Você só deve ler este artigo repulsivo se tiver estômago, necessidade por dever de ofício ou conhecer cada detalhe da perversão intelectual de boa camada da esquerdopatia lulopetista brasileira.
Vai na íntegra:
O golpe de Bolsonaro é pela família, contra a nação
O antipresidente ataca o país para defender os interesses
do seu próprio clã
O presidente Jair Bolsonaro ao lado dos filhos Carlos,
Eduardo e Flávio em foto divulgada no Facebook de Carlos Bolsonaro
REPRODUÇÃO/FACEBOOK
Entre os tantos momentos graves vividos pelo Brasil desde
que Jair Bolsonaro(PSL) foi eleito presidente e passou a governar como
antipresidente, este em que ele e sua família pregam abertamente um autogolpe é
possivelmente o pior. E, a depender de como for enfrentado pela sociedade,
outros piores virão. Se aqueles que ocupam as instituições brasileiras ainda
têm respeito pelos seus deveres constitucionais, é hora de resgatar o que resta
de democracia e usar a Constituição para responsabilizar o ato golpista antes
que seja tarde. Não há democracia possível se aquele que foi eleito para
governar estimula o autogolpe, incitando seguidores que falam abertamente em
fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Não há democracia possível se
aquele que foi colocado no Planalto pelo voto está disseminando panfletos pelo
seu próprio WhatsApp, em que a população é convocada para ocupar Brasília e as
cidades do país no próximo domingo, 26 de maio. Se as instituições brasileiras,
todas elas, assim como a sociedade, apenas assistirem passivamente ao
antipresidente rasgar abertamente a Constituição, acordaremos na próxima
segunda-feira em outro país. E, posso garantir: não será um lugar bom.
Mesmo que as manifestações pelo autogolpe fracassem no
domingo, o fato de um presidente incitá-las já é um passo largo demais na
escalada autoritária. É um pode tudo que numa democracia não pode. Se puder, e
parece que está podendo, porque Bolsonaro está fazendo abertamente diante dos
olhos de todos, é porque no Brasil o que resta de democracia já não segura mais
nada. É este o autogolpe – e já está agindo como golpe, ao escancarar que pode
tudo mesmo antes de poder tudo.
A marcha do próximo domingo tem o DNA de Bolsonaro em
todas as partes de seu corpo monstruoso
Depois de incitar e panfletear aquela que está sendo
chamada de “marcha da loucura”, Bolsonaro tentou fazer o que sempre faz.
Recuou, saiu da oposição ao próprio Governo e temporariamente voltou a ser
situação. Anunciou ter desistido de ir pessoalmente à marcha e avisou aos
ministros que também não deveriam ir. Tarde demais. A marcha tem o DNA de
Bolsonaro em todas as partes do seu corpo monstruoso. Cada ato do próximo
domingo será feito em seu nome.
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É preciso compreender muito bem o que Bolsonaro e o
bolsonarismo são e fazem. Apesar de se venderem como “nacionalistas” e falarem
em defesa da “nação”, seus atos mostram que estão contra a nação. E não estou
aqui esgrimando com retórica. É contra a nação porque seu golpe é feito em nome
da família, do clã. E é feito pela família, pelo clã. Ainda que nação seja um
conceito em disputa, com uma história longa, a ideia de nação se opõe
radicalmente à ideia de clã. Bolsonaro tem governado abertamente contra a
nação, pelo clã. Ele e seu clã querem expulsar do país todos aqueles que não
fazem parte do clã. Seja porque defendem propostas diferentes no campo da
política, seja porque representam ideias diferentes no campo dos costumes.
O que é o clã Bolsonaro? É primeiro sua família, depois
seus seguidores. E nisso aqueles que se sentem parte do clã, os que hoje são
chamados de “bolsominions” e eu prefiro chamar de “bolsocrentes”, deveriam
prestar bem atenção. O núcleo duro, em qualquer clã, é a família, é o sangue.
