Título original: "Os pobres e os ricos"
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um
jornalista brasileiro, diretor editorial do grupo EXAME e colunista das
revistas EXAME e VEJA, integrando ainda o Conselho Editorial da Abril.
A situação fica definitivamente complicada para os pobres
quando quem diz que está cuidando deles serve no exército do inimigo
Durante todo o período em que a esquerda mandou no
governo o Brasil continuou sendo
um dos países de maior concentração de renda em todo o
mundo (Ricardo Stuckert/Instituto Lula)
E então: depois de ouvir durante meses, ou anos, toda
essa discussão sobre a “reforma da Previdência”, você está achando que ela é
“contra os pobres”? Ou acha que é exatamente o contrário? Ou, ainda, não acha
nem uma coisa nem outra, porque não tem mais paciência para continuar ouvindo
essa conversa que não acaba mais? Anime-se. O professor gaúcho Fernando
Schüler, conferencista e consultor de empresas, tem a solução definitiva para o
seu problema. Se a reforma da previdência fosse contra os pobres, explicou
Schüler dias atrás, já teria sido aprovada há muito tempo, e sem a menor
dificuldade. Pela mais simples de todas as razões: tudo aquilo que prejudica o
pobre diabo que está tentando não morrer de fome, e não tem tempo para fazer
“articulação política”, passa como um foguete da NASA pelas duas casas do
Congresso deste país. Passa tão depressa, na verdade, e com tanto silêncio, que
ninguém nem fica sabendo que passou. A reforma proposta pelo governo só está
encontrando essa resistência desesperada do PT, dos seus satélites e da massa
da politicalha safada porque é, justamente, a favor dos pobres e contra os
ricos. Cem por cento contra os ricos ─ no caso, algumas dezenas de milhares de
funcionários públicos com salário-teto na casa dos 40.000 reais por mês,
sobretudo nas camadas mais altas do Judiciário e do Legislativo. São esses os
únicos que vão perder, e vão perder em favor dos que têm menos ou não têm nada.
Não parece possível, humanamente, eliminar de maneira
mais clara as dúvidas sobre a reforma da previdência. Alguém já viu, em cerca
de 200 anos de existência do Congresso Nacional, alguma coisa a favor de rico
dar trabalho para ser aprovada? Ainda há pouco, só para ficar num dos exemplos
mais degenerados do estilo de vida dessa gente, deputados e senadores aprovaram
o pagamento de 1,7 bilhão de reais para a “campanha eleitoral de 2018” ─
dinheiro vivo, saído diretamente dos seus impostos e entregue diretamente no
bolso dos congressistas. São os mesmos, em grande parte, que agora viram um
bando de tigres para “salvar os pobres” da reforma. Poderiam ser mencionados,
aí, uns outros 1.000 casos iguais, em benefício exclusivo da manada que tem
força para arrancar dinheiro do Erário público. No caso da previdência a briga
é para conservar os privilégios de ministros, desembargadores, procuradores,
auditores, ouvidores, marajás da Câmara dos Deputados, sultões do Senado e toda
a turma de magnatas que conseguem ganhar ainda mais que o teto e exigem, ao se
aposentar, os mesmos salários que ganham na ativa ─ algo que nenhum outro
brasileiro tem.
Não adianta nada, com certeza, apresentar números, fatos
e provas materiais que liquidam qualquer dúvida sobre a injustiça rasteira de
um sistema que se utiliza da lei para violar o princípio mais elementar das
democracias ─ o de que todos os cidadãos são iguais em seus direitos e em seus
deveres. A previdência brasileira determina, expressamente, que os cidadãos são
desiguais; quem trabalha no setor privado, segundo as regras que se pretende
mudar, vale menos que os funcionários do setor público e, portanto, tem de
receber aposentadoria menor. Quando se demonstra essa aberração com a
aritmética, a esquerda diz que as contas não valem, pois se baseiam em “números
ilegais”. Não há, realmente, como continuar uma conversa a partir de um
argumento desses ─ e nem há mesmo qualquer utilidade prática em conversar sobre
o assunto. Os defensores dos privilégios não estão interessados em discutir
número nenhum; estão interessados, apenas, em defender privilégios. Por que
raios, então, iriam perder seu tempo se aborrecendo com fatos?
