Instituto Liberal
Bolsonaro, evidentemente, não é liberal. “Bolsonaro nunca
foi nem nunca será um liberal”, escreve Elena Landau, do Livres, na conclusão
de recente artigo publicado no Estadão. Nisso, há consenso.
Portanto, não estou aqui a “apelar para a agenda
econômica para descobrir um presidente liberal.” Estou aqui para argumentar em
favor da tese de que o Livres cometeu um erro estratégico grave ao evitar aliar-se
ao Bolsonaro; um erro que muitos liberais, do Livres e do MBL, por exemplo,
ainda teimam em negar.
No último pleito presidencial, os liberais sozinhos não
chegariam ao segundo turno. Claro, houve quem tenha apoiado o João Amoêdo, do
Novo, para marcar posição. No entanto, pragmaticamente, para poder exercer
alguma influência num governo, é necessário optar por alguém capaz de vencer,
ainda que não seja o “ideal”. Os liberais que entenderam assim dividiram-se
entre o Bolsonaro e o Alckmin.
O apoio de liberais ao Bolsonaro foi costurado antes de a
campanha começar. É como o Paulo Guedes entra no time. Boa parte dos liberais
votou no Bolsonaro já no primeiro turno. Bolsonaro venceu; Alckmin e Amoedo
fizeram votações de figurantes. De um ponto de vista pragmático, os liberais
que buscaram Bolsonaro estavam certos.
Os liberais que fizeram outras opções estão reclamando
agora. Tentam justificar a escolha equivocada, boicotando um governo que
promove a agenda liberal, como se houvesse alternativa. Não há. Deve-se
reclamar do governo, sim, mas é preciso ter ciência de que essas reclamações
são feitas por dentro da base; não, em oposição.
Eu jamais imaginei que o Bolsonaro pudesse vencer uma
eleição para síndico, que dirá para presidente — quanto mais com o meu voto. No
entanto, no ano passado, não havia alternativa. Pode-se não gostar do
Bolsonaro, mas isso não importa. Mesmo entendendo que o governo dele venha
excedendo minhas (irrisórias) expectativas, o relevante é não se poder brigar
com a realidade. Atualmente, só há direita no Brasil no bolsonarismo ou aliada
ao bolsonarismo.
Pode-se argumentar que o liberalismo não seja de direita
e nem de esquerda. Landau o faz ao dizer: “o liberalismo não é nem um nem
outro, mas os dois.” De fato, isso é verdade; mas política, por ser dividida
entre governo e oposição, tem uma tendência dicotômica. Se liberalismo não é de
direita e nem de esquerda, a tendência é de os liberais dividirem-se entre a
direita e a esquerda. Individualmente, é preciso escolher entre um dos dois.
Eu, admito, sempre fui de direita. Em 2000, num congresso
de estudantes de Direito em Salvador, com milhares de inscritos, o comentário
foi “a direita chegou” quando apareci sozinho. Naquele fim de semana, senti-me
“La Droite c’est moi.” A escolha do lado, para mim, foi natural.
Que direita era essa que eu representava, da qual faço
parte? A direita de pessoas as quais, nas palavras de Landau, “a oposição [ao
governo FHC] apelidou… de ‘neoliberais’, de forma depreciativa”. Trata-se da
direita das pessoas que a própria esquerda reconhece estarem do outro lado. O
problema do apelido para mim sempre esteve no “neo”; jamais, no “liberal”. E
tal alcunha nunca me pareceu depreciativa.
Se em 2000, a direita era pequena, como meu exemplo acima
sugere, a realidade de 2018 era distinta. No contexto político hodierno
tupiniquim, após quase quinze anos de governos petistas, um impeachment e uma
crise socioeconômica de proporções bíblicas, o momento era de ressurgimento da
direita. Era, e ainda é, uma direita desorganizada e inconsistente; porém,
tinha um trunfo – um candidato.
Quem escolheu o Bolsonaro como candidato foi a esquerda,
ao passar afirmando algo equivalente a “o nosso oposto é o Bolsonaro.” No
período entre 2013 e 2018, Bolsonaro usou isso como capital político. Foi
agregando apoio e, no fim, o único nome viável era o dele. Foi como bem
descreveu Landau: “Por mais absurdo que pareça, a polarização que marcou as
eleições do ano passado fez de Bolsonaro símbolo da candidatura liberal em
oposição a Fernando Haddad, que reafirmava o modelo estatizante. Era a opção
para encerrar o ciclo PT.”