São zerodois (Carlos, vereador que controla as redes sociais do pai), zerotrês
(Eduardo, deputado federal) e zeroum (Flávio, senador). Nessa ordem. Não por
coincidência, os garotos zerodois e zerotrês receberão mais uma medalha do pai,
a da Ordem do Mérito Naval. A informação foi publicada no Diário Oficial desta
terça-feira, 21. Menos de um mês atrás, o antipresidente já tinha mimoseado os
filhos com a Ordem Nacional de Rio Branco, a mais alta condecoração do
Itamaraty. Tudo (o que é público) em família.
O que aconteceu com o ex-ministro Gustavo Bebianno, que
se achava parte do núcleo duro do clã até bater de frente com o segundo garoto,
o mais influente junto ao pai, deveria ter deixado os bolsocrentes mais
espertos. Ainda que os laços de sangue não signifiquem total garantia neste
tipo de organização, eles são muito mais difíceis de romper num clã do que
qualquer outro laço. Bebianno compreendeu isso tarde demais e possivelmente
vários outros ainda o seguirão na desgraça.
Bolsonaro prega o autogolpe no momento em que uma
investigação das atividades do filho zeroum pode atingir toda a família
De forma alguma é coincidência que Bolsonaro tente um
autogolpe no momento em que o filho zeroum é investigado por desvio de dinheiro
público, lavagem de dinheiro e organização criminosa. E no momento em que essa
investigação pode alcançar outros familiares e também o chefe do clã. No
momento em que essa investigação, que apenas começou, pode revelar um
envolvimento criminoso com as milícias que dominam o Rio de Janeiro.
Atenção, policiais honestos, o clã Bolsonaro não é a
favor de vocês. Os Bolsonaros já demonstraram publicamente que apoiam não as
polícias, mas sim as milícias. Na lógica do clã, tornar-se policial parece ser
apenas rito de passagem para a conquista de poder e território. Em 2005, vale a
pena lembrar, o então deputado Jair Bolsonaro fez uma defesa enfática de
Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão da Polícia Militar, suspeito de
chefiar a milícia de Rio das Pedras e ser articulador do Escritório do Crime, o
maior grupo de matadores de aluguel do Rio. Bolsonaro defendeu Adriano, hoje
suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e
foragido, no plenário da Câmara. Quatro dias antes do pronunciamento, Adriano
tinha sido condenado por homicídio. Meses antes, havia sido condecorado pelo
filho zeroum com a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do estado do Rio. Bolsonaro
defendeu o miliciano e chamou-o de “brilhante oficial”.
É fundamental fazer a distinção. O autogolpe está em
andamento não porque o projeto de Bolsonaro para o país está ameaçado. E sim
porque o projeto de Bolsonaro para o seu próprio clã está ameaçado. Primeiro
pelas investigações que, se não forem barradas, possivelmente alcançarão outros
membros do clã. Como impedir então que as investigações continuem? Pelo golpe.
Botando os crentes na rua para, como eles próprios gritam nas redes sociais, fechar
o Congresso e fechar o STF, a instância máxima do judiciário.
Ninguém está impedindo Bolsonaro de governar, além dele
mesmo e de seu clã
Não há ninguém impedindo Bolsonaro de governar para o
país, além dele mesmo e de seu clã. A questão é que eles nunca quiseram
governar para o país, porque a nação não lhes interessa. O que eles sempre
quiseram foi governar para o clã e, assim, transformar o território da nação no
território do clã. Agora o clã está ameaçado porque as instituições
democráticas funcionam mal, mas ainda funcionam. Funcionam o suficiente para
investigar se o filho zeroum cometeu os crimes dos quais é suspeito e apurar
quem mais está envolvido.
Esta é a principal razão para Bolsonaro ter divulgado
pelo WhatsApp um texto em que o autor afirma que o Brasil é “ingovernável” fora
dos “conchavos” e que teme que o governo possa “ser desidratado até a
inanição”. Num trecho, Paulo Portinho, funcionário público e candidato
derrotado a vereador pelo partido Novo, afirma: “Que poder, de fato, tem o presidente
do Brasil? Até o momento, como todas as suas ações foram ou serão questionadas
no Congresso e na justiça, apostaria que o presidente não serve para NADA,
exceto para organizar o governo no interesse das corporações. Fora isso, não
governa”. Bolsonaro divulgou o texto classificando-o como de “leitura
obrigatória”. Fez isso após as manifestações contra os cortes na educação terem
levado centenas de milhares de pessoas para as ruas de mais de 200 cidades do
Brasil, tornando-se o maior protesto feito contra um presidente no início de
mandato.
