O Datafolha e o DataPoder360 , com metodologias diferentes, dão o mesmo resultado: Jair Bolsonário estável em seu cerca de um terço de fiéis (ótimo+bom), com a coluna regular algo emagrecida em favor do ruim+péssimo.
Um quadro com jeito de parado neste momento.
Há algumas movimentações, como certa troca que o presidente faz de um eleitorado de maior instrução por um de menor. Mas tampouco é tendência aparecida agora. E era até esperado.
Se um governo tem políticas para os mais pobres isso se reflete na popularidade. Até onde Bolsonaro avançará nessa camada social?
Será suficiente para contrabalançar a corrosão que parece progressiva na outra ponta do espectro?
E a pergunta mais importante. Considerando que o chamado auxílio emergencial é insustentável no tempo no volume atual, conseguirá a política econômica produzir crescimento e prosperidade saudáveis em prazo suficientemente curto para que a transição seja suave?
E portanto sem perda de capital político? Uma missão nada trivial para a equipe econômica
Brasil terá vacina contra o vírus chinês. Serão 100 milhões de doses para começar.
O governo anunciou neste sábado uma parceria para produzir 100 milhões de doses da vacina contra o coronavírus que é desenvolvida pela Universidade de Oxford, do Reino Unido. “Fomos convidados e assinamos uma carta de intenções”, disse o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco. O governo está organizando o cumprimento de sua parte do acordo, segundo ele.
A vacina desenvolvida pela instituição britânica com o laboratório AstraZeneca está começando a ser testada em humanos. O Ministério da Saúde afirma que essa é a vacina mais promissora entre as que estão em estudos no mundo.
O acordo custará US$ 127 milhões (cerca de R$ 700 milhões na cotação de 27 de junho), segundo a pasta. Inclui a produção, no 1º momento, de cerca de 30 milhões de doses e transferência de tecnologia. Essas doses serão feitas no Brasil, com insumos importados.
O negócio embute 1 risco. Existe a possibilidade de a vacina não ter eficácia comprovada. “Numa encomenda tecnológica, no desenvolvimento de uma encomenda tecnológica, existe risco”, disse o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros.
Ele afirmou que, caso a vacina não possa ser aplicada em pacientes, o dinheiro não é todo perdido. A transferência de tecnologia e o conhecimento adquirido poderiam ser aproveitados de outras formas.
“É possível que até outubro ou novembro tenhamos dados preliminares da vacina”, disse a diretora Camile Giaretta Sachetti.
A ideia do governo é evitar que, quando a substância estiver disponível no mercado, o Brasil tenha vantagem. No início da pandemia, o país teve problemas na importação de produtos necessários para lidar com o coronavírus por causa da alta demanda mundial.
“Busca-se evitar que a população brasileira seja privada do acesso a uma vacina em tempo oportuno, uma vez que há grande demanda global”, escreveu Pazuello em ofício ao embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan. Leia a íntegra do documento (129 Kb).
As 30 milhões de doses devem ser entregues em dezembro deste ano e em janeiro de 2021, de acordo com a pasta. Arnaldo Correira de Medeiros diz que, tendo as doses, a aplicação seria realizada em no máximo algumas semanas.
Caso a vacina se mostre eficaz, poderão ser produzidas mais 70 milhões. A produção seria da Fiocruz, ligada ao ministério. O custo seria de US$ 2,30 cada dose. O IFA (ingrediente farmacêutico ativo) poderá ser feito no Brasil futuramente.
De acordo com o Ministério da Saúde, essas 100 milhões de doses seriam suficientes para cobrir todos os idosos e pessoas em grupos de risco como profissionais de saúde, indígenas, detentos e aquelas que têm comorbidades. Os locais de aplicação prioritários dependeriam de quais regiões do Brasil estiverem com mais problemas por causa da doença.
A vacina desenvolvida pela instituição britânica com o laboratório AstraZeneca está começando a ser testada em humanos. O Ministério da Saúde afirma que essa é a vacina mais promissora entre as que estão em estudos no mundo.
O acordo custará US$ 127 milhões (cerca de R$ 700 milhões na cotação de 27 de junho), segundo a pasta. Inclui a produção, no 1º momento, de cerca de 30 milhões de doses e transferência de tecnologia. Essas doses serão feitas no Brasil, com insumos importados.
O negócio embute 1 risco. Existe a possibilidade de a vacina não ter eficácia comprovada. “Numa encomenda tecnológica, no desenvolvimento de uma encomenda tecnológica, existe risco”, disse o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros.
Ele afirmou que, caso a vacina não possa ser aplicada em pacientes, o dinheiro não é todo perdido. A transferência de tecnologia e o conhecimento adquirido poderiam ser aproveitados de outras formas.
“É possível que até outubro ou novembro tenhamos dados preliminares da vacina”, disse a diretora Camile Giaretta Sachetti.
A ideia do governo é evitar que, quando a substância estiver disponível no mercado, o Brasil tenha vantagem. No início da pandemia, o país teve problemas na importação de produtos necessários para lidar com o coronavírus por causa da alta demanda mundial.
