O Brasil deve ser o Estado Democrático de Direito e não o "Estado Do Bacharel em Direito". É fato que mais da metade das Faculdades de Direito do mundo estão no Brasil e isto não converteu em uma situação na qual tenhamos uma sociedade juridicamente mais eficiente e com melhores soluções sociais, inclusive até gera um efeito contrário em razão da necessidade de se criar mercado de trabalho para burocratas legais. Por outro lado, determinada ideologia que ainda prevalece no inconsciente coletivo foca apenas em direitos e praticamente nada em deveres, visando o pouco esforço.
Nos países mais desenvolvidos quando alguma decisão judicial tem erros de análise jurídica em seu conteúdo, a doutrina começa a escrever artigos e analisar a decisão para questioná-la. No Brasil, começa-se a decorar para o próximo concurso ou para o Exame da OAB, pois o objetivo é apenas copiar e não analisar o julgado. Nesse pensamento cultural é muito comum confundir memória (mero ato de copiar) com inteligência (ato de criar, analisar e pensar o tema).
No modelo de ensino jurídico brasileiro, muito parecido com cursinho para vestibular ou concursos, estuda-se matérias como Direito Internacional, pois "cai" no Exame da OAB, mas como no Exame da OAB não "cai" Direito Eleitoral e Direito de Trânsito, então não se tem estas matérias de forma comum nas Faculdades de Direito. Qual destes temas teria maior interesse no cotidiano de um Estudante de Direito e da Sociedade? O Direito Internacional ou o de Trânsito e Eleitoral?
Outro aspecto é que os Núcleos de Prática Jurídica que deveriam ter uma papel fundamental na formação do aluno e de relevância social, acabam sendo um mero apêndice. Afinal, podem ficar apenas atendendo em casos de família, pois professores que também mantém seus escritórios não querem concorrência. E assim, os poucos Núcleos de Prática Jurídica que tentam inovar ampliando o atendimento para áreas como trabalhista, previdenciária, consumidor, tributária são retaliados fortemente. Um paradoxo é que na faculdade de Direito é comum que aluno "adore" o direito penal (em face da visão teórica, bem diferente da prática). Mas, raramente uma faculdade de direito disponibiliza assistência jurídica nesta área. Ou seja, reclamam falsamente da qualidade do ensino jurídico, mas tentam sufocar as necessárias evoluções.
Não menos paradoxal é que nos Exames da OAB a maioria dos inscritos faz prova para a área penal, porém a maioria esmagadora dos Advogados atua na área cível. É como se os médicos fizessem Exame para a especialidade de oftalmologia, mas a maioria fosse atuar na área de ginecologia ou cardiologia. Em suma, este Exame da OAB, o qual é necessário, teria qual sentido na prática? Logo, precisa ser remodelado, mas não extinto.
Também é comum verificar que em face do mito da obrigatoriedade da ação penal, também ampliado para as transações penais no Juizado Especial (acordo penal), muitas vezes o valor da transação penal (sanção penal) é bem menor que o valor pago de honorários para o advogado dativo, o qual é beneficiado por este sistema anacrônico, embora publicamente acuse-se o Estado (Ministério Público) de punitivismo. Em todos os países há discussão sobre o mito da obrigatoriedade da ação penal (inclusive retirando a obrigatoriedade de acordos penais e permitindo o arquivamento). Mas, no Brasil nada se fala sobre isso, afinal representaria aproximadamente uma diminuição de mais de 60% dos processos penais, e isto é perda de mercado de trabalho. Muito melhor deixar a máquina funcionar e depois ocorrer prescrição ou alegar que há excesso de presos em vez de excesso de processos, e então criar "prisão virtual" ou "prisão fake News", como as prisões domiciliares.
Apenas a título de argumentação, precisamos fazer cálculos mais amplos na política criminal processual para sabermos se, em relação à população total, temos excesso de crimes (impunidade), excesso de processos penais (mito da obrigatoriedade da ação penal) ou excesso de presos (punitivismo). Afinal, conforme dados prisionais por população de 100 mil habitantes o Brasil ocupa posição próxima à 30ª colocação, embora seja uma das 10 nações mais populosas. Isto considerando o cômputo de mais de 200 mil em "prisão domiciliar, o que nenhum país faz de forma conjunta aos presos em presídios, exceto o Brasil.
Um outro gargalo é que no sistema de justiça gratuita impera o caos, mas como os beneficiados são os próprios prestadores do serviço jurídico, nada se faz. Em relação à Justiça Gratuita não há controle algum sobre a renda, nem prioridade, e mais de 70% dos processos no Brasil são com justiça gratuita, o que banaliza o acesso. Em todos os países, exceto o Brasil, há um controle formal sobre a renda e ao final o perdedor é condenado a pagar as custas e demais despesas do processo. Se não tiver condições deverá provar, pois será cobrado. A Justiça gratuita deveria ser flexibilizada apenas no começo do processo para facilitar o acesso, mas não ao final. No Brasil gasta-se mais com Justiça Gratuita do que com programas como o Bolsa Família, mas nem mesmo há interesse em auditar as gratuidades de justiça, pois usar o pobre para manter os privilégios de prestadores de serviço dá um ar de romantismo e falsa preocupação social.
Nos Estados Unidos as pessoas não fazem aventura jurídica em razão do receio da condenação em custas. No Brasil é uma total farra da justiça gratuita.
