EDUARDO LEITE É RÉU
TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3ª CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL N° 70085471654 (0060718- 21.2021.8.21.7000)
ORIGEM: PELOTAS
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADOS: EDUARDO FIGUEIREDO CAVALHEIRO LEITE E
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL S.A.
RELATOR: DES. LEONEL PIRES OHLWEILER
PRINCIPAIS PONTOS DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO, pelo
Procurador de Justiça – Dr. Ricardo Alberton do Amaral, em 05 de
abril de 2022:
Ação civil pública. Improbidade administrativa. Contratação sem
licitação celebrada entre o Município de Pelotas e a empresa ré. Não
preenchimento dos requisitos. À luz do direito intertemporal, tem-se que
a retroatividade das leis é medida excepcional, sobretudo porque a Lei n.º
14.230/2021 não traz expressamente em seu texto tal possibilidade. A
regulação dos fatos deve ocorrer de acordo com a legislação vigente à
época, em observância ao princípio tempus regit actum, conforme
disposto no art. 5.º, inciso XXXVI, da CF e no art. 6.º do Decreto-Lei n.º
4.657/42. A retroatividade da norma mais benéfica é instituto típico do
Direito Penal, de sorte que o inciso XL do art. 5.º da CF não dispõe acerca
das normas sancionatórias de outra natureza, sejam civis ou
administrativas. Violação dos artigos 10, incisos I e VIII, e 11, caput e
inciso I, da Lei n.º 8.429/92, vigentes à época dos fatos. A conduta dos
apelados importou em prejuízo ao erário e violação aos princípios da
Administração Pública, pois demonstrado o elemento volitivo, além
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de evidenciada a relação de causalidade. Conduta ímproba
comprovada. Parecer pelo provimento do apelo.
[...]
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público
diante de decisão que, nos autos da ação civil pública por ato de
improbidade administrativa ajuizada contra Eduardo Figueiredo
Cavalheiro Leite e Instituto de Desenvolvimento Gerencial S.A., julgou
improcedente a ação que objetiva o reconhecimento da prática de ato de
improbidade administrativa, com a condenação dos recorridos pela
prática dos atos previstos no art. 10, incisos I e VIII, e 11, caput e inciso
I, da Lei n.º 8.429/92.
Em razões, sustenta o Ministério Público, em suma, que restou
incontroverso que a contratação objeto da demanda foi considerada ilegal
(processo n.º 022/1140003101-8), pois não configurada hipótese de
inexigibilidade de licitação, diante da ausência dos requisitos previstos
no artigo 25, inciso II e §1.º, e artigo 13, incisos I e III, da Lei n.º 8.666/93.
Aduz que as provas acostadas no Inquérito Civil demonstram a
ocorrência de atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo
ao erário, por violar os artigos 2.º e 3.º da Lei de Licitações. Refere que o
agir doloso consiste na contratação de valor de mais de dois milhões de
reais sem licitação e justificativa de preço. Colaciona precedentes
jurisprudenciais. Menciona que o agir da parte ré amparada em
justificativa técnica da Secretaria Municipal de Educação e em parecer
da Procuradoria-Geral do Município não afastam o elemento subjetivo.
Expõe que o contrato nulo não gera qualquer efeito e que os serviços
contratados não foram concluídos, de sorte que a incorporação dos
valores ao patrimônio da pessoa jurídica de direito privado não se
justifica. Discorre acerca do disposto no art. 59 da Lei n.º 8.666/93.
Narra que o demandado Eduardo deixou de adotar
providências para a reincorporação dos valores pagos ao
patrimônio público. Assevera que o Instituto de
Desenvolvimento Gerencial aderiu à conduta dolosa do
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agente público e foi beneficiado com a prática do ato de
improbidade, pois recebeu vultosa quantia sem concluir a
execução do contrato invalidado judicialmente. Destaca o
conteúdo da prova oral colhida. Pugna pelo provimento do
recurso.
[...]
