Artigo, Otávio Frias Filho, dono da Folha - Lula no ostracismo
A condenação de Lula em segunda instância, por decisão
unânime dos três desembargadores que o julgaram na quarta-feira (24), torna
muito provável, quase certo, que o ex-presidente esteja inelegível antes das
eleições de outubro. Dizer que são imprevisíveis os efeitos de Lula a pairar
como fantasma (ou emitindo ondas de alta frequência emocional ao comandar,
alojado numa cela, a campanha de seu preposto) é dizer apenas o óbvio. Mas não
é vedado especular sobre cenários plausíveis.
As circunstâncias do caso Lula parecem talhadas para a
controvérsia. Ninguém dotado de discernimento consegue acreditar que o colossal
esquema de corrupção instalado na Petrobras durante os governos do petista e de
sua herdeira, no qual aparecem incriminados os principais de seus auxiliares e
do qual ele próprio, Lula, era o beneficiário em última instância, pudesse
estar alheio a seu controle, que dirá a seu conhecimento.
A facilidade com que os filhos de Lula levantavam
investimentos vultosos; a transferência para o ex-presidente de dezenas de
milhões de reais a título de remuneração por conferências ministradas; a oferta
de mimos como o apartamento de Guarujá e o sítio em Atibaia por parte de
empresas cujos negócios o presidente catapultava —tudo isso é mostra, no
mínimo, de negligência, exercício abusivo de cargo público, relações promíscuas
com empresas que dependem do Estado.
Por outro lado, há algo de modesto nos bens transferidos
a Lula e de mesquinho na escolástica judiciária do debate em torno deles. Os
juízes decidiram, presume-se, conforme seu entendimento das leis, mas isso não
afasta a percepção política de que, comparado aos magnatas da corrupção
descobertos pela Lava Jato, o ex-presidente foi comedido.
E faz sentido um aspecto da paranoia petista em torno do
crepúsculo do líder: a exasperação com a demora nos processos contra outros
figurões políticos, do PMDB e do PSDB, beneficiados pela lentidão do foro
especial.
Da mesma forma, se não passa de exagero pensar que todo o
Poder Judiciário foi tomado de sanha antipetista, é notório que havia um
elemento corporativo atrelado à decisão, já que revogar a sentença-símbolo do
juiz Sergio Moro teria sido equivalente a desdizer toda a Operação Lava Jato e
desautorizar seus heróis.
Parece sensato supor que a estratégia da vitimização de
Lula (hoje líder nas pesquisas com pouco mais de um terço das intenções)
garantirá ao partido colocar seu sucedâneo no segundo turno, até porque, com a
proliferação de candidatos, tende a cair a nota de corte para se tornar um dos
dois finalistas.
Mas a esquerda parece isolada; seus intelectuais e
militantes se obrigaram a acreditar em fantasmas (o "golpe" de 16, a
conspiração do Judiciário, Lula como prisioneiro político de uma democracia de
fachada etc.) que os levam à negação da realidade.
Com Lula fora de cena, mas atuante no pano de fundo,
talvez seja menos crispado um processo eleitoral que se previa belicoso. A
melhora que estará em curso na economia deve disseminar um fator de bem-estar
relativo na população. São efeitos que desfavorecem a candidatura de um
ultraconservador como Jair Bolsonaro (PSC-RJ, com pouco menos de 20% das
intenções), cuja ascensão costuma acontecer em cenários de crise econômica e
polarização aguda, o que não está no horizonte.
Talvez seja ocasião de ressaltar que, do ponto de vista
da democracia, é preferível que as correntes mais exaltadas se organizem e
concorram como as demais a eleições periódicas, disputando parcelas do poder de
acordo com as normas, em vez de tramar contra o regime democrático e procurar
sabotá-lo por métodos violentos.
O candidato que galvaniza nesta fase o establishment (os
economistas liberais, a direita moderada, os conservadores civilizados) é o
governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin. Acreditam que a federação de
centro-direita que administra o país há dois anos cedo ou tarde virá por
gravidade para sua candidatura um tanto anódina, e que o eleitorado, cansado de
tantos fogos de artifício, fará uma escolha moderada e sóbria.
Caso Alckmin continue a exibir números anêmicos nas
pesquisas, no entanto, nada impede que esse bloco liberal-conservador o
abandone, optando pela candidatura de Marina Silva (Rede) ou de algum outsider
conhecido do público e lançado diretamente ao centro da arena. A política,
porém, é uma profissão como qualquer outra, e são raros, apesar dos estranhos
tempos que correm, os amadores que não sucumbem em seus pântanos.