Mensagens de um atentado
A intolerância por trás da mente doentia do homem que
ouvia a voz de Deus, “comunicava-se” com Lula e, por muito pouco, não mudou o
rumo da história
Por Thiago Bronzatto access_time 12 out 2018, 07h00
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No dia 1º de setembro, o garçom Adélio Bispo de Oliveira
abriu sua página no Facebook e enviou a seguinte mensagem a Jair Bolsonaro:
“Espero que esta sua valentia realmente exista no dia em que você me vê (sic)”.
Num português claudicante, Bolsonaro é chamado de “marionete do capitalismo” e
de “bonequinha de Washington”. Por fim, o garçom faz uma ameaça: “Vc merece tomar
um tia (tiro) nesta cabeça de b… q vc tem”. Cinco dias depois dessa mensagem,
Oliveira provou que não estava blefando. Ele foi ao encontro do candidato em
Juiz de Fora, no interior de Minas Gerais, e tentou matá-lo com uma facada no
abdômen. Preso, disse que praticara o crime em razão de suas divergências
ideológicas e religiosas com o candidato do PSL — sobretudo por causa do
discurso “racista e antissemita” do deputado.
Cinco meses antes de atacar Bolsonaro, Adélio Bispo de
Oliveira também enviou mensagens ao ex-presidente Lula. Em uma delas,
manifestou seu apoio à candidatura do petista. “Se estão tentando barra (sic)
sua candidatura, claro que é pq sabem dos riscos de se perder o poder em uma
disputa democrática”, escreveu. O texto foi postado na página do Facebook
chamada Lula Oficial. O título da mensagem era: “Adelio Bispo de Oliveira para
Lula Presidente 2018”. Em seu comentário, o garçom fez um apelo ao
ex-presidente: “O mundo comunista e até parte do mundo capitalista te
agradeceria se vc escrevesse sua biografia e colocasse claramente os elos de
ligações entre seus inimigos e a maldita maçonaria (sic)”. E alertou o petista
para tomar cuidado com uma conspiração: “E verá que não são meramente homens
que se declaram (…) seus inimigos, mas um sistema nazista secreto que existe no
Brasil já a (sic) muito tempo”. Ao final, desejou sorte ao ex-presidente.
ÓDIO – Dias antes
do atentado, Oliveira escreveu uma mensagem a Bolsonaro, dizendo que ele
merecia um tiro na cabeça. A conta não era do candidato
ÓDIO – Dias antes do atentado, Oliveira escreveu uma
mensagem a Bolsonaro, dizendo que ele merecia um tiro na cabeça. A conta não
era do candidato (Mauro Pimentel/AFP)
O garçom também enviou três mensagens à presidente do PT,
senadora Gleisi Hoffmann. Numa delas, de março deste ano, deu palpites sobre a
escolha do candidato petista a presidente: “Caso Lula não venha realmente
concorrer, espero vê (sic) vc na disputa, segunda alternativa o Mercante
(refere-se a Aloizio Mercadante)”. E “alertou” para o fato de que, assim que as
candidaturas fossem anunciadas, haveria uma caçada aos candidatos ordenada pelo
juiz Sergio Moro e por “toda a maçonaria”. Oliveira ainda se opôs à
possibilidade de uma aliança do PT com o candidato Ciro Gomes, do PDT, hipótese
discutida na pré-campanha. Disse que Jaques Wagner estava “equivocado” quando
pedia que o PT cedesse, pois, no seu raciocínio, o partido cedeu ao chegar ao
poder “e deu no que deu”.
A aparente proximidade com o PT, a ameaça encaminhada a
Bolsonaro e o apoio a Lula, que na época do crime ainda era o candidato oficial
do PT à Presidência da República, poderiam sugerir uma relação de causa e
consequência quando se busca compreender a motivação do atentado. Em vez disso,
as mensagens são apenas o retrato doloroso de uma mente perturbada, pois elas
nem sequer chegaram aos pretensos destinatários. Durante as investigações, a
Polícia Federal quebrou o sigilo telemático do garçom e encontrou suas
mensagens endereçadas a Bolsonaro e a Lula. Só que os perfis com os quais Oliveira
se comunicava — “Jair Messias Bolsonaro” e “Lula Oficial” — são falsos e,
portanto, não pertencem a nenhum dos dois.