Enquanto em todos os países do mundo estão sendo fechados Tribunais e Varas para redução de custo, pois com a informatização isto permite uma redução das distâncias. No Brasil estamos criando mais Tribunais, com o eufemismo de se alegar que é para beneficiar o povo, mas o que se vê são estruturas palacianas e gastos nababescos que beneficiam uma casta apenas e sem avaliação com meritocracia individual da produtividade.
No discurso de se aumentar número de Tribunais (e nem é de Varas), o que se alega é aumento de serviço, mas nada se fala em aumentar o número de Ministros no STF e STJ. Ou seja, nada se fala em aumentar número de cargos de Ministros no TSE, STJ e STF. Apesar de o STF já ter tido 15 Ministros até a década de 60, quanto o Governo Militar reduziu para 11. Ora, mas se o argumento para se aumentar Varas é o aumento de serviço, este argumento também deveria valer para se aumentar número de cargos nas instâncias superiores, afinal o serviço aumentou para todo mundo, segundo alega-se comumente.
Seguindo no rol de despesas cita-se o Estado de São Paulo que tem dois TRTs que se distanciam em torno de 100 km, ou seja, nem mesmo estão em regiões diferentes do mesmo Estado. Qual o sentido de se ter estes dois Tribunais com despesas dobradas neste novo normal digital?
Além disso, temos o lobby intenso para se criar o TRF6 em Minas Gerais, ao argumento de há excesso de serviço. Ora, na área federal há um grande rol de temas repetitivos, e então bastaria o INSS/AGU/Receita fazerem súmulas administrativas e evitar a judicialização dos processos e haveria uma redução enorme de processos judiciais. Além disso, o TRF1 poderia emitir súmulas para uniformizar, estima-se que em torno de 50 súmulas poderiam eliminar mais de 50% dos recursos. Não se questiona a instalação de Varas, o que é diferente de Tribunais. Paradoxalmente, o TRF1 é dos cinco TRFs, o que menos emitiu súmulas nos últimos 15 anos e o que alega ter excesso de serviço, ou seja, é um círculo vicioso
Com a digitalização é possível protocolar uma petição de qualquer lugar do país e fazer sustentação oral por meio de um celular. Mas, isto tira o sonho de mais palácios para alguns "nobres", pois estes se acham no direito de controlar a pobreza e aumentar despesas estatais que implicam em mais impostos e sufocamento da área produtiva (industrial e comercial).
Hoje temos 05 TRFs para julgar a mesma matéria, ou seja, lei federal (matéria de direito) e geralmente sem matéria fática com audiência de instrução, o que não significa que não é matéria complexa, mas sim que é de direito e mais objetiva. Ora, qual a diferença entre uma gratificação para um militar do Exército no norte ou no sul? Qual a diferença entre o Imposto de Renda entre a Região do Nordeste ou no Rio de Janeiro? Portanto, bastaria apenas um TRF e súmulas para uniformizar, mas isto geraria perda de mercado de trabalho para os bacharéis em Direito.
No meio jurídico, assim como no político, observa-se uma tendência de se tentar usar o pobre e este sem direito de escolha, como se fosse servo, ficando refém de setores corporativos. É um "pobre invisível" e romantizado, mas na prática a justiça gratuita não tem sido para os pobres. Nem mesmo há um critério simples como priorizar os que já constam no CAD único, por exemplo.
Temos também um TSE com Juízes temporários que são advogados, mas não temos Membros do Ministério Público, e nada se fala sobre esta "disparidade de armas".
Outro fato é que enquanto no mundo todo medidas como tabela com honorários mínimos são consideradas como prática de cartelização. No Brasil o CADE ainda não julgou requerimento em desfavor da OAB protocolado há quase 20 anos, mas já julgou em menos tempo casos como o de fusão de marcas de chocolates. Realmente, comer chocolate deve ser um direito mais fundamental e urgente do que o acesso à justiça. Afinal, sem que o cidadão tenha efetivo direito de escolha com alternativas para efetivarem esta escolha, como a livre concorrência, ou seja, implantação de planos de assistência jurídica, criação de rede de assistência jurídica com vários legitimados como Municípios, Faculdades, Organizações Sociais e outras possibilidades, não se tem cidadãos, nem sujeitos, mas apenas servos e objetos reféns de interesses corporativos. No mundo todo a população conta com várias possibilidades de atendimento jurídico. No Brasil não, porém será que o povo brasileiro está sendo melhor atendido? O sistema deve atender ao cidadão ou a interesses diversos?
Importante refletir sobre o fato de que no Direito a doutrina tende a ser mais profunda e reflexiva que os julgados em si, pois o volume de processos é enorme e burocratizado, logo a academia doutrinária é o local mais adequado para avaliar alguns conceitos ou influenciar as mudanças jurisprudenciais, ou pelo menos deveria ser. A rigor, há algumas décadas não era muito fácil o acesso aos julgados, mas com a internet tudo mudou. E os julgados são publicados resumidamente na internet, o que leva a uma tendência de pouco esforço de se ler apenas as ementas, sem entender o caso, sem analisar as consequências, além do foco em decorar para ser aprovado em concurso ou exame da OAB. No entanto, a doutrina já exige uma leitura mais demorada, não resumida, logo desperta pouco interesse no meio jurídico. (exceto os "manuais de decoreba para concurso"). Porém, as inovações geralmente começam com a doutrina e não com os julgados.
Por fim, é preciso repensar a estrutura jurídica e seu custo, mas sem mero revanchismo e vingança com proposto por setores do meio político que visam apenas destruir e atacar a estrutura jurídica que combate a corrupção, em vez de se construir um sistema límpido e eficiente que atenda à população.