O Ministério Público ajuizou ação civil pública por ato de
improbidade administrativa contra Eduardo Figueiredo Cavalheiro
Leite, ex-Prefeito do Município de Pelotas, e o Instituto de
Desenvolvimento Gerencial S.A. Segundo a inicial, foi instaurado o
Inquérito Civil nº 00824.00016/2017 para apurar eventual ato de
improbidade administrativa em decorrência da contratação, pelo
Município de Pelotas, sob a modalidade de inexigibilidade de licitação, do
Instituto de Desenvolvimento Gerencial S.A. Importante referir que o
contrato em debate foi declarado nulo por força de ação civil pública nº
22/1.14.0003101-8, confirmada a decisão pelo Tribunal de Justiça
(Apelação Cível nº 70064799752).
Em resumo, declarado nulo o contrato administrativo, por
ausentes os requisitos legais da inexigibilidade de licitação, deu-se o
ajuizamento da presente demanda.
[...]
De outro lado, para que a improbidade administrativa esteja
caracterizada, há que existir relação entre o ato praticado pelo agente
público e as funções por ele desempenhadas, não havendo necessária
correlação entre ato e danos ao erário. Deste modo, a simples alegação
de que não houve superfaturamento do preço contratado não afasta, de
per si, a caracterização do ato ímprobo, especialmente porque a dispensa
de licitação impediu a participação de outros competidores, privando a
Administração de contratação mais vantajosa, e acabou por beneficiar a
empresa apelada.
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Ademais, segundo apurado pelo Ministério Público, o contrato
formalizado pelos demandados possuía como objeto a “execução do
Projeto Auxiliar a Prefeitura de Pelotas a melhorar seu Indicador de
Rendimento de Educação”, tendo como preço o valor total de R$
2.148.124,15. No período de 28 de maio de 2014 a 26 de junho de 2014
foi realizado o pagamento de R$ 886.634,62 (oitocentos e oitenta e seis
mil, seiscentos e trinta e quatro reais e sessenta e dois centavos).
Como se percebe, não há como amparar o argumento da falta de
dano ao erário, na medida em que, anulado o contrato e indevidamente
pagos os valores supracitados, o dano resta evidente e devidamente
quantificado em R$ 886.634,62.
Ainda, observa-se que, para a dispensa de licitação, a
Administração Pública justificou a inviabilidade da competição no fato de
que a empresa recorrida detém notória especialização em gestão de
ensino público.
Todavia, ao contrário do afirmado na justificativa técnica para
contratação do INDG (fls. 890/923 dos autos de origem), conforme
apurado pelo Ministério Público e reconhecido por essa Corte, existem
inúmeras empresas particulares, fundações públicas e privadas
habilitadas para realizar o serviço contratado pelo Município de Pelotas,
não havendo nenhuma singularidade no trabalho realizado pela empresa
demandada.
Afora isso, apurou-se que a empresa contratada é focada na gestão
empresarial e que suas atividades de consultoria na área de ensino
correspondem a somente 2% de suas atividades (tal como consta no já
citado acórdão da Apelação Cível n.º 70064799752), afastando, de
pronto, a justificativa da inexigibilidade de licitação prevista no art. 24
da Lei nº 8.666/93.
Somado a isso, embora o Procurador-Geral do Município tenha
opinado pela possibilidade de contratação mediante inexigibilidade de
licitação (fls. 150/156 dos autos de origem), os demais elementos dos
autos demonstram a inexistência de qualquer guarida para a efetivação
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da contratação tal como ocorreu, de sorte que não há como afastar o
cometimento de ato de improbidade administrativa.
Com efeito, não é possível que o referido parecer jurídico, que não
possui caráter vinculativo, constitua salvo conduto às decisões do
Administrador ao arrepio dos preceitos legais e à míngua de qualquer
elemento que justifique a ação. (MESMO MODUS OPERANDI
PRATICADO NO GOVERNO DO ESTADO, NO EPISÓDIO DO FUNDEB,
VALENDO-SE DE UM PARECER MERAMENTE OPINATIVO DA
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PARA JUSTIFICAR A PRÁTICA
DE ATO ILÍCITO)
[...]