ALERTA – O
criminoso escreveu mensagens de apoio à candidatura do ex-presidente,
advertindo para uma “conspiração”. A conta não era de Lula
ALERTA – O criminoso escreveu mensagens de apoio à
candidatura do ex-presidente, advertindo para uma “conspiração”. A conta não
era de Lula (Mauro Pimentel/AFP)
A polícia concluiu que Oliveira tentou matar Jair
Bolsonaro sem a ajuda de outras pessoas. VEJA teve acesso à íntegra do
inquérito que investigou a tentativa de assassinato. São 567 páginas de
depoimentos, laudos e informações que reconstituem os passos de Oliveira desde
o momento em que ele teria tomado a decisão de tirar a vida do candidato do PSL
até o instante em que o atacou.
O crime começou a se materializar com uma coincidência.
Oliveira estava em Juiz de Fora à procura de emprego quando soube pelos jornais
que o deputado faria campanha na cidade. Segundo ele, já havia algum tempo que
“vozes” o instruíam sobre o que precisava ser feito. Era a oportunidade
perfeita para atender às instruções que ouvia mentalmente. Dois dias antes da
visita, o garçom começou a fotografar e filmar lugares por onde provavelmente o
presidenciável passaria. Os policiais encontraram em seu celular imagens da
Câmara Municipal, da praça central e de um hotel, roteiros previstos na agenda
de Bolsonaro. Para cometer o crime, ele escolheu uma faca de cerca de 30
centímetros de um jogo de duas peças que comprara em Florianópolis, Santa
Catarina. Sua intenção inicial, como escreveu na mensagem, era matar o
candidato com um tiro na cabeça. Chegou até a treinar os disparos, mas, como
não havia tempo nem tinha dinheiro para comprar um revólver, optou por uma
solução mais simples.
DELÍRIO – O
presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, é apontado por Oliveira como
membro de um “grupo da maçonaria” por trás de uma conspiração
DELÍRIO – O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia,
é apontado por Oliveira como membro de um “grupo da maçonaria” por trás de uma
conspiração (Fabio Motta/Estadão Conteúdo)
Com tudo esquematizado em sua mente, Oliveira partiu para
a execução do plano às 10h08 de 6 de setembro. Naquele momento, deixou a pensão
onde estava hospedado, foi até uma lan house no centro da cidade e acessou sua
conta no Facebook. Vinte minutos depois, deixou a loja e rumou para o lugar
onde Bolsonaro começaria a cumprir sua agenda na cidade. Passava do meio-dia
quando Oliveira chegou a um shopping, a 100 metros do hotel onde o candidato do
PSL almoçava com empresários locais. O garçom gravou vídeos do hall de entrada,
da reunião dos apoiadores do candidato e exibiu até o jornal que, mais tarde,
usou para esconder a arma do crime. Para não chamar atenção, ele se juntou a um
grupo de manifestantes que protestava em frente ao hotel. Às 15h12, menos de
vinte minutos antes do crime, gravou as últimas imagens, que mostram o instante
em que tentava se aproximar do presidenciável — Bolsonaro, nesse momento, já
estava nos ombros dos apoiadores. O vídeo tem apenas cinco segundos.
