Abin e comandos militares relataram articulação de
cardeais para o Sínodo sobre Amazônia, reunião no Vaticano que governo trata
como parte da ‘agenda da esquerda’
Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Palácio do Planalto quer conter o
que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao
governo Jair Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos
partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma
tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes
protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.
O alerta ao governo veio de informes da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares. Os
informes relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa
Francisco, no Vaticano, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia,
que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes.
Durante 23 dias, o Vaticano vai discutir a situação da
Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma
“agenda da esquerda”.
O debate irá abordar a situação de povos indígenas,
mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas. “Estamos
preocupados e queremos neutralizar isso aí”, disse o ministro chefe do Gabinete
de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que comanda a
contraofensiva.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional,
Augusto Heleno Foto: Dida Sampaio/Estadão
Com base em documentos que circularam no Planalto,
militares do GSI avaliaram que os setores da Igreja aliados a movimentos
sociais e partidos de esquerda, integrantes do chamado “clero progressista”,
pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo Bolsonaro e obter
impacto internacional. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do
Brasil”, disse Heleno.
Escritórios da Abin em Manaus, Belém, Marabá, no sudoeste
paraense (epicentro de conflitos agrários), e Boa Vista (que monitoram a
presença de estrangeiros nas terras indígenas ianomâmi e Raposa Serra do Sol)
estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões preparatórias para o Sínodo em
paróquias e dioceses.
O GSI também obteve informações do Comando Militar da
Amazônia, com sede em Manaus, e do Comando Militar do Norte, em Belém. Com base
nos relatórios de inteligência, o governo federal vai procurar governadores,
prefeitos e até autoridades eclesiásticas que mantêm boas relações com os
quartéis, especialmente nas regiões de fronteira, para reforçar sua tentativa
de neutralizar o Sínodo.
O Estado apurou que o GSI planeja envolver
ainda o Itamaraty, para monitorar discussões no exterior, e o Ministério
do Meio Ambiente, para detectar a eventual participação de ONGs e
ambientalistas. Com pedido de reserva, outro militar da equipe de Bolsonaro
afirmou que o Sínodo é contra “toda” a política do governo para a Amazônia –
que prega a defesa da “soberania” da região. “O encontro vai servir para
recrudescer o discurso ideológico da esquerda”, avaliou ele.
Conexão. Assim que os primeiros comunicados da Abin
chegaram ao Planalto, os generais logo fizeram uma conexão com as críticas
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a Bolsonaro
durante a campanha eleitoral. Órgãos ligados à CNBB, como o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), não
economizaram ataques, que continuaram após a eleição e a posse de Bolsonaro na
Presidência. Todos eles são aliados históricos do PT. A Pastoral Carcerária,
por exemplo, distribuiu nota na semana passada em que critica o pacote
anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, como juiz, condenou o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato.
Na campanha, a Pastoral da Terra divulgou relato do bispo
André de Witte, da Bahia, que apontou Bolsonaro como um “perigo real”. As redes
de apoio a Bolsonaro contra-atacaram espalhando na internet que o papa
Francisco era “comunista”. Como resultado, Bolsonaro desistiu de vez da CNBB e
investiu incessantemente no apoio dos evangélicos. A princípio, ele queria que
o ex-senador e cantor gospel Magno Malta (PR-ES) fosse seu candidato a vice.
Eleito, nomeou a pastora Damares Alves, assessora de Malta, para o Ministério
da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Histórico. A relação tensa entre militares e Igreja
Católica começou ainda em 1964 e se manteve mesmo nos governos de “distensão”
dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, último presidente do ciclo da
ditadura. A CNBB manteve relações amistosas com governos democráticos, mas foi
classificada pela gestão Fernando Henrique Cardoso como um braço do PT. A
entidade criticou a política agrária do governo FHC e a decisão dos tucanos de
acabar com o ensino religioso nas escolas públicas.
O governo do ex-presidente Lula, que era próximo de d.
Cláudio Hummes, ex-cardeal de São Paulo, foi surpreendido, em 2005, pela greve
de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso se opôs à
transposição do Rio São Francisco.
Com a chegada de Dilma Rousseff, a relação entre a CNBB e
o PT sofreu abalos. A entidade fez uma série de eventos para criticar a
presidente, especialmente por questões como aborto e reforma agrária. A CNBB,
porém, se opôs ao processo de impeachment, alegando que “enfraqueceria” as
instituições.
'Vamos entrar a fundo nisso', afirma Heleno
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI),
Augusto Heleno Ribeiro, afirmou que há uma “preocupação” do Planalto com as
reuniões e os encontros preparatórios do Sínodo sobre a Amazônia, que ocorrem
nos Estados. “Há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na
floresta”, disse.
Mais próximo conselheiro do presidente Jair Bolsonaro,
Heleno criticou a atuação da Igreja, mas relativizou sua capacidade de causar
problemas para o governo. “Não vai trazer problema. O trabalho do governo
de neutralizar impactos do encontro vai apenas fortalecer a soberania
brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia”,
afirmou. “A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a
fundo nisso.”
Tanto o ministro Augusto Heleno quanto o ex-comandante do
Exército Eduardo Villas Bôas, hoje na assessoria do GSI e no comando do
monitoramento do Sínodo, foram comandantes militares em Manaus. O
vice-presidente Hamilton Mourão também atuou na região, à frente da
2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira.
SÍNODO
O que é?
É o encontro global de bispos no Vaticano para discutir a
realidade de índios, ribeirinhos e demais povos da Amazônia, políticas de
desenvolvimento dos governos da região, mudanças climáticas e conflitos de
terra.
Participantes
Participam 250 bispos.
Cronograma do Sínodo
19 de janeiro de 2019: início simbólico com a visita do
papa Francisco a Puerto Maldonado, na selva peruana;
7 a 9 de março: seminário preparatório na Arquidiocese de
Manaus;
6 a 29 de outubro: fase final no Vaticano, com missas na
Basílica de São Pedro celebradas por Francisco.
Tema do encontro
Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma
ecologia integral.
As três diretrizes do evento
“Ver” o clamor dos povos amazônicos;
“Discernir” o Evangelho na floresta. O grito dos índios é
semelhante ao grito do povo de Deus no Egito;
“Agir” para a defesa de uma Igreja com “rosto amazônico”