O clã Bolsonaro vai para o tudo ou nada, o que neste caso
significa arregimentar seus fiéis para uma demonstração de força no próximo
domingo, porque quer impedir uma investigação que só eles sabem até onde pode
chegar e o que vai aparecer. Como só eles sabem, agora nós também podemos
saber, pelo menos, que é muito fundo e muito grave o que os investigadores
poderão encontrar, caso não forem impedidos. Fundo e grave o suficiente para
merecer a convocação de um autogolpe com menos de cinco meses de governo
eleito.
É isso que Bolsonaro está nos dizendo sem dizer. Este é o
único ocultamento. Todo o resto é explícito, como sempre foi. Estamos
testemunhando um autogolpe bem diante dos nossos olhos e timelines. Só um
ditador pode impedir uma investigação contra si mesmo e sua família. Contra o
seu clã.
Bolsonaro não é um presidente, mas um chefe de clã
ocupando a presidência
Quando escolho chamar Bolsonaro de antipresidente, como
já expliquei em artigo anterior, é conceito. Bolsonaro é um presidente contra a
presidência, algo totalmente novo na história do país. Para governar, ele ocupa
o espaço da situação e da oposição, como apontei. Está fora e dentro, ao mesmo
tempo. Isso é método, não incompetência. A incompetência está em outro lugar. É
importante compreender que Bolsonaro não é um presidente, mas sim um chefe de
clã na presidência.
Quem comparecer à convocação do antipresidente no domingo
estará fazendo aquele tipo de escolha que pode definir uma vida. Estará
escolhendo o clã – e não a nação. E aí pode começar a rezar para saber quanto
tempo durará dentro da paliçada, sem nenhuma lei que não seja a do chefe, antes
de se indispor com a família de sangue e ser jogado para fora numa piscada.
Setores da extrema direita e da direita que apoiaram
Bolsonaro já entenderam a dinâmica. É o caso de articuladores dos movimentos de
rua que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff , como o MBL. O deputado
federal Kim Kataguiriexplicou claramente – em live, tuítes, posts e entrevistas
– por que o Movimento Brasil Livre não apoiaria nem estaria na manifestação:
“Fechar o Congresso e o STF é coisa de revolucionário. Quem é liberal e
conservador defende a separação dos Poderes, e não o fechamento dos Poderes”.
Outro protagonista das manifestações pelo impeachment, o Vem Para a Rua, também
se posicionou: "Sendo um ato pró-governo, não vamos aderir, porque vai
contra um dos nossos pilares, que é ser um movimento suprapartidário".
“Se as ruas estiverem vazias (no domingo), Bolsonaro terá
de parar de fazer drama para TRABALHAR”, diz Janaina Paschoal
Personagens centrais do impeachment, como a deputada
estadual pelo PSL, Janaina Paschoal, têm feito oposição enfática à convocação
do próximo domingo. “Estão causando um terrorismo onde não há! As pessoas estão
apavoradas, escrevendo que nosso presidente está correndo risco. Ele não é
amado pela esquerda, pelos formadores de opinião? É verdade. Mas quem o está
colocando em risco é ele, os filhos dele e alguns assessores que o cercam.
Acordem! Dia 26, se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá que
parar de fazer drama para TRABALHAR!”, defendeu Paschoal numa série de tuítes.
"Essas manifestações não têm racionalidade. O presidente foi eleito para
governar nas regras democráticas. (...) Pelo amor de Deus, parem as
convocações! Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Não tem sentido
quem está com o poder convocar manifestações! Raciocinem!".
Muitos dos que apoiaram a candidatura de Bolsonaro por
serem contra o PT ou por quererem emplacar seu próprio projeto de extrema
direita ou direita no poder já perceberam a dinâmica da família Bolsonaro,
apelidada nas redes sociais de “familícia”. O que o domingo mostrará é quantos
crentes o clã Bolsonaro conseguirá mover na tentativa de barrar as
investigações do filho zeroum.
A tentativa de autogolpe de Bolsonaro tem sido comparada
a do então presidente Jânio Quadros, em 1961. Que deu bem errado, como sabemos.