A partir daí, para reconstituir o atentado, a Polícia
Federal analisou mais de 150 horas de imagens feitas por manifestantes ou
gravadas por dezoito câmeras de segurança instaladas em dez pontos do trajeto
feito por Bolsonaro no centro de Juiz de Fora. Minutos antes do ataque, o
candidato do PSL chegou à Praça Halfeld, acenou para os militantes e se dirigiu
à escadaria da Câmara Municipal. A manifestação seguiu adiante, com o candidato
sendo carregado pelos militantes. A cada passo, Adélio tentava se aproximar
mais de seu alvo, buscando a melhor oportunidade para atacá-lo, já com o jornal
numa das mãos escondendo a faca. Para forçar a aproximação, dizia que queria
tirar uma foto de Bolsonaro e até gritava frases de apoio ao presidenciável —
protegido por um cordão de quase vinte seguranças. Após várias tentativas,
Oliveira conseguiu furar o cerco e atingir Bolsonaro com a faca.
PALPITES – A
presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann: estratégia e sugestão de nomes para
compor a chapa petista que disputaria as eleições
PALPITES – A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann:
estratégia e sugestão de nomes para compor a chapa petista que disputaria as
eleições (Renato S.Cerqueira/)
Crimes assim naturalmente alimentam teorias de
conspiração. Mas afinal por que Oliveira quis matar Bolsonaro? As explicações
foram apresentadas em três depoimentos prestados por ele à Polícia Federal. No
último deles, gravado em vídeo onze dias depois do crime, Adélio reafirma que
praticou o atentado por motivos ideológicos e religiosos e também “respondendo
às ameaças que ele (Bolsonaro) tem feito, pelas ideologias que ele acredita,
por ameaças de morte a pessoas” (veja o quadro abaixo). A Polícia Federal
concluiu a primeira parte da investigação, conduzida pelo delegado Rodrigo Morais
Fernandes, e constatou que no dia do ataque Oliveira agiu por conta própria.
Acusado de cometer crime contra a segurança nacional, ele poderá ser condenado
a até dez anos de prisão. Por precaução, um segundo inquérito foi instaurado,
para apurar se houve alguma conspiração, se outras pessoas participaram do
atentado ou o influenciaram, incluindo suspeitas sobre o envolvimento de uma
organização criminosa. Preocupada com o acirramento da disputa no segundo turno
das eleições, a PF também reforçou a segurança dos candidatos, que agora
contarão com uma escolta de 35 agentes, e intensificou a vigilância sobre as
redes sociais.
VIOLÊNCIA – A
faca, de 30 centímetros, que Oliveira usou para ferir Bolsonaro: a ideia
inicial era disparar um tiro
VIOLÊNCIA – A faca, de 30 centímetros, que Oliveira usou
para ferir Bolsonaro: a ideia inicial era disparar um tiro (//Divulgação)
Em Sergipe e São Paulo, duas pessoas foram intimadas a
prestar esclarecimentos sobre mensagens postadas nas redes sociais que
incitavam atos de violência contra os candidatos e eleitores de Haddad e
Bolsonaro. Num dos casos, uma garota sugeriu num vídeo um novo atentado contra
Bolsonaro antes do segundo turno. No Paraná, um homem gravou uma imagem do
momento em que estava na urna pressionando o número de Bolsonaro com a ponta de
uma arma. A filmagem se tornou um viral. Os policiais passaram a apurar a
identidade do eleitor que violou o próprio voto. Usando técnicas modernas de
reconhecimento facial, descobriram o transgressor: era um marceneiro do Paraná,
que virou alvo de mandado de busca e apreensão. A arma era de brinquedo, mas o
fanfarrão passou pelo constrangimento de ter sua casa invadida pelos federais.
Casos como esses estão sendo monitorados pela área de inteligência da PF.
O atentado contra Bolsonaro foi a mais violenta e
dramática demonstração de intolerância ocorrida na eleição presidencial. Mas,
infelizmente, não foi a única. Nos últimos dias, foram registrados vários casos
de violência política. E o mais sério de todos ocorreu em Salvador, onde o
mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Moa do Katendê, de
63 anos, foi assassinado com doze facadas nas costas na segunda-feira 8, em uma
discussão de bar. O agressor, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, de 36 anos, confessou
o crime e disse que matou por motivação política. Testemunhas relataram que ele
se identificou como eleitor de Jair Bolsonaro. Depois da discussão, Santana
deixou o bar, foi para sua casa, onde pegou uma faca. Voltou para o local e
desferiu os golpes contra a vítima, que morreu ali mesmo. Santana foi preso.