“Busca-se evitar que a população brasileira seja privada do acesso a uma vacina em tempo oportuno, uma vez que há grande demanda global”, escreveu Pazuello em ofício ao embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan. Leia a íntegra do documento (129 Kb).
As 30 milhões de doses devem ser entregues em dezembro deste ano e em janeiro de 2021, de acordo com a pasta. Arnaldo Correira de Medeiros diz que, tendo as doses, a aplicação seria realizada em no máximo algumas semanas.
Caso a vacina se mostre eficaz, poderão ser produzidas mais 70 milhões. A produção seria da Fiocruz, ligada ao ministério. O custo seria de US$ 2,30 cada dose. O IFA (ingrediente farmacêutico ativo) poderá ser feito no Brasil futuramente.
De acordo com o Ministério da Saúde, essas 100 milhões de doses seriam suficientes para cobrir todos os idosos e pessoas em grupos de risco como profissionais de saúde, indígenas, detentos e aquelas que têm comorbidades. Os locais de aplicação prioritários dependeriam de quais regiões do Brasil estiverem com mais problemas por causa da doença.
A semana silenciosa
O editor postou a postagem ao lado porque ela é reveladora do silêncio com que a mídia tradicional brasileira e até mesmo boa parte dos blogs e sites de todo gênero, trataram acontecimentos relevantes desta semana.
Oliveira Lima alinha 5 eventos importantíssimos:
- A prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio.
- A nomeação de um professor negro para ministro da Educação.
- A aprovação do marco regulatório do saneamento.
- A transposição do São Francisco e a chegada da água ao Ceará.
É possível alinhar mais eventos relevantes.
É isto.
Oliveira Lima alinha 5 eventos importantíssimos:
- A prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio.
- A nomeação de um professor negro para ministro da Educação.
- A aprovação do marco regulatório do saneamento.
- A transposição do São Francisco e a chegada da água ao Ceará.
É possível alinhar mais eventos relevantes.
É isto.
"A velhofobia sempre existiu e agora está mais explícita, perversa", diz pesquisadora da UFRJ, Miriam Goldberg, 93 anos
"A velhofobia sempre existiu e agora está mais explícita, perversa", diz pesquisadora da UFRJ, Miriam Goldberg, 93 anos
Esta entrevista assinada pela jornalista Larissa Rosso é primorosa e foi publicada no jornal Zero Hora. Ele está disponível para assinantes do jornal, mesmo no formato digital. O editor é assinante e recomenda que os leitores também assinem, ainda que tenham restrições ao jornal, como é o caso do próprio editor. Leia tudo:
Pergunte a idade de Mirian Goldenberg e não se espante com a resposta: 93. Paulista radicada no Rio, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) acha perfeitamente adequado extrapolar o número em três décadas. Mirian estuda a velhice e o envelhecimento há tempo, mas, nos últimos cinco anos, sua dedicação chegou a tal nível que ela passou a se definir como “nativa” – termo da antropologia para definir os objetos de estudo do pesquisador. Ela transformou um grupo de nonagenários, com quem convive intensamente, em seus novos melhores amigos.
A antropóloga está tão envolvida com eles neste período de distanciamento social durante a pandemia do coronavírus que esta entrevista teve de ser feita em partes, por meio do envio de áudios de WhatsApp, a partir de uma solicitação dela. Seu telefone não para: está sempre falando com um e outro, compartilhando passatempos a distância, dando e recebendo apoio.
– Só vivo com eles, só converso com eles, só saio com eles, só vou ao supermercado com eles. Na quarentena, a minha vida se tornou a vida deles. Me tornei igual a eles – explica.
Mirian condena a “velhofobia” e faz um apelo: é preciso escutar os idosos.
Você estuda o envelhecimento e a velhice, convivendo com idosos há anos. Quando falávamos sobre a melhor forma de fazer essa entrevista, você comentou que tem tido muitas demandas nesse período. O que mais tem chamado a sua atenção no comportamento deles?
Tenho falado, diariamente, com de 10 a 12 homens e mulheres de mais de 90 anos. Meus melhores amigos são o Guedes, que tem 97 anos, a Thaís, 95, a Gete, 92, a Nalva, 92, o Nobolo, 96. O que percebo é que o maior sofrimento deles é não saber quando isso vai terminar. Eles tinham uma vida muito ativa fora de casa: iam ao supermercado, à farmácia, ao banco, encontravam os amigos, davam a volta na praça. Ser independente era a coisa que eles mais valorizavam na vida, e por isso eles chegaram tão bem a essa idade. Há cerca de três meses, estão se sentindo muito aprisionados dentro de casa, sabendo que não podem sair e tomando todos os cuidados necessários. O que tenho percebido, nesses meus amigos queridos, é a tentativa de fazer algo útil, produtivo, em casa. A gente conversa, faz joguinhos de palavras, de memória, o Guedes me lê ou fala de cor trechos de Os Lusíadas. Eles cantam, a Nalva me liga e toca piano, a Gete escreve orações lindas. Apesar do sofrimento, eles fazem tudo o que é possível para viver este momento de uma forma útil, positiva e produtiva. E eles têm me ajudado muito a não sucumbir ao medo, à depressão e, principalmente, ao pânico. Se não fosse essa energia e esse cuidado deles, dificilmente eu estaria fazendo tudo o que estou fazendo agora.
