Artigo, Ruy Fabiano - A República dos réus indignados

A República dos réus indignados

O debate da reforma trabalhista, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, esta semana, contrapôs duas lideranças altamente representativas da atual conjuntura política brasileira.

De um lado, em defesa da reforma – e como seu relator -, o senador e líder do governo Romero Jucá (PMDB); de outro, contra a reforma, “e em defesa da classe trabalhadora”, a senadora e nova presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

A uni-los, a condição de réus na Lava Jato, em múltiplos inquéritos, beneficiários do mesmo esquema criminoso sob cujo amparo os seus respectivos partidos nadaram de braçada por quase uma década e meia. Lado a lado, lesaram o Estado.

Deixaram de ser aliados com o impeachment de Dilma, em que Jucá assumiu protagonismo, como ministro do Planejamento do governo Temer – de lá afastado em meio a cabeludas denúncias de corrupção, análogas às que desabaram sobre Gleisi.

Mas nenhum dos dois perdeu status. Temer considerou que, se as acusações a Jucá o inviabilizavam como ministro, não o impediriam de exercer a função de líder do governo no Senado, mostrando assim a consideração que tem pela chamada Câmara Alta do Legislativo. Ali, pelo visto, cabe tudo.

Lula, presidente de honra (?!) do PT, também não viu nada de mais em colocar na presidência do partido alguém que carrega o fardo de acusações cabeludas, como, entre outras, a de receber dinheiro roubado para sua campanha eleitoral.

Afinal, ele próprio, estava no comando desse processo, segundo os seis inquéritos a que responde – o primeiro dos quais a ter sua sentença prolatada nos próximos dias.

Gleisi e Jucá não são exceções. Ao contrário, são a regra. Os nomes mais influentes e representativos do Congresso, hoje, vivem a mesma circunstância de investigados pela Justiça. O quadro generalizou-se de tal forma que já não se sentem constrangidos.

Se o próprio presidente da República e seus principais ministros estão sob investigação policial, sob a mesma e banal rubrica de corrupção, por que se sentiriam melindrados?

Exercem o mandato com a maior naturalidade, apoiando-se mutuamente. Em alguns momentos, chegam a protestar com veemência contra os que (vejam só!) cumprem o dever de processá-los. Jucá é mais discreto; seus protestos são privados.

Gleisi, não: vem a público “denunciar” o procurador Deltan Dallagnol e o juiz Sérgio Moro pelo “crime” de fazer palestras – e cobrá-las. Pouco importa que tenham esse direito assegurado em lei.
O que importa é expô-los a uma acusação de que poucos sabem a inconsistência. A veemência simula indignação. É o réu, inversamente, acusando a Justiça, buscando constrangê-la.

Nas palestras que tanto o procurador como o juiz fazem – e que têm sido importantes para conscientizar a população da missão que exercem -, não tratam de nenhum processo em particular, nem dos réus. Falam pedagogicamente do processo que o país vive, enfrentando pela primeira vez o estamento burocrático, que faz do público um bem privado – e que, no reinando PT-PMDB, deu dimensão sistêmica à rapina, quebrando o país.

Algumas dessas palestras estão na internet (ao contrário das de Lula, materializadas em notas frias). Dallagnol e Moro dizem que doaram seus respectivos (e legítimos) cachês, pagos pela iniciativa privada (frise-se), a instituições de caridade.

Se o fizeram ou não, é problema deles, já que a lei não os obriga a isso. Quanto aos “cachês” de Gleise, Jucá, Lula e amigos, além de muuuito maiores, foram doados a eles próprios.

É nas mãos desse pessoal que estão as reformas de que depende o país para consertar o estrago que a Era PT (de que o PMDB é parceiro) impôs ao país. Ainda que aprovadas – e há sérias dúvidas quanto a isso – irão carecer do selo da legitimidade, o que agravará o ambiente psicossocial depressivo do país.

O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em palestra esta semana, assim resumiu o quadro político-econômico do Brasil:

“Acho que o nosso problema econômico é enorme, está numa trajetória insustentável mesmo com o que sobrou das reformas. Mas acho que o problema político é muito maior do que o econômico. Isso é incrível, porque o problema econômico é gigante.”


