Em artigo na Foreign Policy, Stephen M. Walt, professor
de Relações Internacionais, cria cenário hipotético em 2025 para perguntar se
países teriam direito - ou obrigação - de intervir em nação soberana 'para
preveni-la de causar dano potencialmente catastrófico ao meio ambiente.
A data hipotética é 5 de agosto de 2025. O Brasil
continua a ter um governo que defende ampliar as atividades econômicas na
Amazônia e que questiona a utilidade da proteção ambiental. E, por isso, está
prestes a ser atacado pelos Estados Unidos, que já não são mais governados por
Donald Trump.
O presidente americano dá um ultimado ao nosso país: se
não cessar o "desmatamento destrutivo" em uma semana, os EUA
iniciarão um bloqueio naval ao Brasil e lançarão ataques aéreos para destruir
infraestrutura estratégica brasileira.
Curiosamente, a China, que se tornou alvo de críticas e
desconfiança por parte de integrantes do governo Bolsonaro, é a maior potência
a intervir a favor do Brasil. O gigante asiático e maior parceiro comercial do
Brasil diz que vetará qualquer proposta de intervenção armada aprovada pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Mas isso não detém os EUA, que dizem já contar com uma
ampla "coalizão de nações preocupadas", preparada para dar suporte às
ações lideradas pelo governo americano..
Walt, autor de livros sobre a política externa americana,
a força do lobby israelense nos EUA e as ligações entre revoluções e guerras, e
formulador da "teoria do equilíbrio da ameaça", reconhece que se
trata de um cenário exagerado. Mas o objetivo central do artigo é questionar se
é ou não possível justificar com regras do Direito Internacional ataques e
sanções ao Brasil com base no argumento de que a destruição da Amazônia é um
problema de todos.
A pergunta que Walt faz é a seguinte: "Os países tem
o direito - ou até a obrigação - de intervir numa nação estrangeira para
preveni-la de causar dano irreversível e potencialmente catastrófico ao meio
ambiente?".
O professor americano diz, no artigo, que resolveu
levantar esse questionamento diante do fato de Jair Bolsonaro estar
"acelerando o desenvolvimento na Amazônia" e colocando em risco
"um recurso global" crucial.
O professor de Harvard lembra que cientistas apontam que
o desmatamento da Amazônia pode levar à criação de um deserto na região e
reformula a frase sobre as possibilidades de intervenção estrangeira no Brasil:
"O que a comunidade internacional pode (ou deve)
fazer para prevenir um presidente brasileiro mal orientado (ou líderes
políticos de outros países) de adotar medidas que podem prejudicar a todos
nós?"
Exceções à soberania
Walt afirma que a soberania dos países é um elemento
crítico do sistema internacional. "Com algumas exceções, os governos são
livres para fazer o que quiserem dentro das suas fronteiras."
Entre as exceções, estão casos em que o Conselho de
Segurança da ONU autoriza intervenção militar e em que um ataque é necessário
para a "autodefesa" de uma nação.
A possibilidade mais controversa, porém, se baseia na
chamada doutrina da "responsabilidade de proteger", que legitima uma
intervenção humanitária quando um governo é incapaz ou se nega a proteger a
própria população.
Mas Walt lembra que, por mais que existam essas
possibilidades, a grande maioria dos países resiste à tentação de intervir ou
de admitir qualquer interferência estrangeira em seus territórios.
"Embora a destruição da Amazônia represente uma
clara e evidente ameaça a vários outros países, dizer ao Brasil para parar com
isso e ameaçar intervir para deter, punir ou prevenir isso, seria um jogo
completamente novo", afirma o professor de Harvard.
"E eu não pretendo só destacar o Brasil. Também
seria um passo radical ameaçar os EUA e a China se eles se recusassem e emitir
tantos gases poluentes."
Por enquanto, intervenção soa dramático, mas e num futuro
próximo?
Walt diz que, se no momento a hipótese de um ataque ao
Brasil soa exagerado ou dramático, no futuro pode se tornar mais provável que
nações se disponham a intervir num país caso as previsões sobre as
consequências do aquecimento global se confirmem.
Mas ele afirma que existe um "paradoxo cruel".
"Os países que são os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas são,
também, os menos suscetíveis à coerção, enquanto os Estados que potencialmente
podem ser mais pressionados não são as principais fontes do problema",
diz.
'Os países que são
os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas são, também, os menos
suscetíveis à coerção', diz o professor de Harvard, destacando que EUA, China
Japão, Rússia e Índia são os maiores emissores de gases poluentes
'Os países que são os maiores responsáveis pelas mudanças
climáticas são, também, os menos suscetíveis à coerção', diz o professor de
Harvard, destacando que EUA, China Japão, Rússia e Índia são os maiores
emissores de gases poluentes
"Ameaçar qualquer deles com sanções possivelmente
não vai funcionar e ameaçar com uma intervenção armada é completamente
irrealista", destaca o professor de Harvard.
"Além disso, não é provável que o Conselho de
Segurança autorize o uso da força contra Estados mais fracos, porque os membros
permanentes do órgão não vão querer estabelecer esse precedente."
Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da
ONU são China, EUA, Rússia, França e Reino Unido.
Brasil não é 'grande potência', mas...
Walt destaca que as ações do governo brasileiro contra a
Amazônia podem ser uma ameaça a todo o planeta. "Mas o Brasil não é
nenhuma grande potência. Ameaçá-lo com sanções econômicas ou o uso da força
caso se recuse a proteger a floresta poderia funcionar", diz.
Mas uma eventual intervenção poderia ser encarada como
precedente para ataques a outros países. Por isso, dificilmente o Conselho das
Nações Unidas autorizaria algo assim.
O professor de Harvard ressalta que, ao criar essas
hipóteses, não está "recomendando esse tipo de ação nem agora nem no
futuro". "Estou só destacamento que o Brasil pode ser mais vulnerável
a pressões que alguns outros países."
Outras medidas possíveis
Walt lembra que há outros remédios para esse problema,
como sanções unilaterais de comércio a países que sejam irresponsáveis no
cuidado com o meio ambiente. Além disso, as pessoas sempre podem organizar
"boicotes voluntários" contra empresas que não adotem boas práticas.
"Alguns países já caminham para essa direção e é
fácil imaginar essas medidas se tornando mais difundidas conforme os problemas
ambientais se multiplicam", diz.
"Alternativamente, os países com territórios
sensíveis às mudanças climáticas podem ser remunerados para preservá-los em
prol de toda a humanidade."
Essa última hipótese é defendida pela maior parte dos
países emergentes, inclusive o Brasil, que criticam o fato de países ricos
cobrarem ações de nações mais pobres, sem compensá-las pelos esforços de
proteção ambiental.