Foi nesse cenário, como “a opção para encerrar o ciclo do
PT”, em que o atual presidente ingressou no PSL. O Partido Social Liberal é uma
sigla de aluguel controlada por Luciano Bivar. A razão de Bolsonaro ter
escolhido o PSL foi a mesma adotada por um grupo de liberais não muito antes –
o “Livres”, de Elena Landau. O movimento, criado em 2016, começara a fomentar a
filiação de seus membros no PSL para tomar o partido para si e transformá-lo no
seu veículo de participação político-partidária.
Repito, quando Bolsonaro entrou no PSL, foi como se o
candidato mais viável a vencer a eleição caísse de paraquedas no colo do
Livres! O que aconteceu? Segundo registra a Folha de São Paulo em matéria de
4/8: “Às voltas com a possibilidade de receber o então presidenciável, o
presidente da sigla, Luciano Bivar, ouviu um ultimato do grupo [Livres]: ou ele
ou nós.” Em suma, o Livres recusou o presente! E recusou, nas palavras de Paulo
Gontijo, atual presidente do movimento, por achar ser “um risco que se confunda
liberalismo com governo Bolsonaro. Não é.”
Ainda assim, apesar do esforço do Livres em preservar a
pureza do liberalismo, o risco se mantém. Por quê? Gontijo responde: “é como
disse o próprio [Paulo] Guedes, este é um governo de coalizão entre alguns
liberais e conservadores”. O jornalista arremata: “descreve Gontijo, com algum
desânimo.” Sem o Livres, o candidato Bolsonaro ainda costurou o apoio de
“alguns liberais” para a formação da coalizão que ora compõe o atual governo.
Política não é purista. Devem-se pesar as circunstâncias.
Houve liberais que procuraram Bolsonaro e ele aceitou as condições para o
apoio. Portanto, o “governo marcado pela intolerância” e de “viés autoritário”,
segundo palavras da Landau, apesar de não ser liberal, cedeu parte importante
da sua agenda aos liberais.
Bolsonaro poderia ter recusado o apoio em nome de um
“purismo” conservador, mas não o fez. Entendeu, seja lá por qual motivo, que
purismo seria ruim para ele. Entendeu bem. Purismo é o que há de pior na
política. Já os autodeclarados tolerantes do Livres, “com algum desânimo”,
lamentam que isso tenha ocorrido. Afinal, é “melhor deixar o liberalismo fora
disso.”
Por “disso”, imagino que seja “do governo”. Landau
registra: “Hoje as previsíveis dificuldades de levar adiante mudanças profundas
sem o envolvimento direto do presidente da República são evidentes.” Para
reforçar seu argumento, Landau coloca os méritos das mudanças alcançadas sobre
Rodrigo Maia – um liberal de carteirinha, por certo. Pergunto, mas são
previsíveis por quê?
Se o governo tem dificuldade de passar reformas liberais
no Congresso, a culpa não é do antiliberalíssimo do presidente, como Landau
acusa – ainda que possa haver algum fundamento no libelo. Nem Landau, tampouco
Gontijo, nenhum menciona o fato de que o PSL elegeu a segunda maior bancada da
câmara, com 52 deputados. O Livres, fora do PSL, conseguiu emplacar quatro: “O
Livres está representado em Brasília pelos deputados federais Marcelo Calero
(Cidadania-RJ), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Franco Cartafina (PP-MG), além do
senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).”
Com 4 deputados, fica bem difícil exercer influência
sobre legislação e políticas públicas. No ano passado, as pessoas votaram em
qualquer nome que tivesse um “17” do lado. Teriam votado em peso em candidatos
do Livres. A bancada liberal no Congresso seria muito maior do que é.
É preciso que se diga: se o governo não é mais liberal do
que vem sendo, a responsabilidade é toda do Livres; se a bancada do PSL é
péssima, a culpa é toda do Livres. Bolsonaro fez a parte dele. Quem
deliberadamente boicotou a causa liberal foi o Livres!
Eu não cito nomes para não magoar ninguém aqui com algum
lapso, mas foi graças ao esforço de outros liberais, pessoas com senso político
e de oportunidade, pragmáticos e sem nojo, que o governo brasileiro defende e
age em prol de pautas liberais. Esses liberais são o porquê de o Bolsonaro ter
conseguido vencer a eleição e representar a direita inteira. É pela iniciativa
deles que, mesmo comandado por um porra-louca sem papas na língua, ao menos
temos um governo engajado com reformas liberais.
O governo poderia ser ainda mais engajado nisso. Se não o
é, é por causa dos próprios liberais. No entanto, há muitos que seguem buscando
razões para evitar reconhecer o óbvio; que seguem forçando a concretização de
uma profecia autorrealizável. Fazem isso para que não sejam obrigados a encarar
seu próprio erro.
Eu disse não haver alternativa. Bem, se dependesse dos
liberais puristas, do Livres e outros tantos, estaríamos hoje todos nós felizes
e limpinhos fazendo oposição ao Haddad