Quais são as principais queixas deles?
Eles estão absolutamente revoltados, indignados com a insanidade do que está acontecendo no Brasil, com a corrupção, os desmandos, a loucura a que estão assistindo. Esses dias o Guedes me ligou revoltado porque uma pessoa do governo comprou respiradores defeituosos. Isso prejudica muito a saúde mental deles porque, além da pandemia, eles estão se sentindo completamente vulneráveis à irracionalidade e à loucura a que estão assistindo. E, como assistem muito à TV e como leem muito jornal, estão acompanhando tudo. Isso provoca mais sofrimento.
Como os idosos formam o principal grupo de risco para o coronavírus, grande parte da propaganda e do conteúdo de mídia foi focada na necessidade de distanciamento social dessa faixa etária, o que gerou uma série de reações negativas na direção dessas pessoas. Frases como “vai para casa!”, quando alguém avistava uma pessoa de idade na rua ou no comércio, tornaram-se corriqueiras. Isso a surpreendeu?
Esse tipo de comportamento é o que eu chamo de “velhofobia”. É a violência, a agressividade, o xingamento, o desrespeito, a intolerância com relação aos mais velhos que vêm dos discursos de políticos, empresários, economistas. Tem também esses memes, essas brincadeiras ofensivas, desrespeitosas, agressivas. Fico horrorizada. Tenho escrito muito sobre velhofobia exatamente por testemunhar algo que sempre existiu e que agora está cada vez mais explícito, perverso e cruel.
Quase 90% da violência contra os idosos está dentro de casa. E vem de quem? Dos filhos. Em mais de 50% dos casos, são os filhos que praticam a violência: física, verbal, psicológica, abuso financeiro, xingamentos, desrespeito, negligência. A casa e a família não são esse lugar de acolhimento e amor como tantos idealizam, e isso é o que mais me preocupa neste momento.
Quando bem dosado e não ultrapassa a barreira do respeito, o humor não pode ser uma saída para suavizar as dificuldades do envelhecimento?
Geralmente, não gosto dos memes. Não acho graça, pelo menos dos que eu vi. Acho desrespeitosos. Sempre acho que algo, para ser engraçado ou para as pessoas acharem que é realmente uma piada legal, todo mundo tem de rir. Não estou rindo e não estou vendo os mais velhos rirem. Até agora, não vi nada que me parecesse motivo para as pessoas rirem. Vejo essas brincadeiras como um tipo de violência que não faz nada bem, nem aos mais velhos, nem a quem quer proteger e cuidar dos mais velhos.
Sofremos restrições de deslocamento e comportamento há cercade trêsmeses. Os idosos estão mal informados? O que justifica a insistência de um número significativo deles em sair de casa ou sair sem máscara?
Não é verdade que há um número tão significativo assim de pessoas idosas desrespeitando o isolamento. Tem muito, muito, muito mais jovens desrespeitando. Aí eu acho que não é uma questão de idade, mas de valores, de postura, de desrespeito com todos. Cada um que está se expondo ao vírus não só pode se contaminar como pode contaminar muitos outros. Esse é um comportamento de total desrespeito à vida humana. Não concordo que são os velhos que estão fazendo isso. Se existe um ou outro que faz isso, estatisticamente, não representam a maioria dos que estão se cuidando e, na maior parte das vezes, até cuidando dos mais jovens. Não se pode esquecer de que esses velhos, principalmente os “meus”, que já têm mais de 90 anos, têm filhos de 60, 70 anos. Eles são responsáveis e estão cuidando não só deles, mas também dos filhos, dos netos.
Pensando de forma geral, não só agora, em tempo de pandemia, mas também na normalidade: o Brasil trata mal seus idosos. Por quê?
Acompanho a violência contra os idosos, fora e dentro de casa, há quase 20 anos. Quase 90% dessa violência está dentro de casa. E vem de quem? Dos filhos. Em mais de 50% dos casos, são os filhos que praticam a violência: física, verbal, psicológica, abuso financeiro, xingamentos, desrespeito, negligência. Em segundo lugar, os netos. Quase 10% dessa violência praticada contra os velhos vem dos netos. A casa e a família não são esse lugar de acolhimento e amor como tantos idealizam, e isso é o que mais me preocupa neste momento. Quando os velhos estão em casa, alguns estão sozinhos, mas muitos estão com os filhos – não porque eles estão sendo cuidados pelos filhos, mas porque estão cuidando dos filhos, inclusive financeiramente.
Por que essa violência doméstica tem índices tão altos? Como impedir que isso se perpetue de geração em geração?
