Anotação mostra relação "estreita" entre ex-ministra e investigados, afirma PF

O Estadão deste domingo reela que documentos reforçam elo da ex-chefe da Casa Civil Erenice Guerra com grupo acusado de "comprar" MPs de interesse de montadoras de veículos no governo 

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Erenice foi secretária executiva da Casa Civil de 2005 a 2010, ano em que passou a ser titular da pasta, com saída de Dilma Foto: Elza Fiúza/ABr / clicRBS
Documentos apreendidos na Operação Zelotes reforçam o elo da ex-chefe da Casa Civil Erenice Guerra com o grupo acusado de "comprar" medidas provisórias de interesse de montadoras de veículos no governo. A Polícia Federal encontrou nas casas de dois dos envolvidos anotações com referências à ex-ministra, o que, para os investigadores, indica "estreita" relação entre ela e os investigados.
Erenice foi secretária executiva da Casa Civil de 2005 a 2010, ano em que passou a ser titular da pasta, entre os meses de março e setembro, com a saída da então ministra Dilma Rousseffdo cargo para se candidatar à Presidência da República. No período, duas MPs sob suspeita de terem sido "encomendadas" foram discutidas pelo órgão (471/2009 e 512/2010), antes de seguir para assinatura do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Erenice, o ex-presidente e outros ex-agentes públicos são investigados em inquérito atualmente em curso na Operação Zelotes. Conforme a PF, o objetivo é averiguar se, eventualmente, eles foram "corrompidos" ou foram "vítimas" de tráfico de influência praticado pelos lobistas que atuaram para viabilizar as MPs. As normas prorrogaram incentivos fiscais a montadoras instaladas no Norte, no Nordeste e Centro-Oeste.
Apreensões
As citações à ex-ministra Erenice Guerra aparecem em relatórios da Polícia Federal sobre as apreensões feitas em endereços dos acusados. Na casa do lobista Mauro Marcondes Machado e da mulher dele, Cristina Mautoni, foi encontrado papel com as anotações "Erenice" e "conta 55 8654672". O casal está preso desde outubro por suspeita de operar o suposto esquema das Mps.
Para a PF, o número se trata, provavelmente, de uma conta bancária. "Tais anotações sugerem, mais uma vez, o envolvimento ou a ligação estreita entre ela(Erenice) e os principais investigados", diz trecho da análise dos investigadores.
No endereço do advogado Eduardo Gonçalves Valadão – que, assim como o lobista Mauro Marcondes, responde a ação penal por envolvimento no suposto esquema – foi achado manuscrito com a seguinte mensagem: "O Alexandre me falou por alto sobre o assunto que o Zé Ricardo está deixando na mão. Pede mais informações / Fala da dívida do José Ricardo com o grupo (Erenice, Fernando Cesar Mesquita etc)".
Após deixar a Casa Civil, Erenice passou a atuar como advogada. Zé Ricardo – como é conhecido José Ricardo da Silva, outro lobista preso sob acusação de "comprar" MPs – se associou a ela para resolver pendências da Huawei Telecomunicações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Em outra frente de investigação, a Zelotes apura suposto esquema de corrupção para influenciar decisões nesse órgão, uma espécie de tribunal administrativo que avalia débitos de contribuintes com a Receita.
Ex-chefe do setor de comunicação no Senado, Fernando César Mesquita é réu em ação penal sobre as medidas provisórias, acusado de receber propina para facilitar pleitos dos investigados no Legislativo.
"Grupo"
Na análise, a Polícia Federal diz que a anotação é de "fundamental importância", pois trata "de forma taxativa sobre a existência de um grupo", "robustecendo as suspeitas de que os investigados tenham se organizado de forma criminosa". "Importante frisar também a menção aos nomes de Erenice e Fernando César Mesquita, como sendo integrantes do mesmo "grupo", o que vem a corroborar suspeitas nos negócios envolvendo os ora investigados", afirma o relatório.
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O agente da PF responsável pela análise sugere um exame grafotécnico para confirmar quem é o autor do manuscrito e, com isso, aprofundar as investigações sobre o conteúdo.
Também foi localizado na casa de Eduardo Valadão um boleto de pagamento de uma das empresas dele, a Rumo Comercializadora de Energia, para uma agência de turismo, no valor de R$ 8,9 mil. Com o documento, com data de 10 de novembro de 2011, havia uma relação de viagens, tickets e nomes de passageiros, entre eles "Erenice Guerra", que aparece com três passagens relacionadas.
Defesa
A ex-ministra não respondeu a questionamentos do jornal O Estado de S. Paulo sobre os relatórios da PF, enviados por e-mail. Informou, por meio de sua assessoria, que não os comentaria. Ela tem afirmado que conheceu os investigados na Zelotes em 2011, após deixar a Casa Civil.
Em depoimento à Polícia Federal, em dezembro, ela disse ter sido apresentada a Mauro Marcondes e Cristina Mautoni numa viagem a São Paulo. Não soube explicar a presença de seu nome em papel apreendido na casa do casal, ao lado do número de suposta conta.
A ex-ministra ressaltou que os números não lhe são "familiares" e consignou sua "estranheza com a anotação" feita por uma pessoa que "não conhece".
Erenice disse no depoimento à PF que sua relação com o escritório J.R Silva Advogados, de José Ricardo da Silva, se restringiu à defesa da Huawei Telecomunicações no Carf. Ela afirmou que não sabe o porquê de seu nome ser citado como integrante do "grupo" em anotação encontrada na casa de Valadão e que espera que o advogado explique o manuscrito. Em sua oitiva, ele silenciou a respeito.
A ex-ministra sustentou que nunca se reuniu com os investigados para tratar das medidas provisórias e que nunca recebeu quaisquer vantagens relacionadas à edição das normas.
Aos investigadores, Erenice também disse que não fez viagem para atender a interesses exclusivos das empresas de Valadão, mas que se recordava de que, num deslocamento para São Paulo, aproveitou para levar o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS (preso desde outubro por causa das investigações da Operação Zelotes), para um encontro com Fernando Bertin, do Grupo Bertin.
A ex-ministra havia indicado empresas de Valadão para as empresas da família Bertin comprarem energia. Questionada pelo delegado Marlon Cajado, alegou não se recordar quem custeou a viagem.
Procuradas, as defesas de Eduardo Valadão e do casal Mauro Marcondes e Cristina Mautoni não comentaram.