Não aguento mais notícia falsa sendo disseminada como
verdade suprema
Por Ucho Haddad -
Na terça-feira, 13 de junho, entendi ser merecido
interromper a dura rotina jornalística e aceitei convite para almoçar com
amigos em um clássico e tradicional restaurante paulistano. Ao chegar, logo no
primeiro abraço, ouvi um longo agradecimento por ser fiel à verdade dos fatos.
Respondi que essa é a minha obrigação como jornalista, assim como deveria ser
dos muitos que se arriscam nessa complexa seara da informação.
Durante o almoço, os convivas submeteram-me a uma
sabatina sobre o “modus faciendi” do jornalismo político. Com o avanço das
perguntas percebi que de fato o jornalismo desandou. O advento da internet foi
excepcional e revolucionário, mas essa coisa chamada rede social criou um sem
fim de suicidas da informação. Classifico-os como suicidas porque fazem
qualquer coisa para alcançar fama e notoriedade. Algo parecido com os
homens-bomba que vão pelos ares na esperança de conquistar o paraíso e uma carroça
repleta de virgens. Como ingrediente extra, esses párias da comunicação contam
com a lufada de intolerância que sopra sobre o País, cenário que oferece aos
sôfregos de plantão a capa da falsa genialidade.
Depois de quatro décadas de jornalismo e tendo percorrido
boa parte do planeta atrás da notícia, vez por outra deparo-me com bizarrices
de comunicólogos delinquentes. São as tais “fake news”, que ganharam corpo na
mais recente corrida presidencial norte-americana. Inventa-se uma mentira
qualquer, sobre a qual despeja-se a falsa tinta da verdade e seja o que Deus
quiser. Como Deus por certo tem mais o que fazer, que não policiar os imbecis
que estão a disseminar mentiras nas redes sociais, aqui trago minha indignação.
E anotarei na caderneta, pois quando encontrar com Deus cobrarei o direito de
sentar-me à janela do céu.
Certa feita, por ter contrariado os interesses de alguns
poderosos, fui alçado à mira dos capangas de aluguel, muitos deles amotinados
em sindicatos e partidos políticos, uma espécie de jihadistas do comunismo
tropical. Acusavam-me à época, esses detratores da honra alheia, ser eu um
falso jornalista apenas por não ter esquentado o banco da faculdade e dessa não
ter saído com um canudo debaixo do braço. Alegavam os patifes que a ausência do
diploma impedia-me de saber o que é ética. Sempre disse, e morrerei dizendo,
que ética aprende-se desde o berço, no seio familiar, não pagando em dia o
carnê da faculdade e escapando do jubilamento.
De volta do prazeroso almoço, que ao final foi coroado
com algumas proibitivas lambarices, já diante do meu companheiro de muitas
horas e de todos os dias, o computador, decido checar as mensagens que
aterrissaram no celular. Entre muitas, uma delas era a repetição de escabrosa
mentira que “viralizou” como se fosse ode à verdade celestial. Como se não
bastasse, a falsa notícia era balbuciada por um sujeito com semblante sério, ar
circunspecto, pose de gênio da Botocúndia.
Trata-se de um vídeo em que o apresentador, voz grave e
pausada, discorre sobre a suposta chegada para breve, no Brasil, de 1,8 milhão
de refugiados vindos da Europa. Segundo esse âncora de telejornal de lupanar, a
culpa por esse contingente de quase 2 milhões de refugiados, a chegar no Brasil,
é da Organização das Nações Unidas
(ONU) e da Lei de Imigração sancionada pelo presidente
Michel Temer.
De chofre quero tratar apenas das questões humanitárias,
deixando para o fim a imbecilidade de quem inventou essa mentira e de seu
propagador. Só condena um refugiado quem jamais foi obrigado a fugir da terra
natal por questão de sobrevivência. Faz isso quem não sabe o que é uma guerra,
que sequer imagina o desespero que brota diante de bombardeios aqui e acolá.
Não há mal algum em ser refugiado, pelo contrário, só há pontos positivos nesse
status que resulta da covardia alheia.