Essa violência decorre de valores disseminados na nossa cultura: o velho não serve para nada, é imprestável, é um peso. A verdade é que, hoje, os velhos sustentam grande parte das famílias, os velhos é que são produtivos, os velhos é que cuidam. A violência ocorre em função da existência da velhofobia. Os velhos são descartáveis para essas pessoas violentas, velhofóbicas. Enquanto nós não mudarmos os valores sociais e mostrarmos que não é apenas a juventude que é um valor, que é uma riqueza, que é produtiva, que é bela, que todas as fases da vida devem ser assim... Isso depende de uma transformação social. A velhofobia vai continuar existindo, a violência vai continuar existindo e os velhos vão continuar se sentindo um peso. É isso que temos de transformar: os valores sociais, os valores da nossa cultura e os valores que estão introjetados dentro de cada um de nós.
Há idosos que são infantilizados, tratados como se não tivessem mais autonomia e independência – de ação, de pensamento, de tomada de decisão. Isso também é um desrespeito com uma pessoa que tem toda uma história e, muitas vezes, muito a ensinar. O que pensa a respeito?
Os filhos têm muita dificuldade de respeitar a independência, a autonomia, a liberdade, a sabedoria dos mais velhos. Uns porque querem protegê-los e acham que sabem o que é certo e o que é errado, outros porque querem controlá-los, querem que eles obedeçam a ordens como se fossem crianças. Isso também exige uma transformação muito grande, tanto daqueles que querem controlar quanto dos que querem proteger e cuidar, porque nós precisamos escutar. Eles têm voz, sabem o que querem, sabem o que é saudável para eles. Temos de compreender, conversar e, com eles, encontrar os melhores caminhos. Não é tratando-os como crianças indefesas e sem racionalidade que vamos transformar a realidade velhofóbica que existe no país. É preciso dizer que essas brincadeirinhas, esses memes, ou mesmo pessoas que dizem “eles são teimosos, eles estão nas ruas”, isso tudo está alimentando a velhofobia, a violência contra os velhos. Não podemos tratar os velhos nem como um peso social, descartável, nem como crianças teimosas porque não é isso a verdade, não é isso a realidade, não é o que eles são. Escutar, compreender, conversar e compartilhar. Juntos. É o que nós podemos e somos obrigados a fazer, agora mais do que nunca, para combater a velhofobia e a violência contra os velhos.A gente tem de escutar, compreender, amar e cuidar. O que sinto é que cada um de nós pode fazer isso, e eles também podem fazer isso. Tenho vários amigos de mais de 90 anos que ligam para os seus amigos de mais de 90 anos todos os dias. Eles cuidam, escutam, conversam. Hoje o que mais importa é a gente mostrar que está junto, mesmo que seja por telefone, por FaceTime, por WhatsApp.
Do que mais precisam os idosos?
A gente tem de escutar, compreender, amar e cuidar, e a gente pode fazer isso por telefone, mesmo não estando presente fisicamente. O meu projeto, a minha vida nesses últimos anos – não é de agora, na pandemia –, tem sido conviver, escutar, compreender, principalmente mostrar para esses nonagenários que eles são muito importantes, muito especiais, muito amados. O que sinto é que cada um de nós pode fazer isso, e eles também podem fazer isso. Tenho vários amigos de mais de 90 anos que ligam para os seus amigos de mais de 90 anos todos os dias. Eles cuidam, escutam, conversam. Hoje o que mais importa é a gente mostrar que está junto, mesmo que seja por telefone, por FaceTime, por WhatsApp. É isso o que tenho dito para os jovens e para os mais velhos – porque eles também estão cuidando, e não só sendo cuidados. Eles podem também cuidar de muita gente.
O que você sugere para pessoas que acabaram solitárias, por afastamento ou morte dos familiares, e não contam com uma boa rede de apoio para esse momento tão difícil?
O que tenho aconselhado e o que tem dado certo é tentar se conectar e compartilhar com as pessoas que a gente ama, com os amigos. Não precisa ser só com os familiares, mas com as pessoas de quem a gente gosta, as pessoas que precisam. Conexão emocional e amorosa pode ser feita por telefone. Muitos dos meus amigos nonagenários não têm nem celular com WhatsApp e internet, e a gente se fala por telefone. Uma coisa que eles fazem e que eu faço e que é maravilhosa: ler um trecho de um livro. Pega um livro que fez bem para a alma. Tire essas pessoas da televisão, vendo notícias o tempo todo, que só massacram, que só desesperam, que só provocam pânico, e se conecte com uma música. Meu amigo Guedes, todos os dias, cantarola para mim. A Nalva toca piano para mim. Conecte-se com coisas que alimentam a alma. Se você tiver um único amigo, uma pessoa que você ama, você pode fazer dessa conexão uma forma de sobrevivência física, mental e psicológica. É isso que tenho feito o dia inteiro: uma conexão amorosa. Dentro dos nossos limites, sempre podemos encontrar alguém que a gente ama, que possa cuidar da gente. E o mais importante: que a gente possa cuidar deles. Escutar é uma forma de cuidar.
Por que é tão importante escutar os mais velhos?