Para ele, não necessariamente para o projeto de outros golpistas, como os anos
seguintes mostraram. Mas, se há algumas semelhanças com a tentativa de Jânio
Quadros, há um número muito maior de diferenças. Entre elas, a forma de
operação da política do Brasil contemporâneo.
Quando me refiro a bolsocrentes, não estou tentando fazer
graça. Também é conceito. Em 2016, escrevi um artigo intitulado: “Na política,
mesmo os crentes precisam ser ateus”. Meu principal argumento nesse texto é o
de que a antipolítica demanda uma adesão pela crença, e não pela razão. Essa
operação beneficia o bolsonarismo, mas o precede. E poderá ser mais longeva do
que ele, a depender dos próximos capítulos.
Quando me refiro a crentes, não estou me referindo apenas
a fiéis religiosos evangélicos, que majoritariamente deram seu voto a
Bolsonaro. Mas a algo mais amplo, que é a adesão a um projeto político pela fé.
Basta acompanhar as discussões nas redes sociais para perceber que há muitos
ateus que se comportam como crentes na política.
Pela razão, Bolsonaro não consegue incitar uma
manifestação para promover seu autogolpe. Por isso ele demanda fé. Pela razão é
fácil perceber que quem mais causa problemas ao Governo é o seu clã. Pela razão
é fácil conferir que Bolsonaro, que tanto critica os partidos e a política
tradicional, acabou de anistiar 70 milhões de reais da dívida dos partidos, num
momento crítico para o país. Pela razão é evidente que as dificuldades dos
primeiros meses decorrem da incompetência de Bolsonaro. Pela razão, portanto,
não dá.
Por isso Janaina Paschoal, insuspeita de ser de
“esquerda”, tem clamado nas redes sociais: “Raciocinem! Reflitam!”. Mas como,
se ela mesma exigiu tanta fé dos eleitores para votar num homem que se
manifestava claramente contra os valores humanitários mais básicos e contra a
própria democracia? Ela também invoca a fé de seus eleitores para que acreditem
que só agora ela percebeu o que Bolsonaro queria ser – e dizia que seria.
A adesão à política pela crença – e não pela razão – é a
marca deste momento histórico no Brasil e no mundo
A adesão à política pela crença é uma marca deste momento
histórico no Brasil, e também no mundo. E, como não custa repetir, ela atinge
fiéis de todas as religiões e também de religião nenhuma. E, como também não
custa repetir, precede e pode ser mais persistente do que o próprio
bolsonarismo. A adesão à política pela fé é um modo de operação que marca a
antipolítica.
Por outro lado, também é preciso dizer que o crescimento
do fundamentalismo evangélico no Brasil, representado pelas igrejas
neopentecostais, se articula com esse modo de operação. Já desenvolvi essa
ideia no artigo chamado “Bolsonaro e a autoverdade”. É possível que o Brasil
esteja sendo mais impactado pela religiozisação da política do que pela
politização da justiça.
A retórica bíblica do bem contra o mal atravessa
fenômenos como o bolsonarismo. Quando me refiro a essa palavra feia,
“religiozisação” da política, chamo a atenção para a adesão à política pela fé.
Esse fenômeno vai muito além dos fiéis evangélicos, mas é influenciado pelas
empresas da fé e seus CEOs que se autointitulam pastores e bispos.
Mais de uma geração de brasileiros já foi formada numa
interpretação tosca da Bíblia, na luta do bem contra o mal. Mais de uma geração
já foi e está sendo educada na visão maniqueísta do mundo. Produtos de
entretenimento como as novelas e os filmes supostamente bíblicos de uma rede de
TV como a Record, colaboram para formatar um determinado olhar sobre a dinâmica
da vida, criando um terreno fértil para arregimentar fiéis para um projeto
político, ao deslocar a fé para um campo que não é o da fé, mas se torna.
O grupo de comunicação Record é o melhor exemplo, ao ser
ao mesmo tempo o braço de difusão da ideologia do projeto empresarial-religioso
aplicado à política e a TV oficial, ainda que não formal, do bolsonarismo. Ou
uma delas, já que Bolsonaro quer o apoio, mas não a sombra do bispo Edir
Macedo. Ele sabe que em algum momento os clãs chegarão a um impasse. Não custa
ainda lembrar que nada mais Velho Testamento do que um clã.
