Artigo, Guilherme Baumhardt, Correio do Povo - Explodindo feudos
Durante a semana, parte da classe artística nacional teve um ataque de pelancas, entrou em polvorosa, ligou o modo chilique. Jair Bolsonaro, assim como já havia feito com a Lei Paulo Gustavo, vetou a Lei Aldir Blanc. Com pequenas diferenças entre um e outro, os dois projetos tinham o mesmo objetivo: destinar dinheiro do pagador de impostos para prefeituras e governos estaduais, que repassariam a bolada para a classe cultural brasileira. A primeira proposta girava na casa de R$ 3,8 bilhões. A segunda, algo em torno de R$ 3 bilhões por ano. Para um país pobre é bastante dinheiro. O que eu achei do veto? Ótimo!
“Ah, mas para os empresários havia dinheiro, com o Pronampe!”. Sim, é verdade. Mas não vamos espancar a lógica e é prudente tratar com dignidade a inteligência alheia. É preciso comparar laranja com laranja, e não laranja com melancia. O Pronampe foi direcionado para empresas de micro e pequeno porte, que enfrentaram dificuldades durante dois anos de duras restrições. É um empréstimo, ou seja, precisará ser pago. Não é dinheiro a fundo perdido. Trata-se de um socorro especialmente aos negócios que foram obrigados a fechar as portas e quase faliram. E aí surge nova pergunta: quem obrigou a fechar e barrou, inclusive, eventos culturais? A ordem não veio do governo federal, mas sim de decretos de prefeitos e governadores (com honrosas exceções), entusiastas do nefasto “fecha tudo” - medida, aliás, que contou com massivo apoio dos nossos artistas.
Uma comparação sobre a bolada destinada à cultura e os fundos eleitoral e partidário não é absurda – também sou contrário a ambos. Explico: se um sujeito de direita não simpatiza com a ideologia de esquerda, por que diabos ele precisa trabalhar para financiar o PT, o PSol, o PSTU? O raciocínio inverso também é válido. O mesmo acontecia com a cultura, com as leis de incentivo. Se eu não gosto de um determinado artista, por que o dinheiro que uma empresa deveria recolher como tributo deveria ser destinado para financiar um livro, um disco ou um show que eu não aprovo?
Jair Bolsonaro está colocando o dedo na ferida porque é preciso admitir: a esquerda brasileira foi extremamente competente ao criar seus feudos. Vimos o nascimento da “lacração com risco zero”. No meio artístico, pouco importava se os ingressos eram vendidos ou não, se o disco fazia sucesso ou não, se o livro virava best-seller ou não. Para quem tinha acesso às ferramentas de financiamento, o dinheiro (ou parte dele) estava garantido.
Outro universo blindado é o das escolas e universidades públicas. Com professores e servidores concursados e com estabilidade, foi estabelecido o ambiente perfeito para se fazer proselitismo político sem colocar o emprego (e o salário) em risco. Tudo pago com o seu dinheiro. No caso das instituições de ensino superior, em algumas áreas (existem exceções) havia ainda uma total desconexão com o mundo exterior. Ninguém me contou, eu ouvi, em sala de aula a seguinte frase: “quem está aqui (faculdade de comunicação da Ufrgs) pensando em trabalhar em uma dessas empresas de comunicação, está no lugar errado. Aqui é para pensar, fazer carreira acadêmica”. Sinto muito se frustrei o sujeito. Cá estou, fazendo o que gosto.
Há um vídeo de um ator nacionalmente conhecido, chorando as pitangas porque precisou vender o carro para financiar a própria peça de teatro. Aqui fora, meu amigo, histórias assim se somam. A senhora que contraiu um empréstimo para colocar uma máquina de costura em casa e trabalhar. Ou o senhor que vendeu o carro para adquirir uma carrocinha de cachorro-quente e colocar pão e leite na mesa dos filhos.
O veto veio em boa hora. Parcela da classe artística nacional vivia em uma espécie de bolha, sendo nutrida e alimentada por dinheiro do pagador de impostos. Bem-vindos à vida real.