A incapacidade e a falta de vontade de escutar estão disseminadas atualmente. Tenho escrito muito sobre isso. O meu livro Liberdade, Felicidade & Foda-se (editora Planeta, 2019) saiu em Portugal e vai sair agora na Coreia do Sul. Falo das coisas que pesquiso aqui no Brasil. Para você entender que essa falta de escuta não é algo só do Brasil. Estamos em um momento individualista, em que vejo as pessoas só preocupadas com o próprio umbigo, só no celular, olhando para elas mesmas, para o grupinho igual a elas, sem escuta. E sem escuta é sem aprendizado, é sem crescimento, é sem realização, porque você só fica no próprio umbigo. Quanta gente não está passando essa pandemia voltada para o próprio umbigo? Reclamando de tédio, que está chato lavar a louça, que está chato ficar em casa, que está chato cozinhar, e não está olhando para fora, e não está escutando do que as outras pessoas estão precisando. Quanta coisa a gente pode fazer agora se simplesmente escutar as pessoas que ama! É o que estou fazendo nas 24 horas do meu dia: escutando, simplesmente, os meus amigos nonagenários. Estou fazendo um bem enorme para eles, e eles estão fazendo um bem enorme para mim. Simplesmente escutando. A escuta é uma forma de crescimento, de olhar os outros de uma forma mais amorosa, de cuidar. Acho que escutar é o que as pessoas menos fazem porque elas querem ouvir a si mesmas, falar. E assim ninguém aprende nada, ninguém cresce, ninguém realiza nem pode ter um propósito na vida. A falta de escuta não é algo só do Brasil. Estamos em um momento individualista, em que vejo as pessoas só preocupadas com o próprio umbigo, só no celular, olhando para elas mesmas. Quanta gente não está passando essa pandemia reclamando de tédio, que está chato lavar a louça, ficar em casa, cozinhar, e não está olhando para fora, e não está escutando do que as outras pessoas estão precisando.
Tiraremos algo de bom dessa pandemia?
Não consigo achar que existe algo de bom porque é uma situação extremamente dramática. Mas o que vejo é que, apesar do drama, apesar do enorme sofrimento, apesar do pânico e do desespero, tem bastante gente tentando usar o seu tempo de uma forma útil, produtiva, amorosa, criativa. E tem muita gente que não está fazendo nada disso, está olhando para o próprio umbigo, reclamando de tédio, reclamando de lavar a louça, reclamando de fazer comida, odiando e destruindo coisas. Acho que agora estamos vivendo um momento muito delicado, difícil, assustador. A única forma de sobrevivência mental é tentar fazer algo positivo para quem amamos. É isso que tenho tentado fazer.
Com quantos anos você está?
Estou com 93 anos.
Não, né? (Risos.)
Pode escrever aí: 93 anos! Não tem mulher que mente a idade para menos? Desde que conheci os meus nonagenários, que foi em março de 2015, eu só vivo com eles, só converso com eles, só saio com eles, só vou ao supermercado com eles. Agora, na quarentena, só falo com eles, todos os dias. Antes, eu fazia academia de terceira idade com eles. A minha vida se tornou a vida deles. Me tornei “nativa”, como dizem os antropólogos. Na antropologia, os nossos objetos de estudo são os nativos. Desde que comecei a viver com eles, me sinto igual a eles. Penso como eles, gosto de fazer as coisas que eles gostam, gosto de fazer as coisas só com eles. Como as idades deles são 98, 97, 95, 92, 90, resolvi que tenho 93 anos já há um bom tempo. Se as mulheres podem omitir ou mentir ou ter medo de assumir a idade, eu, ao contrário, valorizo muito a idade que eles têm e que passei a ter com eles.
Esta entrevista assinada pela jornalista Larissa Rosso é primorosa e foi publicada no jornal Zero Hora. Ele está disponível para assinantes do jornal, mesmo no formato digital. O editor é assinante e recomenda que os leitores também assinem, ainda que tenham restrições ao jornal, como é o caso do próprio editor. Leia tudo:
Pergunte a idade de Mirian Goldenberg e não se espante com a resposta: 93. Paulista radicada no Rio, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) acha perfeitamente adequado extrapolar o número em três décadas. Mirian estuda a velhice e o envelhecimento há tempo, mas, nos últimos cinco anos, sua dedicação chegou a tal nível que ela passou a se definir como “nativa” – termo da antropologia para definir os objetos de estudo do pesquisador. Ela transformou um grupo de nonagenários, com quem convive intensamente, em seus novos melhores amigos.
A antropóloga está tão envolvida com eles neste período de distanciamento social durante a pandemia do coronavírus que esta entrevista teve de ser feita em partes, por meio do envio de áudios de WhatsApp, a partir de uma solicitação dela. Seu telefone não para: está sempre falando com um e outro, compartilhando passatempos a distância, dando e recebendo apoio.
– Só vivo com eles, só converso com eles, só saio com eles, só vou ao supermercado com eles. Na quarentena, a minha vida se tornou a vida deles. Me tornei igual a eles – explica.
