Eu cresci com uma certa distância do meu pai. Ele saia de casa às 4h da manhã pra trabalhar. Carregava malas na Rodoviária de Pelotas até às 7 da noite. Chegava em casa extenuado, depois de 15 horas de trabalho, trazendo os mantimentos que faltavam pra semana. Uma das minhas irmãs, que também já se foi, lembrava com os olhos marejados, do barulho que ele fazia ao sacudir cada lata de mantimento, pra saber a quantidade das provisões. Era a música que sabia tocar em todas as madrugadas.
Ele era o pai provedor. Não tinha muito mais pra dar, porque também não recebera do pai austero, que o iniciara, aos 8 anos, no duro ofício de lenhador.
Eu nunca o abracei, beijei, nunca trocamos qualquer expressão de carinho. E como eu queria. Passei minha infância com vontade de dizer que o amava. Mas, não havia essa intimidade. Eu pensava: ele não vai gostar.
Eu tinha 15 anos quando ele teve uma trombose cerebral que o mudou pra sempre, pelos seus sete restantes anos de vida. Recolhido num mundo à parte, foi definhando, morrendo aos poucos.
Aos meus 18, eu e o carregava no colo para ir ao médico. O colo que eu nunca me atrevera a pedir, agora era eu quem lhe dava.
Numa noite de inverno de 1986, às 20h15, eu fiz uma oração regada a lágrimas e pedi a Deus que o libertasse. Eu mesmo estava liberando o meu pai para que a vida cumprisse seu destino. Instantes depois, recebi um telefonema do hospital pedindo nossa presença urgente. Chegando lá, nos informaram que ele havia partido. Perguntei: que horas? 20h15, respondeu a enfermeira.
Nos anos em que ele passou na cama, eu disse repetidas vezes que o amava. E o beijei incontáveis vezes.
Quando amadureci, quando me tornei pai, fui me dando conta, que meu pai dizia a mim e a meus irmãos que nos amava. Todas as madrugadas em que balançava as latas de mantimentos, ele dizia, do seu jeito, que nos amava. Ainda que a maioria de nós ainda dormisse.
Neste Dia dos Pais, mais um ano que o meu pai se foi, gostaria de dizer: continuo te amando, seu Alcebíade