Pois é.

egredos e mentira

Segredos e mentira
Cada pessoa de bem sabe que isso não está certo e que o criminoso que usa a boa-fé de jornalistas para prejudicar a nação precisa ser punido. Resta ver como

Ana Maria Machado, O Globo
Hoje, com as redes sociais e informações interligadas, já saímos do velho clichê, de terra de café e banana, ou de samba, futebol e mulher de biquíni. Mas o mundo ainda tende a não prestar muita atenção em nós. No entanto, houve uma revalorização da imagem do Brasil, nos governos Fernando Henrique e Lula, mostrando um país mais sério e respeitável.
Verdade que, nestes últimos anos, parte dessa nova avaliação foi contaminada por uma campanha de descrédito muito bem organizada, que colou nos meios jornalísticos e intelectuais no exterior, às vezes lentos em perceber o que a Lava-Jato vinha revelando.
Mas seriam necessárias altas doses de distorção para ocultar que algo nos distingue da típica Banana Republic. Qualquer analista isento teve de reconhecer, pelo menos, que há no país sinais que atestam uma democracia viva e nos distinguem dos regimes ditatoriais controlados por caudilhos. Entre eles, o respeito à Constituição, a independência dos poderes, uma Justiça atuante, e imprensa livre.
O observador — ingênuo ou não — que não tiver se deixado contaminar pela desmoralização orquestrada pode ver como Justiça e mídia têm funcionado, expondo crimes à luz do sol, mesmo se cometidos por poderosos. E que essa ação conjunta tem agido no sentido de garantir a democracia.
Nos últimos dias, porém, duas sombras pairaram como ameaças sobre esses fundamentos. A primeira foi o julgamento do TSE absolvendo a chapa Dilma-Temer de abuso do poder econômico e político, desconsiderando um excesso de provas. A outra está na publicação feita pela revista “Veja”, denunciando que o Executivo, por meio da Abin, mandou espionar o Judiciário, tendo como alvo preferencial o ministro do STF Edson Facchin.
Diante dessa acusação, as reações foram imediatas e claras. Governante usar seu poder para atrapalhar a Justiça é inadmissível.
Com toda razão, democratas manifestaram preocupação com essa possibilidade. Parlamentares se movimentaram para criar uma CPI da Abin. Juristas, professores, historiadores, jornalistas multiplicaram seus protestos e temores quanto à eventualidade de tal desvirtuamento de funções, totalmente indefensável, ilegal e inconstitucional em sua tentativa de constrangimento. Exemplo claro de uso criminoso do poder e da máquina do Estado em proveito próprio para intimidar o Judiciário. Mais que isso, uma ameaça de choque institucional perigosíssimo. A presidente do Supremo, mesmo após um primeiro desmentido de Temer, reagiu prontamente em nota incisiva e firme.
Todos estão certos. A denúncia feita por grande revista semanal, em matéria assinada por três jornalistas, seguramente só viria à luz após ser examinada com rigor e aprovada por um editor responsável. Vai muito além de um mero boato leviano como tantos que circulam pelas redes sociais. É gravíssima, se confirmada, e abala a República. Exige apuração rigorosa e punição de culpados.
E se não for confirmada? Se não passar de algo plantado de propósito por alguma fonte não identificada, aproveitando a boa-fé de jornalistas ingênuos? Ou a eventual distração de algum chefe incapaz de detectar que estava sendo usado com malícia. Nesse caso, é igual mente grave. Não dá para relevar. Também exige apuração rigorosa e punição dos culpados. E nos alerta para uma vulnerabilidade de que a democracia precisa se proteger.
Como alguém planta algo desse teor e tem a proteção do sigilo para esse crime?
O mecanismo se repete desde o governo FH. Não se sabe vindo de onde, fontes anônimas informavam acusações graves. A imprensa publicava protegendo as fontes com o sigilo constitucional. A garantia do anonimato. A partir daí, algum delegado ou procurador (sobretudo dois contumazes) saía em campo, e o boato virava um fato: a investigação.
Um deles, de ar monacal, encontrava um culpado por semana mas caiu de produtividade: não vê mais nenhum desde que Lula tomou posse. Há anos emenda licenças remuneradas.
Um notório delegado de então hoje vive asilado na Suíça e está na lista da Interpol. Revelou-se que um dos plantadores de mentiras estivera até envolvido na bomba do Riocentro.
Negociadores de falsos dossiês eventualmente descobertos jamais foram punidos. No máximo, foram chamados de meninos aloprados.
Algumas vítimas, como o ex-ministro Eduardo Jorge, ganharam na Justiça os processos que moveram para provar sua inocência. Mas continuou à solta o calhorda que plantou a mentira, travestida ou não de vazamento, e se fez passar por fonte confiável. Protegido pelo sigilo garantido pela Constituição. Livre para voltar a atacar.
Não se advoga o simples fim dessa proteção. Mas cada pessoa de bem sabe que isso não está certo e que o criminoso que usa a boa-fé de jornalistas para prejudicar a nação precisa ser punido. Resta ver como.

Daí que agora, se não for confirmada a notícia de que a Abin mandou escutar Facchin e de que o Executivo foi policialesco com o Judiciário, o fato será no mínimo tão grave quanto se a denúncia for confirmada. Quem apura? Quem protege? Até que ponto?