Mirian condena a “velhofobia” e faz um apelo: é preciso escutar os idosos.
Você estuda o envelhecimento e a velhice, convivendo com idosos há anos. Quando falávamos sobre a melhor forma de fazer essa entrevista, você comentou que tem tido muitas demandas nesse período. O que mais tem chamado a sua atenção no comportamento deles?
Tenho falado, diariamente, com de 10 a 12 homens e mulheres de mais de 90 anos. Meus melhores amigos são o Guedes, que tem 97 anos, a Thaís, 95, a Gete, 92, a Nalva, 92, o Nobolo, 96. O que percebo é que o maior sofrimento deles é não saber quando isso vai terminar. Eles tinham uma vida muito ativa fora de casa: iam ao supermercado, à farmácia, ao banco, encontravam os amigos, davam a volta na praça. Ser independente era a coisa que eles mais valorizavam na vida, e por isso eles chegaram tão bem a essa idade. Há cerca de três meses, estão se sentindo muito aprisionados dentro de casa, sabendo que não podem sair e tomando todos os cuidados necessários. O que tenho percebido, nesses meus amigos queridos, é a tentativa de fazer algo útil, produtivo, em casa. A gente conversa, faz joguinhos de palavras, de memória, o Guedes me lê ou fala de cor trechos de Os Lusíadas. Eles cantam, a Nalva me liga e toca piano, a Gete escreve orações lindas. Apesar do sofrimento, eles fazem tudo o que é possível para viver este momento de uma forma útil, positiva e produtiva. E eles têm me ajudado muito a não sucumbir ao medo, à depressão e, principalmente, ao pânico. Se não fosse essa energia e esse cuidado deles, dificilmente eu estaria fazendo tudo o que estou fazendo agora.
Quais são as principais queixas deles?
Eles estão absolutamente revoltados, indignados com a insanidade do que está acontecendo no Brasil, com a corrupção, os desmandos, a loucura a que estão assistindo. Esses dias o Guedes me ligou revoltado porque uma pessoa do governo comprou respiradores defeituosos. Isso prejudica muito a saúde mental deles porque, além da pandemia, eles estão se sentindo completamente vulneráveis à irracionalidade e à loucura a que estão assistindo. E, como assistem muito à TV e como leem muito jornal, estão acompanhando tudo. Isso provoca mais sofrimento.
Como os idosos formam o principal grupo de risco para o coronavírus, grande parte da propaganda e do conteúdo de mídia foi focada na necessidade de distanciamento social dessa faixa etária, o que gerou uma série de reações negativas na direção dessas pessoas. Frases como “vai para casa!”, quando alguém avistava uma pessoa de idade na rua ou no comércio, tornaram-se corriqueiras. Isso a surpreendeu?
Esse tipo de comportamento é o que eu chamo de “velhofobia”. É a violência, a agressividade, o xingamento, o desrespeito, a intolerância com relação aos mais velhos que vêm dos discursos de políticos, empresários, economistas. Tem também esses memes, essas brincadeiras ofensivas, desrespeitosas, agressivas. Fico horrorizada. Tenho escrito muito sobre velhofobia exatamente por testemunhar algo que sempre existiu e que agora está cada vez mais explícito, perverso e cruel.
Quase 90% da violência contra os idosos está dentro de casa. E vem de quem? Dos filhos. Em mais de 50% dos casos, são os filhos que praticam a violência: física, verbal, psicológica, abuso financeiro, xingamentos, desrespeito, negligência. A casa e a família não são esse lugar de acolhimento e amor como tantos idealizam, e isso é o que mais me preocupa neste momento.
Quando bem dosado e não ultrapassa a barreira do respeito, o humor não pode ser uma saída para suavizar as dificuldades do envelhecimento?
Geralmente, não gosto dos memes. Não acho graça, pelo menos dos que eu vi. Acho desrespeitosos. Sempre acho que algo, para ser engraçado ou para as pessoas acharem que é realmente uma piada legal, todo mundo tem de rir. Não estou rindo e não estou vendo os mais velhos rirem. Até agora, não vi nada que me parecesse motivo para as pessoas rirem. Vejo essas brincadeiras como um tipo de violência que não faz nada bem, nem aos mais velhos, nem a quem quer proteger e cuidar dos mais velhos.
Sofremos restrições de deslocamento e comportamento há cercade trêsmeses. Os idosos estão mal informados? O que justifica a insistência de um número significativo deles em sair de casa ou sair sem máscara?
Não é verdade que há um número tão significativo assim de pessoas idosas desrespeitando o isolamento. Tem muito, muito, muito mais jovens desrespeitando. Aí eu acho que não é uma questão de idade, mas de valores, de postura, de desrespeito com todos. Cada um que está se expondo ao vírus não só pode se contaminar como pode contaminar muitos outros. Esse é um comportamento de total desrespeito à vida humana. Não concordo que são os velhos que estão fazendo isso. Se existe um ou outro que faz isso, estatisticamente, não representam a maioria dos que estão se cuidando e, na maior parte das vezes, até cuidando dos mais jovens. Não se pode esquecer de que esses velhos, principalmente os “meus”, que já têm mais de 90 anos, têm filhos de 60, 70 anos. Eles são responsáveis e estão cuidando não só deles, mas também dos filhos, dos netos.