O que existe, no fundo, é uma questão que vai muito além
da previdência social. É a guerra enfurecida que se trava no Brasil para manter
exatamente como estão todas as desigualdades materiais em favor das castas que
mandam no Estado ─ todas as desigualdades, sem exceção, e não apenas a
aposentadoria com salário integral. Sua marca registrada é um prodigioso
esforço de propaganda para fazer as pessoas acreditarem que o agressor está do
lado dos agredidos ─ e que qualquer tentativa séria de defender o pobre é uma
monstruosidade que precisa ser queimada em praça pública. Acabamos de viver,
justo agora, um dos grandes momentos na história dessa mentira que faz do
Brasil um dos países mais injustos do mundo ─ quando o ministro Paulo Guedes
foi à Câmara para explicar, com paciência de monge beneditino e fatos da lógica
elementar, a reforma da previdência. O PT fez o possível para impedir o
ministro de falar. Ao fim, tentou ganhar pelo insulto. Um deputado de segunda
linha faturou seus 15 minutos de fama dizendo que Guedes era bravo com “os
aposentados”, mas “tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do
nosso país”.
A grosseria serviu para três coisas. Em primeiro lugar,
fez o deputado ouvir que “tchutchuca é a mãe”. Em segundo lugar, levou o
ex-presidente Lula a dizer, da cadeia, que estava “orgulhoso” com a agressão ─
mais um sinal, entre tantos, do bem que ele fará pelo Brasil se for solto ou
premiado com a “prisão domiciliar”. Em terceiro lugar, enfim, abriu mais uma
avenida-gigante para se dizer quem é quem, mesmo, em matéria de “tchutchuca”
com os ricos, parasitas e piratas neste país ─ “tchutchuca” na vida real, como
ela é vivida na crueza do seu dia a dia, e não na conversa de deputado petista.
Aí não tem jeito: os fatos, e puramente os fatos, mostram que Lula, guiando o
bonde geral da esquerda verde-amarela, foi o maior “tchutchuca” de rico que o
Brasil já teve em seus 500 anos de história; ninguém chegou perto dele, e nem
de forma tão exposta à luz do sol do meio dia. Pior: o ex-presidente não foi só
a grande mãe gentil dos ricos. Foi também a fada protetora dos empreiteiros de
obras bandidos, dos empresários escroques e dos variados tipos de ladrão que
tanto prosperam em países subdesenvolvidos ─ as “criaturas do pântano”, como se
diz.
O desagradável desta afirmação é que ela tem teores
mínimos de opinião; só incomoda, ao contrário, porque sua base é uma lista sem
fim de realidades que há muito tempo estão acima de discussão. Vamos lá, então,
coisa por coisa. Não há dúvida nenhuma, já que é preciso começar por algum
lugar, que o maior corruptor da história do Brasil, o empreiteiro Marcelo
Odebrecht, passou de mãos dadas com Lula os oito anos de seu governo ─ noves
fora o paraíso que viveu com Dilma Rousseff. Quem diz que Odebrecht é um delinquente
em modo extremo não é este artigo; é ele mesmo, que confessou seus crimes,
delatou Deus e o mundo e por conta disso está preso até hoje ─ em prisão
domiciliar, certo, mas preso. Também não foi o seu filho, nem qualquer cidadão
que você conheça, quem conseguiu receber 10 milhões de reais da empreiteira
Andrade Gutierrez como investimento numa empresa de vídeo games. Foi o filho de
Lula. Os 10 milhões sumiram; a empresa faliu. A Andrade Gutierrez lamenta: o
negócio não deu certo, dizem eles, e a gente perdeu todo o dinheiro que deu
para o Lulinha. Uma pena, não é? Mas acontece com as melhores empresas do
mundo. O empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, réu confesso, delator e hoje
presidiário, foi o grande protetor e protegido de quem? De Lula ─ a quem, por
sinal, denunciou no fatal triplex do Guarujá. Querem mais? É só chamar o
Google.
Em dezesseis anos de Lula e Dilma, na verdade, não se
conhece um único caso de rico prejudicado pelo governo ─ a não ser os
produtores rurais roubados pelos “movimentos sociais” do PT e outras vítimas da
criminalidade oficial. Os banqueiros, por exemplo, jamais ganharam tanto
dinheiro na história da economia brasileira como durante o reinado da esquerda.
Não apenas foram protegidos contra qualquer espécie de concorrência ─ liberdade
econômica, no lulismo bancário, só vale na hora de deixar os bancos cobrarem os
juros mais altos do mundo. Foram os maiores beneficiários da dívida pública
alucinante que Lula e o PT tanto se orgulham de ter criado, pois na sua cabeça
isso é sinal de que “o governo está se endividando para ajudar os pobres” ─
quando, na verdade, faz a população pagar 100 bilhões de dólares por ano em
juros que vão para os bolso dos “rentistas”, a começar pelos banqueiros. Também
não há precedentes de tanta caridade pública para empresários amigos quanto na
era Lula-PT. Quem foi mais “tchutchuca” de Eike Baptista, Joesley Batista e
outros abençoados do BNDES? Quem inventou a Sete Brasil, uma das aberrações
mais espantosas jamais criadas pelo capitalismo de compadres do Brasil? Do
começo ao fim, foi apenas uma arapuca para vender sondas imaginárias à
Petrobras e “ressuscitar a indústria naval brasileira” ─ vigarice de terceira
categoria que fez obras e empregos virarem fumaça quando a ladroagem toda veio
abaixo.