A delinquência intelectual do apresentador é tamanha, que
até mesmo o nome do Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, Zeid Ra’ad
Zeid Al-Hussein, foi alvo de deboche. Talvez porque o âncora telejornalístico,
em seus momentos de gênio de botequim, fermente a tese burra de que todo nome
de origem árabe remete ao terrorismo que muitos, por ignorância devastadora,
classificam como islâmico.
Jordaniano e representante permanente de seu país na ONU,
Zeid Ra’ad Zeid Al-Hussein é muçulmano e o primeiro árabe a chegar ao degrau
maior do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. Ou seja, o currículo
de Al-Hussein é um colossal passeio se comparado à sapiência
(sic) do cidadão que acredita ter frequentado o Olimpo da
verdade.
Agora passo à imbecilidade de quem esculpiu a falsa
notícia e de quem a disseminou na internet… Fazer jornalismo não é tarefa
fácil, pelo contrário, é missão árdua e exige dedicação espartana, estudo
contínuo, leitura a mais não poder. Não é com doses de “achismo”, um
computador, uma câmera digital, um microfone da moda e uma notícia falsa e
xenófoba que se faz jornalismo. A grande tragédia que surgiu no vácuo das redes
sociais está no fato de o planeta ter sido invadido por uma enxurrada de
ignaros que, embalados pelo leguleio bandoleiro, buscam fama a qualquer custo.
Não importando se para tanto o trampolim seja feito com a prancha da mitomania.
O mitômano que fabricou a falsa notícia – assim como o
picaresco apresentador metido a comentarista de política internacional – parece
ter faltado às aulas de aritmética, ao mesmo tempo em que tem inexorável
preguiça para a leitura. O mentiroso e o reprodutor da mentira afirmam que 13
navios da ONU estão a trazer, da Europa para o Brasil, com chegada prevista
para julho próximo, 1,8 milhão de refugiados, em sua maioria terroristas. Ó,
que perigo!
Em primeiro lugar, a ONU não tem navios. São os
países-membros que disponibilizam equipamentos, aeronaves, embarcações e tropas
militares a serem utilizadas em missões das Nações Unidas. No universo das
contas, o mentiroso e o gazeteiro da mentira são donos de neurônios trôpegos. A
questão é simples e para quem não sabe fazer conta de cabeça, qualquer
calculadora de camelô é capaz de decifrar o enigma.
Um contingente de 1,8 milhão de refugiados – muçulmanos
terroristas na opinião dessas pústulas da informação – significa que cada um
dos supostos 13 navios da ONU está a transportar 138 mil passageiros.
Apenas para evidenciar a cretinice do mentiroso e de seu
gazeteiro, o maior transatlântico em atividade no planeta, o “Harmony of the
Seas”, tem capacidade para 6 mil passageiros e 2 mil tripulantes. Contas para
lá, contas para cá – o mitômano e seu propagador de mentiras não dominam a
matéria – seriam necessárias 300 embarcações com a mesma capacidade do gigante
“Harmony of the Seas” para levar a cabo esse devaneio que só prospera em mentes
movidas pela perfídia da ignorância.
Classificado como gênio pelo MEC em três distintas ocasiões,
meu saudoso pai – a quem ousadamente tenho como meta diuturna a ser perseguida
– dizia do alto de sua invejável inteligência que “quando o sujeito é burro, só
resta pedir a Deus que o mate e ao diabo que o carregue”. De preferência para
bem longe, muito além das paragens luciferianas.
Tomando emprestado o bordão paterno, cá estou a pensar se
uso-o como aldraba para finalizar esse desabafo ou espero a chegada dos tais
terroristas muçulmanos para que alguns façam uma simpática visita a esses
supostos herdeiros de Aladim.
Dizia Odorico Paraguaçu – personagem de Dias Gomes
interpretado pelo espetacular e insuperável Paulo Gracindo em “O Bem Amado” –
“a ignorância é que atravanca o progresso”. Paro por aqui para não perder a
elegância que desde cedo me faz companhia de forma teimosa e incansável.