Pensando de forma geral, não só agora, em tempo de pandemia, mas também na normalidade: o Brasil trata mal seus idosos. Por quê?
Acompanho a violência contra os idosos, fora e dentro de casa, há quase 20 anos. Quase 90% dessa violência está dentro de casa. E vem de quem? Dos filhos. Em mais de 50% dos casos, são os filhos que praticam a violência: física, verbal, psicológica, abuso financeiro, xingamentos, desrespeito, negligência. Em segundo lugar, os netos. Quase 10% dessa violência praticada contra os velhos vem dos netos. A casa e a família não são esse lugar de acolhimento e amor como tantos idealizam, e isso é o que mais me preocupa neste momento. Quando os velhos estão em casa, alguns estão sozinhos, mas muitos estão com os filhos – não porque eles estão sendo cuidados pelos filhos, mas porque estão cuidando dos filhos, inclusive financeiramente.
Por que essa violência doméstica tem índices tão altos? Como impedir que isso se perpetue de geração em geração?
Essa violência decorre de valores disseminados na nossa cultura: o velho não serve para nada, é imprestável, é um peso. A verdade é que, hoje, os velhos sustentam grande parte das famílias, os velhos é que são produtivos, os velhos é que cuidam. A violência ocorre em função da existência da velhofobia. Os velhos são descartáveis para essas pessoas violentas, velhofóbicas. Enquanto nós não mudarmos os valores sociais e mostrarmos que não é apenas a juventude que é um valor, que é uma riqueza, que é produtiva, que é bela, que todas as fases da vida devem ser assim... Isso depende de uma transformação social. A velhofobia vai continuar existindo, a violência vai continuar existindo e os velhos vão continuar se sentindo um peso. É isso que temos de transformar: os valores sociais, os valores da nossa cultura e os valores que estão introjetados dentro de cada um de nós.
Há idosos que são infantilizados, tratados como se não tivessem mais autonomia e independência – de ação, de pensamento, de tomada de decisão. Isso também é um desrespeito com uma pessoa que tem toda uma história e, muitas vezes, muito a ensinar. O que pensa a respeito?
Os filhos têm muita dificuldade de respeitar a independência, a autonomia, a liberdade, a sabedoria dos mais velhos. Uns porque querem protegê-los e acham que sabem o que é certo e o que é errado, outros porque querem controlá-los, querem que eles obedeçam a ordens como se fossem crianças. Isso também exige uma transformação muito grande, tanto daqueles que querem controlar quanto dos que querem proteger e cuidar, porque nós precisamos escutar. Eles têm voz, sabem o que querem, sabem o que é saudável para eles. Temos de compreender, conversar e, com eles, encontrar os melhores caminhos. Não é tratando-os como crianças indefesas e sem racionalidade que vamos transformar a realidade velhofóbica que existe no país. É preciso dizer que essas brincadeirinhas, esses memes, ou mesmo pessoas que dizem “eles são teimosos, eles estão nas ruas”, isso tudo está alimentando a velhofobia, a violência contra os velhos. Não podemos tratar os velhos nem como um peso social, descartável, nem como crianças teimosas porque não é isso a verdade, não é isso a realidade, não é o que eles são. Escutar, compreender, conversar e compartilhar. Juntos. É o que nós podemos e somos obrigados a fazer, agora mais do que nunca, para combater a velhofobia e a violência contra os velhos.A gente tem de escutar, compreender, amar e cuidar. O que sinto é que cada um de nós pode fazer isso, e eles também podem fazer isso. Tenho vários amigos de mais de 90 anos que ligam para os seus amigos de mais de 90 anos todos os dias. Eles cuidam, escutam, conversam. Hoje o que mais importa é a gente mostrar que está junto, mesmo que seja por telefone, por FaceTime, por WhatsApp.
Do que mais precisam os idosos?
A gente tem de escutar, compreender, amar e cuidar, e a gente pode fazer isso por telefone, mesmo não estando presente fisicamente. O meu projeto, a minha vida nesses últimos anos – não é de agora, na pandemia –, tem sido conviver, escutar, compreender, principalmente mostrar para esses nonagenários que eles são muito importantes, muito especiais, muito amados. O que sinto é que cada um de nós pode fazer isso, e eles também podem fazer isso. Tenho vários amigos de mais de 90 anos que ligam para os seus amigos de mais de 90 anos todos os dias. Eles cuidam, escutam, conversam. Hoje o que mais importa é a gente mostrar que está junto, mesmo que seja por telefone, por FaceTime, por WhatsApp. É isso o que tenho dito para os jovens e para os mais velhos – porque eles também estão cuidando, e não só sendo cuidados. Eles podem também cuidar de muita gente.
O que você sugere para pessoas que acabaram solitárias, por afastamento ou morte dos familiares, e não contam com uma boa rede de apoio para esse momento tão difícil?