A esses bem-aventurados da elite brasileira, de quem a
esquerda se diz tão horrorizada, mas a quem serve com a devoção de moleque de
senzala, juntam-se os ladrões puros e simples. Em que outra ocasião da história
política do Brasil o roubo do Tesouro Nacional viveu dias de tanta glória como
nos governos de Lula e seus subúrbios? Basta, provavelmente, citar um nome para
se entender o processo inteiro: Sérgio Cabral. Precisa mais? O homem soma quase
200 anos de prisão, confessou um caminhão de crimes e tornou-se, possivelmente,
o governador mais ladrão que a humanidade já conheceu. Mas foi um dos grandes
heróis de Lula ─ não se esquecerá jamais o mandamento público do ex-presidente,
dizendo que votar em Cabral era “um dever moral, ético e político”. E quem foi
o grande inventor de Antônio Palocci? Nada mais típico do que Palocci,
transformado por Lula em vice-rei da sua Presidência. O cidadão se apresentava
como “trotskysta”, ou, tecnicamente, como militante da extrema esquerda. Roubou
tanto, segundo suas próprias confissões, que jamais se saberá ao certo o
prejuízo que deu. Só o apartamento em que mora em São Paulo, e onde cumpre hoje
sua “prisão domiciliar” vale mais que o patrimônio que 99% dos brasileiros vão
obter durante todas as suas vidas. Isso não é ser rico? E se Palocci não é uma
criatura de Lula, de quem seria, então?
A verdade é que durante todo o período em que a esquerda
mandou no governo o Brasil continuou sendo um dos países de maior concentração
de renda em todo o mundo. Em dezesseis anos de lulismo, foi massacrado sem
trégua o principal instrumento de melhoria social que pode existir num país ─ a
educação pública. Pelos últimos dados do Banco Mundial, a média da população
brasileira só vai atingir o mesmo índice de compreensão da matemática existente
nos países desenvolvidos daqui a 75 anos. Essa é a boa notícia; em matéria de
leitura, vamos precisar de mais 260 anos para chegar lá. É o resultado direto
do abandono da edução dos pobres em benefício da educação dos ricos. Por conta
dos programas de “democratização” da universidade de Lula e Dilma, o Brasil
gasta quatro vezes mais por ano com um aluno da universidade pública, ou cerca
de 21.000 reais, do que com um garoto que está no ensino básico. Queriam o que,
com essa divisão do dinheiro público que se gasta na educação?
Em matéria de ação pró-pobre, houve muita propaganda,
muito filminho milionário de João Santana ─ mais um réu confesso de corrupção ─
mostrando a clássica “família negra feliz-com mesa farta-carrinho na
porta-tomando avião-etc., etc.”, mas essas fantasias quase só existiam na
televisão. Dinheiro, que é bom, foi para o bolso dos nababos, dos Marcelos e
Eikes e Geddels. Foi para ditadores da África ─ o filho de um deles, por sinal,
é um fugitivo da polícia internacional. Foi para obras em Cuba e na Venezuela.
Foi para os “prestadores de serviço”, ONGs amigas e artistas da Lei Rouanet.
Foi, num país de 200 milhões de habitantes, para os barões mais bem pagos de um
funcionalismo público que já soma quase 12 milhões de pessoas entre União, Estados
e Municípios ─ 450.000 só nesse Ministério da Educação que produz a catástrofe
descrita acima. Para a pobrada sobrou o programa oficial de esmolas do Bolsa
Família, ideal para perpetuar a miséria, ou pior que isso ─ segundo o Banco
Mundial, de novo, 7 milhões de brasileiros caíram abaixo da linha da pobreza
apenas de 2014 para 2016. Quem gerou essa desgraça? Não foi o governo da
Cochinchina, nem o ministro Paulo Guedes.
A situação fica definitivamente complicada para os pobres
quando quem diz que está cuidando deles serve no exército do inimigo ─ aqueles
que têm como principal razão de sua existência, talvez a única, defender
direitos e princípios que são apenas presentes pagos com o dinheiro de todos.