Por fim, peço vênia para transcrever trecho das razões recursais do
Ministério Público de primeiro grau, da lavra do Promotor de Justiça
André Barbosa de Borba (fls. 2.748/2.763):
No que tange às testemunhas e informante inquiridos,
arrolados pelos demandados, cujos depoimentos foram
analisados em sede de sentença, em virtude de suas
relações com os ora apelados, repisa-se aqui que devem ter
seus depoimentos examinados com as cautelas devidas.
Com efeito, Alexandre Fanfa Ribas é sócio da pessoa
jurídica demandada, sequer tendo prestado compromisso.
Ainda assim, acabou por confirmar fato que bem demonstra
a procedência da presente demanda: foi claro ao afirmar
que o INDG não ostenta especialização em
educação/ensino, mas sim em gestão, o que corrobora a
conclusão no sentido de que não se justificava sua
contratação sem licitação tendo por objeto a “melhora no
Indicador de Rendimento de Educação”.
Já César da Rosa Mendes e Lúcia Cristina Muller dos
Santos eram Secretários Municipais à época da
contratação, sendo que o primeiro, logo depois, ainda
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passou à condição de funcionário do Instituto requerido. Por
fim, Luciene de Oliveira Fernandes exerce função
gratificada na Secretaria Municipal de Educação. De
qualquer forma, não obstante os esforços defensivos, os
testemunhos colhidos em nada alteram o panorama que
está a indicar a responsabilização dos demandados pelos
atos de improbidade administrativa, tampouco se prestam
a afastar a necessidade de restituição ao erário dos valores
pagos ao Instituto demandado, em que pese a alegada
execução parcial dos serviços (planejamento/diagnóstico),
pois a nulidade do contrato há de ser imputada aos dois
demandados na medida em que ambos incorreram nos atos
de improbidade administrativa.
De fato, não mais se discute a legalidade da contratação
direta havida, pois esta foi ANULADA pelo Poder Judiciário
em ação anterior.
Assim, eventuais resultados positivos colhidos pela
administração municipal na área de educação não são
objeto de discussão no presente feito e, como já assinalado,
não afastam a necessidade que se impunha de licitar, de
forma a assegurar a participação isonômica de
interessados com capacidade para execução do objeto do
contrato, mesmo porque, como exaustivamente debatido,
não se faziam presentes os requisitos legais da
inexigibilidade de licitação.
Assim, a prova constante nos autos alberga a tese exposta na
inicial pelo Ministério Público e atesta o agir ímprobo dos demandados.
Assim, a ação e/ou omissão em detrimento do erário e a violação
aos princípios da Administração Pública são atos veementemente
repudiados no ordenamento jurídico, caracterizando-se como
improbidade administrativa sujeita às sanções legais.
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Ora, o Estado sequer consegue dar conta dos mais básicos direitos
dos cidadãos, sendo fato notório a escassez de dinheiro público em todas
as áreas. E nesse contexto sobressai a reprovabilidade da conduta dos
demandados. É evidente que a contratação de empresa em inobservância
aos preceitos legais impediu a contratação mais vantajosa e,
consequentemente, beneficiou empresa privada sem qualquer
justificativa plausível, acarretando prejuízos ao ente público, bem como
à coletividade em geral, que de alguma forma foram privados do gozo de
direitos previstos em orçamento público.
Destarte, evidenciado que a conduta da parte ré importou em
prejuízo ao erário e violação aos princípios da administração pública, pois
demonstrado o elemento volitivo do agente, de ser provido o recurso a fim
de reformar a sentença de improcedência da ação.
Ante o exposto, o parecer é pelo provimento do recurso.
Condutas ilegais praticadas por EDUARDO FIGUEIREDO
CAVALHEIRO LEITE, segundo o Ministério Público do RS:
Lei n.º 14.230/21, que alterou a Lei n.º 8.429/92.
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão
ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e
comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento
ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta
Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida
incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica,
de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (Redação
dada pela Lei nº 14.230, de 2021).
[...]
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VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo
para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou
dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva;
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública a ação ou omissão
dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de
legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação
dada pela Lei nº 14.230, de 2021)