Democracia e instituições no Brasil
Pari passu com o processo de democratização no Brasil
temos um processo de institucionalização que corre lentamente, com idas e
vindas
MURILLO DE ARAGÃO*, O Estado de S.Paulo
Pari passu com o processo de democratização no
Brasil temos um processo de institucionalização que corre lentamente, com idas
e vindas. A democratização sempre conta com o apoio da mídia e da academia, o
que não acontece com a institucionalização. E esse descompasso no tratamento
dessas duas questões não tem sido percebido de forma adequada.
A democratização sempre foi vista como um objetivo
inexorável e erga omnes a ser atingido pelo País. Já a institucionalização,
nem tanto. Qual a razão? Devemos olhar para o nosso passado, tempo em que as
relações pessoais eram sempre mais importantes que as relações institucionais.
Mas, ao largo do interesse pontual de se relacionar com
os Poderes por meio de conexões pessoais, a fragilidade das instituições no
País decorre também da visão esquerdista, uma espécie de software residente da
academia e de setores da imprensa para interpretar o Brasil.
O processo de “desinstitucionalizar” o Brasil se dá pelo
enfraquecimento das instituições, por sua desmoralização e, também, pelo
aplauso ao conflito institucional. Por exemplo, a criação de matérias
acadêmicas sobre o “golpe” contra Dilma mostra o viés “desinstitucionalizante”
de setores da academia.
Poderiam estudar, por exemplo, a desistitucionalização no
governo Dilma, em que ministros eram bypassados por secretários e a
hierarquia e o federalismo, repetidamente desvalorizados.
Para os esquerdistas mais obtusos, as instituições estão
a serviço das classes dominantes. E quando não estão a serviço do seu projeto
de poder (das esquerdas), devem ser fragilizadas. Pois, fortalecidas, favorecem
o establishment.
Fazendo um exercício básico: a intervenção federal na
Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é uma expressão do governo; o
governo é inimigo das esquerdas por ter “derrubado a presidente Dilma
Rousseff”; portanto, a intervenção deve ser fragilizada.
O fato de a imensa maioria da imprensa e da academia
acreditar que os políticos são corruptos e a política é corrompida favorece a
tese de que nada que venha do mundo político pode ser considerado legítimo.
Mesmo que tenha amplo apoio popular.
Por isso qualquer iniciativa que fortaleça
o establishment não interessa. Pois trabalha contra duas teses em
voga: a total – e utópica – renovação da política e a volta do mundo
esquerdista ao poder.
A desmoralização das instituições é amplificada por um
vício de destacar o veneno e não a cura. Não cultivamos a reflexão a ponto de
destacar que o governo e as instituições não são necessariamente e o tempo todo
“do mal”. O que reflete um grave desconhecimento da sociedade sobre a
necessidade da política.
Para tristeza dos marxistas, as teorias são
frequentemente desmoralizadas neste recanto tropical. As instituições no Brasil
não estão a serviço dos poderosos nem das classes dominantes.
As instituições, numa sociedade fraca como a nossa, estão
a serviço dos próprios interesses daqueles que as controlam. E como o Estado é
mais poderoso do que a sociedade, as classes dominantes são as corporações de
burocratas. Cuja narrativa de fortalecimento do Estado visa, acima de tudo,
fortalecer o domínio dessas corporações sobre o Estado e, por conseguinte,
sobre a sociedade.
Daí vivermos sob o jugo do corporativismo de
auxílios-moradia, seguros odontológicos, férias e recessos prolongados,
aposentadorias precoces, sistemas diferenciados de aposentadoria,
auxílio-paletó, burocracia excessiva, precariedade de serviços públicos e
sistema tributário caótico, entre outros desvios.
A desmoralização das instituições também ocorre quando,
no afã de atender a pressões midiáticas, se tomam decisões “não
institucionais”, vulnerando a lei, violando a Constituição, estimulados pelo
ativismo judicial. No processo de desmoralização das instituições, consideram-se
aceitáveis os excessos do ativismo judicial e as frequentes soluções pela via
da judicialização.
O establishment político não é apenas vítima de
uma perversa conspiração para enfraquecê-lo e daqueles que submetem as
instituições aos interesses das corporações. O comportamento dos políticos e as
regras da política também são claramente desinstitucionais ao não combaterem a
supremacia do Estado sobre a sociedade e terem promovido relações espúrias do
capitalismo tupiniquim com empresas estatais, por meio de doações e propinas.
Entre muitos outros desvios.
No Brasil, a Presidência da República também é, por
excelência, um elemento de desinstitucionalização, por acumular poderes que
desequilibram o federalismo e a relação com os outros Poderes.
Da mesma forma, a excessiva autonomia do Ministério
Público Federal é um elemento que, sob a justificativa do bem comum, enfraquece
as instituições, ao fomentar decisões não apenas transversais, mas com
verticalidades que desmontam a hierarquia dentro e entre os Poderes.
Em suma, vivemos um quadro de grande desordem
institucional que não é conjuntural. Decorre, como vimos aqui de forma
sintética, de vários fatores históricos e estruturais de nosso sistema
político.
Porém, ao final de tudo, o que mais espanta é o fato de
não existirem grandes questionamentos sobre o tema. Predominam visões que
sancionam ou descredenciam os movimentos a partir de interesses, e não de
princípios.
No entanto, a construção de uma democracia de verdade
impõe instituições fortes que operem dentro de marcos constitucionais e legais
claros. Devemos, o quanto antes, retomar o caminho do fortalecimento de nossas
instituições.
* CONSULTOR, ADVOGADO E CIENTISTA POLÍTICO, DOUTOR
EM SOCIOLOGIA (UNB), É PROFESSOR ADJUNTO DA COLUMBIA UNIVERSITY (NOVA
YORK)