Bolsonaro divulga vídeo em que pastor afirma que, se o
povo não sustentar o “escolhido por Deus”, “a queda do Brasil será terrível”
Depois de divulgar um texto que mencionava um Brasil
“ingovernável”, Bolsonaro mostrou que entende muito bem a dinâmica da
religiozisação da política. Postou em seu Facebook o vídeo de um pastor
congolês que fundou uma igreja evangélica na França. Steve Kunda começa
dizendo: “Eu não faço política, eu sou pastor”. E então desanda a fazer
política em prol de Bolsonaro, mas com retórica bíblica. “Na história da
Bíblia, há políticos que foram estabelecidos por Deus”, diz. Afirma então que,
assim como Deus escolheu Ciro como rei da Pérsia, “Deus escolheu Jair
Bolsonaro”.
Segundo o pastor, ele teria recebido essa informação do
próprio Altíssimo. “Gostando ou não, sendo de esquerda ou de direita, Deus
escolheu Jair Bolsonaro como o Ciro do Brasil”. E segue: “Juntem suas forças!
Sustentem esse homem (...) Ele é muito oprimido, Deus falou que seus primeiros
dois anos não vão ser fáceis, mas a mão de Deus está com ele”. Caso o povo não
apoie Bolsonaro, o pastor garante, “a ruína chegará ao Brasil”: “Se o Brasil
não assegurar esse tempo, a queda do Brasil será terrível... E eu falo como
profeta”.
Antes que os bolsocrentes me acusem de “comunista”, me
limito a reproduzir a reação da deputada Janaina Paschoal, do mesmo partido de
Bolsonaro, no WhatsApp: “E esse vídeo maluco de Messias? O que ele quer com
isso?”.
A resposta parece bastante clara até mesmo para
apoiadores arrependidos.
Depois de cinco meses de governo, a disputa de Bolsonaro
agora é com a realidade
No próximo domingo veremos o quanto essa operação tem
força. E o quanto a realidade se impõe. A razão não está em alta numa população
que está sendo educada no maniqueísmo religioso. Mas a realidade é irredutível
à falsificação. Pode demorar mais ou pode demorar menos, mas ela se impõe. E a
realidade é desemprego crescente e a economia se aproximando da recessão. Até o
neoliberal Paulo Guedes, ministro que recentemente afirmou nos Estados Unidos
que o Brasil está disposto a “vender tudo, até o palácio presidencial”, já
anunciou que a economia está “no fundo do poço”. A sobrevivência é um impulso
atávico que precede até mesmo a fé. Será difícil a população absolver o presidente
da responsabilidade pelo seu mal-estar cotidiano.
Não é a surpreendente oposição de direita, não é a
esquerda ou o “comunismo” e muito menos qualquer “conspiração” que podem
esvaziar o autogolpe de Bolsonaro. Depois de quase cinco meses de Governo, a sua
disputa agora é com a realidade. Não fosse o destino da nação em jogo, seria
interessante observar o quanto a adesão pela fé ainda é potente – ou não –
contra a corrosão dos dias. Mas, mesmo que o autogolpe fracasse, o que só
saberemos no próximo domingo, o fato de Bolsonaro poder planejá-lo,
articulá-lo, propagandeá-lo livre e abertamente de sua cadeira no Planalto já
condena o Brasil talvez de forma irreversível.
Bolsonaro começou sua campanha presidencial em 17 de
abril de 2016, naquele momento terrível em que votou pelo impeachment de Dilma
Rousseff homenageando o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. Violou a lei
e não foi responsabilizado. Ao contrário, continuou propagando a homofobia, o
racismo e o ódio, assim como defendendo a ditadura, a tortura e o assassinato
de opositores. E seguiu sem ser responsabilizado. Tornou-se presidente do
Brasil. E, neste momento, incita a população para um autogolpe. Em nome do clã,
contra a nação. Se, mais uma vez, não for responsabilizado, o último limite pode
cair. E então descobriremos como é viver sem qualquer limite.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista.
Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que
Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do
romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email:
elianebrum.coluna@gmail.com