TITO GUARNIERE
FINS E MEIOS
Todos nós, quando opinamos - e não só -, trazemos as
marcas de nossa experiência, de nossa visão de mundo. Pertencemos à “polis”,
somos animais políticos. Porém, se eu escrevo para um pequeno ou grande
público, não tenho o direito de subverter os fatos, de tratá-los
displicentemente, de modificá-los em nome de uma causa. O primeiro dever
de quem escreve é a honestidade intelectual.
Mas há certos coleguinhas que teimam em agredir os fatos
– e a nossa inteligência – quase que como uma doença. Eles se movem no viés da
“construção da narrativa”, vale dizer de uma versão útil para a bandeira que
abraçam. Cada texto, cada palavra, está a serviço da causa, da utopia, que é
uma promessa para o futuro – o fato presente que se enquadre na narrativa
engajada.
Dou-lhes exemplos. O articulista Vladimir Safatle,
mencionou “en passant”, na Folha de São Paulo, semana passada, para
criticar a violência policial, que os PMs brasileiros mataram 08, feriram
839 e prenderam 2608 manifestantes, isso só em 2013. Não consta que um
PM, de um só estado, tenha matado um único manifestante, nem em 2013 nem nos
anos seguintes. Mas está lá escrito na Folha e assim permanecerá. Como
acreditar, então, que o número de feridos e de presos nas manifestações sejam
aqueles divulgados por Safatle?
A fonte de Safatle é o site ONG Artigo 19. Fui conhecê-lo
e logo na página frontal a tal ONG reclama da PM de São Paulo porque tem
reprimido os protestos contra o “golpe” e contra Temer, porém nada fez e a
ninguém perturbou nas manifestações em favor do impeachment. A ONG não chegou a
perceber que, nestas últimas, milhões de pessoas foram às ruas do País gritando
“Fora Dilma” e “Fora PT”, sem quebrar uma vidraça, sem incendiar um pneu ou
lixeira. Nos atuais protestos, entretanto, o quebra-quebra come solto. A ONG
Artigo 19 não diz uma única palavra sobre o vandalismo e a violência de
manifestantes.
Ou seja, uma ONG inventa, exagera, distorce. Logo atrás
vem o jornalista engajado que confirma e divulga a versão. Outros mais repetem
e multiplicam. Pronto. Está construída a narrativa: a polícia é sempre
violenta; policiais são brutamontes armados que investem com brutalidade contra
jovens indefesos, que só querem se manifestar. É preciso muita bobeira para
acreditar na balela. Mas não faltam desavisados que espalham a versão,
dando-lhe foros de verdade.
Com a mesma pauta, outro colunista da Folha, Antônio
Prata, afirma em artigo que em 2014 as PMs do Brasil mataram 3022 pessoas.
Não duvido do número assustador. Todos queremos uma polícia justa,
prestativa, civilizada. Os abusos, as execuções sumárias, as violências
cometidas pela polícia devem ser objeto de nossa indignação e combatidas com
rigor exemplar. Mas aposto que a esmagadora maioria dessas mortes
se deram em confronto com a bandidagem. O senhor Prata poderia, para
contextualizar minimamente, dar notícia de quantos PMs no ínterim morreram no
cumprimento do dever.
Mentir para servir uma causa, por mais nobre que ela
seja, é uma variante do princípio abjeto de que os fins justificam os meios.