O que tenho aconselhado e o que tem dado certo é tentar se conectar e compartilhar com as pessoas que a gente ama, com os amigos. Não precisa ser só com os familiares, mas com as pessoas de quem a gente gosta, as pessoas que precisam. Conexão emocional e amorosa pode ser feita por telefone. Muitos dos meus amigos nonagenários não têm nem celular com WhatsApp e internet, e a gente se fala por telefone. Uma coisa que eles fazem e que eu faço e que é maravilhosa: ler um trecho de um livro. Pega um livro que fez bem para a alma. Tire essas pessoas da televisão, vendo notícias o tempo todo, que só massacram, que só desesperam, que só provocam pânico, e se conecte com uma música. Meu amigo Guedes, todos os dias, cantarola para mim. A Nalva toca piano para mim. Conecte-se com coisas que alimentam a alma. Se você tiver um único amigo, uma pessoa que você ama, você pode fazer dessa conexão uma forma de sobrevivência física, mental e psicológica. É isso que tenho feito o dia inteiro: uma conexão amorosa. Dentro dos nossos limites, sempre podemos encontrar alguém que a gente ama, que possa cuidar da gente. E o mais importante: que a gente possa cuidar deles. Escutar é uma forma de cuidar.
Por que é tão importante escutar os mais velhos?
A incapacidade e a falta de vontade de escutar estão disseminadas atualmente. Tenho escrito muito sobre isso. O meu livro Liberdade, Felicidade & Foda-se (editora Planeta, 2019) saiu em Portugal e vai sair agora na Coreia do Sul. Falo das coisas que pesquiso aqui no Brasil. Para você entender que essa falta de escuta não é algo só do Brasil. Estamos em um momento individualista, em que vejo as pessoas só preocupadas com o próprio umbigo, só no celular, olhando para elas mesmas, para o grupinho igual a elas, sem escuta. E sem escuta é sem aprendizado, é sem crescimento, é sem realização, porque você só fica no próprio umbigo. Quanta gente não está passando essa pandemia voltada para o próprio umbigo? Reclamando de tédio, que está chato lavar a louça, que está chato ficar em casa, que está chato cozinhar, e não está olhando para fora, e não está escutando do que as outras pessoas estão precisando. Quanta coisa a gente pode fazer agora se simplesmente escutar as pessoas que ama! É o que estou fazendo nas 24 horas do meu dia: escutando, simplesmente, os meus amigos nonagenários. Estou fazendo um bem enorme para eles, e eles estão fazendo um bem enorme para mim. Simplesmente escutando. A escuta é uma forma de crescimento, de olhar os outros de uma forma mais amorosa, de cuidar. Acho que escutar é o que as pessoas menos fazem porque elas querem ouvir a si mesmas, falar. E assim ninguém aprende nada, ninguém cresce, ninguém realiza nem pode ter um propósito na vida. A falta de escuta não é algo só do Brasil. Estamos em um momento individualista, em que vejo as pessoas só preocupadas com o próprio umbigo, só no celular, olhando para elas mesmas. Quanta gente não está passando essa pandemia reclamando de tédio, que está chato lavar a louça, ficar em casa, cozinhar, e não está olhando para fora, e não está escutando do que as outras pessoas estão precisando.
Tiraremos algo de bom dessa pandemia?
Não consigo achar que existe algo de bom porque é uma situação extremamente dramática. Mas o que vejo é que, apesar do drama, apesar do enorme sofrimento, apesar do pânico e do desespero, tem bastante gente tentando usar o seu tempo de uma forma útil, produtiva, amorosa, criativa. E tem muita gente que não está fazendo nada disso, está olhando para o próprio umbigo, reclamando de tédio, reclamando de lavar a louça, reclamando de fazer comida, odiando e destruindo coisas. Acho que agora estamos vivendo um momento muito delicado, difícil, assustador. A única forma de sobrevivência mental é tentar fazer algo positivo para quem amamos. É isso que tenho tentado fazer.
Com quantos anos você está?
Estou com 93 anos.
Não, né? (Risos.)
Pode escrever aí: 93 anos! Não tem mulher que mente a idade para menos? Desde que conheci os meus nonagenários, que foi em março de 2015, eu só vivo com eles, só converso com eles, só saio com eles, só vou ao supermercado com eles. Agora, na quarentena, só falo com eles, todos os dias. Antes, eu fazia academia de terceira idade com eles. A minha vida se tornou a vida deles. Me tornei “nativa”, como dizem os antropólogos. Na antropologia, os nossos objetos de estudo são os nativos. Desde que comecei a viver com eles, me sinto igual a eles. Penso como eles, gosto de fazer as coisas que eles gostam, gosto de fazer as coisas só com eles. Como as idades deles são 98, 97, 95, 92, 90, resolvi que tenho 93 anos já há um bom tempo. Se as mulheres podem omitir ou mentir ou ter medo de assumir a idade, eu, ao contrário, valorizo muito a idade que eles têm e que passei a ter com eles.
Assinar:
Postagens (Atom)