Artigo, Astor Wartchow, especial para este blog - Bonde do destino


- O autor é advogado no RS.

                Prevendo os reflexos colaterais e temerários da decisão do Supremo Tribunal Federal (que garantiu as solturas prisionais atuais e futuras), o presidente Toffoli enviou proposta ao Congresso Nacional sugerindo a interrupção da prescrição enquanto tramitarem os respectivos recursos.
                Ainda que solução intermediária e razoável, não impedirá, entretanto, que o condenado requerente fique livre da prisão anos e anos, face o volume de criativos recursos que se sucederão e a histórica morosidade do judiciário.
                Legislar sobre prescrição parece ser a única solução imediata para minorar os efeitos negativos. Isto porque a presunção de inocência é cláusula pétrea da Constituição Federal, só modificável (de modo restritivo) via nova constituinte. Ou seja, atualmente a cláusula se sobrepõe a qualquer proposta de emenda constitucional modificativa (PEC).
                Há um outro e anterior complicador. Se mais de cento e cinquenta parlamentares têm "judicialmente o rabo preso", e que somados ao conjunto dos partidos e parlamentares simpáticos aos políticos e empresários presos (por motivos óbvios), como alcançar 3/5 dos votos em dois turnos no Senado e na Câmara dos Deputados?
                Ademais, se ocorrer a aprovação de uma PEC que permita a prisão após decisão em segunda instância (minorando a cláusula de presunção de inocência), e recorrida a questão ao STF atual (!), este afirmaria sua inconstitucionalidade, com certeza. Com base na imutabilidade da cláusula pétrea via emenda parlamentar. Ou seja, a PEC, se nascer, nasce morta!
                Assim sendo, cabe refletir sobre uma questão inadiável. Esta cláusula (uma garantia individual) se sobrepõe a qualquer lei modificativa que pretenda a supremacia dos direitos coletivos e do interesse social?
                Na defesa do interesse social (prisão de criminosos, por exemplo), cabe recordar que na fase preliminar e investigativa os processos judiciais correm em favor da sociedade, com base no conceito de “in dubio pro societate”.
                Contrariamente, na fase de julgamento e sentença, mantidas as dúvidas de autoria e responsabilidade, a decisão corre em favor do acusado. “In dubio pro reo”, se diz!
                Mas, se após duas condenações (!), em primeira e segunda instâncias, e sem registros de cerceamento de defesa, caberia ainda decisão em favor do réu?
                Acredito que não. A partir deste momento, creio que a decisão deveria voltar a ser em favor da sociedade e na garantia da credibilidade e segurança do sistema judicial.
                Detalhe. Sem deixar de reconhecer o previsto direito individual aos recursos especial e extraordinário, e mantida a hipótese de presunção de inocência, o já sentenciado poderia recorrer às demais instâncias superiores. Porém, aguardaria o resultado dos seus recursos preso!
                Face seu histórico de intensa e prolongada dedicação partidária e discutível formação acadêmica, o ingresso e atuação de Toffoli no STF sempre estiveram sob críticas.   Agora, teve a oportunidade de “ficar maior” do que quando entrara. Entretanto, com seu voto de minerva “ficou menor”. Perdeu o bonde do destino!

Artigo. J.J. Camargo,Zero Hora - O sonho fraudado


Quando se faz o inventário dos 100 anos da Revolução Russa, que incendiou o coração da juventude no mundo inteiro porque se baseava no poder retomado pelo povo que desbancara a aristocracia czarista, egoísta e alienada, percebe-se que as nações que provaram da poção milagrosa se dividem, muitas décadas depois, em os decepcionados, os arrependidos e os fanáticos.
Atualmente, a presença de um militante dessa causa perdida em países mais desenvolvidos é vista com a curiosidade com que se inspeciona uma peça que resistiu ao incêndio do museu. Nos países pobres, onde eles ainda desfilam com uma empáfia difícil de explicar, está a maioria dos sobreviventes desta autoflagelação, e ali se encontram os deprimidos em tratamento, e os incuráveis, ou seja, os fanáticos que envelheceram acreditando e, agora, não têm mais tempo, nem ânimo, para assumir que deu tudo errado.
E como deu! A análise comparativa dos países capitalistas com os que mergulharam na utopia por convicção (poucos) ou foram coagidos (maioria) é constrangedora, pelo menos para os que preservam intacta a capacidade de pensar por conta própria.
Convivi com logo depois que o muro ruiu, e soube, por alemães ocidentais, do esforço de reintegração das duas metades, irmãs na genética e na cor dos olhos, mas completamente diferentes na iniciativa e na paixão pelo trabalho. Logo depois da fusão, o chefe de cirurgia torácica do meu amigo de longa data, recebeu três jovens cirurgiões de Leipzig, e se confessou surpreso quando eles, imediatamente, iniciaram um movimento de reivindicação por melhores condições de trabalho, incluindo bônus por insalubridade, e aumento do valor das horas extras porque, com o sucesso do programa de transplantes naquela instituição, as operações no período da noite, sem tempo previsto para terminar, se tornaram rotina.
O regime de trabalho competitivo, que recolocou a Alemanha entre as nações mais ricas do mundo, apenas 40 anos depois de ter sido completamente destroçada, não combinava em nada com quem se habituara com a previsível acomodação que rege a vida dos que são igualmente remunerados, trabalhando ou protestando.
Quando a mãe Rússia assumiu a inviabilidade do modelo que fracassara depois de ter sacrificado milhões de vítimas inconformadas com a perda da liberdade, a máscara caiu e as chagas ficaram expostas.
O fim começou quando Miklós Németh, primeiro-ministro húngaro à época, foi à Moscou, para rogar a Gorbachev uma ajuda econômica, para restaurar a cerca elétrica que separava a Hungria da Áustria, e que, desmoronando, se transformara numa porta aberta para o ocidente e a liberdade, mas o pedido resultou em negativa sumária. Diante da resposta explícita de que, sem petróleonão tinha como continuar bancando as aparências, todas as barreiras experimentaram o efeito dominó, que levou Cuba de roldão.
Difícil é aturar que certos jovens, aparentemente poupados de descerebração, continuem defendendo uma ideologia sempre imposta com violência, e que fracassou sistematicamente em um século de tentativas.
A queda do Muro de Berlim, um dos acontecimentos mais emblemáticos do século 20, completa 30 anos neste 9 de novembro e, passado este tempo, com cada nação tentando, do seu jeito, se reerguer das ruínas do socialismo utópico, ainda se percebe a flagrante diferença de desenvolvimento que encabula os países do Leste Europeu.
Tudo bem, vamos deixar de fora as ditaduras, que, tolhendo o princípio básico da liberdade, não permitem comparações, até porque quem não entende esta diferença nada mais entenderá.
Feita esta ressalva, respeitar a decepção recatada dos velhos socialistas, que gastaram os anos dourados da juventude perseguindo um modelo ficcional de convivência, é uma questão de generosidade.
Difícil é aturar que certos jovens, aparentemente poupados de descerebração, continuem defendendo uma ideologia sempre imposta com violência, e que fracassou sistematicamente em um século de tentativas, e sigam venezuelando por aí, com ares de originalidade. Se houvesse interesse numa conclamação à racionalidade, a primeira pergunta seria esta: por que será que ninguém jamais arriscou a vida, tentando pular o muro para o lado de lá?