INTOLERÂNCIA – Em
Porto Alegre, uma mulher foi marcada com a suástica a canivete. Na Bahia,
Romualdo da Costa foi morto a facadas
INTOLERÂNCIA – Em Porto Alegre, uma mulher foi marcada
com a suástica a canivete. Na Bahia, Romualdo da Costa foi morto a facadas
(//Divulgação)
No Recife, uma jornalista foi atacada e ameaçada de
estupro ao sair de um local de votação no dia da eleição. Dois agressores se
aproximaram e afirmaram que ela era “riquinha” e “de esquerda” e utilizaram um
canivete para feri-la no braço e no queixo. Um deles, segundo relatos, vestia a
camiseta do candidato Bolsonaro. Em Porto Alegre, outro caso repulsivo: uma
garota de 19 anos procurou uma delegacia e denunciou ter sido agredida por três
homens. Segundo ela contou à polícia, o motivo da agressão foi o fato de estar
usando uma mochila com o adesivo #Elenão, símbolo do movimento contra
Bolsonaro. A vítima disse ter recebido um soco e, na sequência, os agressores
usaram um canivete para tatuar a suástica nazista em seu corpo. A polícia ainda
investiga a versão da mulher e trabalha com a hipótese de um ataque homofóbico.
“Deus me ordenou”
VEJA teve acesso ao depoimento em vídeo prestado por
Adélio Bispo de Oliveira à Polícia Federal. A seguir, as explicações que deu
para ter perpetrado o atentado contra Bolsonaro.
VOZES – O mapa do
inquérito: a rota de Oliveira até o local do crime
VOZES – O mapa do inquérito: a rota de Oliveira até o
local do crime (Google Maps/.)
MOTIVO DO ATENTADO
“Por divergências ideológicas e respondendo às ameaças
que ele tem feito, pelas ideologias que ele acredita, por ameaças de morte…
contra pessoas que têm ideologias diferentes das dele. Dos muitos discursos.
Discursos racistas, quando fala de negros, quando fala de quilombolas. Tem
muita coisa. Tem discursos antissemitas. A gente já ouviu o discurso dele.
Discursos contra o povo árabe, basicamente como se todos fossem terroristas,
como se o Brasil não pudesse ter relacionamento com o povo árabe, enquanto
temos um árabe governando o país, um libanês (refere-se a Michel Temer).”
O PLANEJAMENTO
“A responsabilidade é inteiramente minha, de mais
ninguém. (…) Me veio à cabeça. Quando vi nos jornais que ele estaria (em Juiz
de Fora). Dois, três dias antes, eu acho. Nem acreditei. Já estava em cima.
Resolvi jogar na loteria, digamos assim. Talvez eu conseguisse, talvez eu não
conseguisse (atacar Bolsonaro).”
EM NOME DA RELIGIÃO
“Essa é a segunda razão pela qual eu fiz. Esse bom Deus,
esse meu Deus que me ordenou a fazer. O Bolsonaro… Ele é um impostor. É meio
cristão, mas não é cristão… Está tentando puxar o público evangélico, recrutar
os evangélicos para ser o presidente da República, mas ele é um impostor
infiltrado pela maçonaria no meio protestante. Ele não tem nada… Basta fazer
uma pergunta para ele em relação à Bíblia.”
A ARMA DO CRIME
“Parte de um jogo que comprei, para uso doméstico. Tentei
levá-la comigo (refere-se à faca), escondida no corpo, escondida na roupa. Tava
enrolada num papel de jornal.”
NA HORA H
“Um pouco antes, sim (refere-se ao fato de ter ouvido
vozes), mas teve um momento que eu quase desisti porque achei que seria
impossível a aproximação. Era impossível se aproximar. Quase desisti.”
Colaboraram Laryssa Borges e Hugo Marques