, uma vez que o Estado não consegue
repor aqueles que se aposentam. A legislação estabeleceu aposentadorias com uma
certa condição. O custo com aposentados e pensionistas é crescente, e o Estado,
como não vê as receitas crescendo da mesma forma que essa despesa, não consegue
fazer a reposição dos servidores. Assim, se precarizam os serviços, como na
segurança, e também os investimentos. O orçamento do Estado é de R$ 60 bilhões.
Quem olha pensa “puxa, R$ 60 bilhões, como o Estado tem dinheiro”, mas o que
resta do orçamento no recurso livre no Tesouro é R$ 300 milhões, dos quais R$
100 milhões são de outros Poderes. Então, sobram R$ 200 milhões de recursos
livres do Tesouro para investimentos. Na verdade, nem é livre, porque esse
dinheiro não existe, ele é feito com base no endividamento. Você precisa
minimamente tapar buracos, repor viaturas e estrutura da segurança pública,
como armamento e coletes. Então, o Estado sequer tem esse dinheiro, mas força a
barra porque precisa viabilizar investimentos mínimos para continuar fazendo o
RS andar. Mesmo assim, é muito pouco, o que gera frustração na população, que
paga imposto alto e não vê os serviços retornarem.
"O Estado já gasta um dinheiro que não tem. Com a
reforma, vamos deixar de nos endividar, de pressionar o orçamento com algo que
não conseguimos atender."
O senhor se reuniu com sindicatos, ouviu os
representantes dos trabalhadores, tanto no início do ano como agora, ao
apresentar a reforma. A partir dessas conversas surgiram sugestões. O senhor
poderia citar alguma delas?
Acho que é muito importante mantermos diálogo,
entendermos as razões do outro, nos colocarmos no lugar do outro e ouvirmos. No
caso dos servidores, reconhecemos a legitimidade dos sindicatos, embora
discordemos de muitos pontos e haja divergências, principalmente, em alguns
adjetivos que me são dirigidos e que considero injustos. Nem por isso deixamos
de conversar e de dialogar para entender quais são os pontos que podemos
ajustar na nossa proposta. Para dar um exemplo, o sindicato dos professores, o
Cpers, apresentou, quando conversamos no começo do ano, a demanda de redução ou
até mesmo a eliminação do estorno do vale-alimentação. Resolvemos atender a
essa demanda, tirando os 6% de desconto sobre o salário de até R$ 2 mil dos
servidores. Com isso, especialmente os professores, mas não só eles, serão
beneficiados recebendo o valor do vale-alimentação sem ter de descontar de seus
salários. Já tem um ganho salarial aqui. Outra questão que estamos ajustando
nas nossas propostas é aumentar o valor do abono família para quem ganha até R$
3 mil. Hoje, qualquer servidor recebe R$ 44. Ou seja, o servidor que ganha R$
20 mil ganha R$ 44, e o servidor que recebe salário menor ganha os mesmos R$
44. Estamos propondo restringir esse benefício para quem ganha até R$ 3 mil,
além de triplicar o valor, passando de R$ 44 para R$ 120. Ou seja, colocando
recurso para quem mais precisa. O professor que tem dois filhos, por exemplo,
vai ter aumento expressivo de abono família e vai deixar de descontar o
vale-alimentação, portanto, pode ter um ganho de até 12% no salário. Então, a
reforma também foca em atender quem mais precisa, quem ganha menor salário no
nosso Estado.
Qual é a projeção do governo em caso de aprovação das
medidas? Quanto o Estado deixará de gastar?
- É importante
dizer que o Estado já gasta um dinheiro que não tem. Vamos deixar de endividar
o Estado, de pressionar o orçamento com algo que não conseguimos atender. Nossa
projeção para os próximos 10 anos é de um impacto de R$ 25 bilhões. Ou seja, o
dinheiro que o Estado não tem, que compromete o pagamento do salário dos
servidores em dia e, mais difícil ainda, falar em reajuste e reposição da
inflação. Queremos reorganizar as contas para que, a partir dessa economia, o
Estado consiga retomar a capacidade de pagar em dia, voltar a repor a inflação,
de forma a manter o poder de compra dos servidores sem gerar aquele efeito
cascata por conta das vantagens temporais, entre outras. Então, a reforma é
algo que se impõe, pela inevitabilidade, pela inadiabilidade das medidas, para
que sejamos responsáveis com o futuro do nosso Estado, com quem é servidor e
com quem não é servidor público também. É uma responsabilidade nossa, e a hora
é agora.
Além da reforma, outras medidas estão sendo tomadas para
ajustar as contas do Estado. Quais outras iniciativas o senhor destaca?
Costumo dizer que não existe uma bala de prata. Sempre
que vamos falar sobre reformar o Estado, reorganizar as contas, cada um tem sua
solução, e a verdade é que não existe uma solução sozinha. Há uma série de
medidas que precisam ser tomadas para que o Estado consiga sair da grave crise
em que se colocou justamente por não ter tomado as medidas corretas em outros
momentos. Além das privatizações da CEEE, da CRM e da Sulgás, já autorizadas
pela Assembleia, aumentamos muito a velocidade da cobrança dos sonegadores. Só
para ter uma ideia, no primeiro semestre do ano passado, a Secretaria da
Fazenda arrecadou R$ 700 milhões em processos administrativos. Neste ano, foram
R$ 4 bilhões. Estamos apertando o cerco aos sonegadores, bem como buscando a
revisão dos incentivos fiscais. O governo tem sido transparente como há muito
tempo se demandava que fosse nessa área. Entregamos ao Tribunal de Contas do
Estado, de forma discriminada, quais são os benefícios que o RS oferece e
esperamos encaminhar, no primeiro semestre do próximo ano, a revisão dos
benefícios fiscais à Assembleia Legislativa. Entre outras medidas, buscamos com
o governo federal uma melhor repartição dos recursos da cessão onerosa do
pré-sal. O Estado iria receber apenas R$ 150 milhões. Nos mobilizamos, fui
pessoalmente ao Congresso Nacional, e conseguimos aumentar, com o apoio da
bancada gaúcha e de deputados de outros Estados, para R$ 450 milhões os
recursos que serão aportados. Ou seja, estamos trabalhando em todas as frentes
para que o Estado possa reequilibrar suas contas e tenha um ambiente mais
favorável aos negócios. É por isso que tem Código Ambiental sendo rediscutido
na Assembleia Legislativa, é por isso que tem concessão de estradas à
iniciativa privada para viabilizar investimentos, além de medidas que procuram
reduzir burocracia, melhorar logística e reduzir impostos. Tudo isso junto vai
criar um ambiente que favorece o investimento privado. E, com investimento
privado, vem geração de riqueza, mais arrecadação de impostos e geração de
emprego. Todos os servidores precisam saber, como salientei no começo da
conversa, que, antes de serem servidores, são cidadãos e querem um Estado, no
futuro, com capacidade de entregar a eles aquilo que desejam: segurança, saúde,
educação, boas estradas, empregos para seus filhos e para as futuras gerações.
Entrevista: Guilherme Hamm/Secom