José Nêumanne: Temer tem sido menos do mesmo de Dilma?
Se o presidente apoia a Lava Jato, por que o seu líder na
Câmara trabalha pelo abafa?
Publicado no Estadão
Trava-se nas instituições brasileiras uma corrida secreta
entre punição e impunidade. A operação abafa corre sem poupar fôlego para
chegar antes de a força-tarefa da Lava Jato encerrar o acordo de leniência com
70 executivos da Odebrecht e encaminhá-lo para homologação do relator no
Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Teori Zavascki. Seu objetivo é debelar
a insônia de centenas de políticos e apaniguados que temem ser processados e
julgados antes de aprovarem no Congresso Nacional um pacote de leis que lhes
assegure paz no sono e plena liberdade.
Os procuradores federais esperam concluir as negociações
em reuniões com a cúpula da maior empresa empreiteira do Brasil antes do Natal
e que Zavascki não adie para depois da Quarta-Feira de Cinzas a homologação da
“delação do fim do mundo”, pois Renan Calheiros poderia ser apanhado no
contrapé. Ele é o maior interessado nessa anistia generalizada para políticos,
empresários e executivos de estatais e repartições federais, de vez que é alvo de
11 investigações no STF. Gozará de foro privilegiado até 2018, mas não será
mais o presidente do Senado e do Congresso, perdendo poder.
Para evitar que isso aconteça ele recebeu no sábado
passado, na residência oficial que ocupa em razão do cargo, os presidentes da
República, Michel Temer, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para uma
feijoada regada a caipirinha. Na promiscuidade reinante na capital federal
desde a mudança para Brasília, os Poderes confraternizam sem pudor. Foram
convivas Aroldo Cedraz, presidente do Tribunal de Contas da União, e mais dois
de seus ministros, Vital do Rego e Bruno Dantas. Além do líder do PMDB e futuro
presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), e do anspeçada do chefe do
Executivo Moreira Franco. O passado foi representado pelo ex-presidente José
Sarney. Só faltou a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que se mostra
decidida a manter-se como última instância do decoro de uma República sem
vergonha.
Quem compareceu não deu explicações ao Estado, que
flagrou o repasto, mas isso não impediu que o repórter Erich Decat descobrisse
que o anfitrião tratou do pente-fino que pretende fazer nos “supersalários” dos
dignitários do Judiciário e do Ministério Público. Assim, trouxe a lume a
bandeira dos “marajás” de seu ex-chefe Collor. A missão seria republicana, por
aliviar o bolso vazio do cidadão neste tempo de crise, reduzindo a folha de
pagamento de Poderes estroinas e expondo a fragilidade ética de juízes e
procuradores que combatem com denodo a corrupção alheia, mas não abrem mão de
privilégios também daninhos às finanças públicas. Perde, porém, esse condão por
se tratar de mera retaliação.
Outros assuntos ingeridos com limão, cachaça, paio e
carne seca causam ainda mais indigestão na cidadania empobrecida pela quebradeira
das empresas e pelo desemprego de 12 milhões de trabalhadores. São eles: a Lei
do Abuso de Autoridade, o projeto que altera a leniência de empresas acusadas
de corrupção e a cínica inserção da anistia ao caixa 2 praticado em disputas
eleitorais no projeto, apoiado por 2 milhões de eleitores, das dez medidas
contra a corrupção.
A pretexto das necessárias garantias ao cidadão
desprotegido contra a arbitrariedade dos agentes do Estado, o primeiro desnuda
a desfaçatez, pois submete o princípio ético à agenda de conveniências do
presidente do Congresso até fevereiro: ele arrancou o projeto da gaveta, onde
dormitava, inerte, desde 2009, para amedrontar policiais, procuradores e juízes
dispostos a desvelar falsas vestais da política.
O segundo, criticado pelo ministro da Transparência,
Torquato Jardim, dribla o acordo internacional contra a corrupção ao qual Dilma
aderiu. E repete a meta da presidente deposta de adotar os sham
programs(programas de fachada), propostos pelas empresas acusadas pela Lava
Jato.
Nos estertores da quarta indigestão imposta ao País pelo
PT, o professor Modesto Carvalhosa denunciou exaustivamente a desfaçatez do
discurso, falso como nota de 3 reais, da necessidade de perdoar empresários
corruptos para garantir empregos, feito pela ex-presidente, que se anuncia pelo
codinome de Janete ao atender telefonemas. O assunto, contudo, não se exauriu.
E ganhou formas mais capciosas.
O projeto contra a corrupção, defendido anteontem na
Câmara pelo Ministério Público Federal, contempla a criminalização do caixa 2.
Então, contabilidade ilícita não é ilegal? É claro que é! Na votação da Ação
Penal 470, a citada Cármen Lúcia, do STF, passou um carão em advogados
presentes no plenário, pedindo respeito à lei, que proíbe tal prática, de que
os políticos se querem ver liberados, mas ainda incriminando empresários que a
violem. A criminalização faz-se necessária para atingir ex-políticos,
candidatos derrotados e partidos. O relator, Ônix Lorenzoni, manteve-a no
parecer que apresentou, mas avisou que parlamentares poderão alterar seu texto
final para anistiar quem praticou o delito antes da vigência da lei, com base
no princípio constitucional de que norma penal nunca pode retroagir contra o
réu.
Já foi ensaiada uma tentativa malandra de aprovar a
infâmia, mas, denunciada e derrotada, ela foi declarada órfã e abandonada.
Sabe-se, porém, que o pai desnaturado se chama André Moura, conhecido na Câmara
como André Cunha no reinado de Eduardo Cunha, de quem foi vassalo. Agora líder
do governo, ao agir ele põe em dúvida as juras de amor de Temer à Operação Lava
Jato.
“É preciso estar atento” para evitar que a operação abafa
imponha “mais do mesmo” em matéria de impunidade no Brasil, disse à Folha o
ministro do STF Luiz Roberto Barroso, cônscio da quantidade de interesses
feridos pela Lava Jato. Se o líder do governo continuar conspirando a seu
favor, será o caso de perguntar se Temer não pratica o menos do mesmo do que
fazia Dilma.