O embaixador Marcos Azambuja falou para o jornalista Caio Cigana, Zero Hora, dizendo que se mostra decepcionado com o governo de Maurício Macri, que se elegeu com discurso liberal e, há poucos dias, recorreu até a congelamento de preços.
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Ex-secretário-geral do Itamaraty conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), também avalia a nova política externa brasileira sob o governo de Jair Bolsonaro.
Diplomata que serviu na Argentina e na França se mostra decepcionado com o presidente Mauricio Macri.
O governo Macri, que seria de viés liberal, é uma decepção?
É. Prometeu mais do que poderia entregar. Criou expectativas e não cumpriu. A oposição a ele é grande e tem muita influência da ex-presidente Cristina Kirchner e de outros líderes peronistas. A inflação está em níveis intoleráveis. A desvalorização do peso é inaceitável. A intervenção do FMI reacende os sentimentos do passado em que o fundo determinava, com insensibilidade, as políticas que o país deveria seguir. Falta pouco tempo para as eleições. Cristina pode se apresentar. Macri está esvaziado do que tinha de mais importante, a esperança de que, com ele, a Argentina voltasse a crescer.
Onde ele errou?
A Argentina continua a ter grande dificuldade de ser governada por qualquer grupo político que não seja associado ao peronismo. Em suas vertentes, o peronismo ainda é o caminho que leva à governabilidade. Não ao sucesso, ao crescimento. Ele também subestimou os problemas que iria encontrar. A economia está fragilizada e ele não conseguiu criar uma corrente liberal com capacidade de convencer os argentinos de que era o melhor caminho. Vive mais uma vez a mesma situação. FMI, inflação alta, baixo crescimento, desconfiança da sociedade com o rumo da política econômica e desgaste da presidência. A Argentina é um filme que se vê de novo.
Vê possibilidade de Cristina Kirchner voltar ao poder?
O que mais sustenta o Macri é o medo da volta da Cristina. Parece um paradoxo. Há temor de que volte o populismo, a corrupção, o nacionalismo exaltado do ciclo do kirchnerismo na segunda fase. Ela tem chances reais. Se continuar assim, vai crescendo. De novo a Argentina na mão do FMI, aquele ressentimento contra as forças de fora, a população sindicalizada achando que é tratada com insensibilidade, aumento da pobreza e do desemprego.
O quanto é ruim para o Brasil?
O Brasil tem na Argentina um mercado importante, sobretudo para o que produzimos de industrializados. É o nosso melhor mercado. Não há cenário de infelicidade deles que não seja a diminuição de nossas exportações.
Como o senhor vê a nova política externa brasileira?
Prometi a mim mesmo dar um tempo. É razoável esperar que o governo da hora experimente, tente, acerte, erre. Mas estou preocupado. A política externa brasileira sempre teve duas características que admiro: previsibilidade e racionalidade. Não quer dizer que sempre esteja certa. Mas era algo que se podia ver como se desdobraria. Defesa da nossa integridade territorial, boa relação com vizinhos, aproximação com países de todas as naturezas, com EUA, China, Rússia. O Brasil tinha uma política que era razoável. Com pecados de um pouco de excesso de protagonismo e indulgência excessiva com governos como de Chávez e Maduro. Mas tenho medo de uma aproximação excessiva com Israel e EUA. Agora, há a visita do presidente à Polônia e à Hungria. Não são destinos naturais da diplomacia brasileira. Na democracia, há alternância no poder. Um governo como o da Dilma Rousseff, de centro esquerda, pode ser sucedido por um de centro direita. Não quero é que pendulo vá tão dramaticamente para um lado que pareça os mesmos erros, com o sinal trocado.
Considera que o Itamaraty está ideologizado demais?
Perdeu a tradição de comportamento racional e previsível. Estamos erráticos.
E a figura pessoal do chanceler Ernesto Araújo?
Ele tem um problema que não sei como superar. Se move por impulsos ideológicos, por inspiração de autores, forças, religiões ou filosofias que não são as que costumam nos conduzir. A nossa política externa é conduzida mais pelo bom senso. Menos ideologia e mais comportamento racional e previsível. Cada vez mais acredito em moderação e racionalidade. Mas as minhas convicções não estão na moda. Claro que temos de nos aproximar dos EUA e de Israel. É bom para eles e para nós. Mas não tanto.