O setor imobiliário residencial pode cumprir um
importante papel na recuperação do crescimento da economia brasileira nos
próximos anos. Além de ser um setor bastante intensivo em trabalho, há um
grande encadeamento para diversos outros setores na economia, de cimento a
vidros, madeira, siderurgia e bens duráveis. Entre 2006 e 2013, o setor
imobiliário gerou liquidamente cerca de 721 mil empregos com carteira assinada,
5,2% do incremento de empregados no Brasil nesse período. Em sentido contrário,
desde o início da crise de 2014, houve o desligamento de quase 450 mil
empregados celetistas no segmento imobiliário, respondendo por 20,9% do
fechamento de vagas no Brasil. Olhando adiante, entretanto, a demanda por novas
residências combinada com a expansão do crédito imobiliário abre a perspectiva
de uma importante contribuição desse setor para a retomada do crescimento no
médio prazo.
Vários estudos mostram que a demanda por domicílios
deverá continuar a mostrar expansão nos próximos anos. Essa demanda será derivada
tanto do crescimento populacional quanto dos novos arranjos familiares. Segundo
estudo da FGV, o número de domicílios deverá atingir 81,7 milhões em 2025, um
incremento de quase 13,7 milhões de moradias a partir de 2015. A projeção leva
em conta o crescimento médio de 1,8% ao ano do número de domicílios e, ainda
que represente uma desaceleração em relação ao observado nos últimos 10 anos
(média anual de 2,5%), o número de domicílios seguirá crescendo acima da
população. De fato, os novos arranjos familiares, com maior percentual de
idosos morando sozinhos, famílias menores e crescimento de divórcios, entre
outros, deverão exigir uma expansão maior do número de domicílios do que o
crescimento populacional.
Além do crescimento da demanda por imóveis, outros
estudos indicam que o problema do déficit habitacional segue relevante. Um
estudo da Fundação João Pinheiro (FJP) aponta para um déficit de 6 milhões de
moradias em 2014, respondendo por 9% do número de domicílios naquele ano. Vale
lembrar que o déficit habitacional calculado pela FJP considera a necessidade
de construção de novas moradias para solução de problemas sociais e específicos
de habitação e que impactem na qualidade de vida dos moradores. Quase metade de
todo o déficit habitacional ocorre por conta de ônus excessivo de aluguel, ou
seja, está concentrado em renda de até 3 salários mínimos. Mas também chama
atenção o déficit habitacional em famílias com renda média a partir de 5
salários mínimos, que respondem por 6,4% do total, ou 4,3 milhões de moradias.
De qualquer forma, se o déficit relativo permanecer em 9% até 2025, isso
significa que o déficit habitacional absoluto seria de quase 7,3 milhões de
domicílios naquele ano, revelando grande potencial de expansão do setor.
Outra característica do mercado brasileiro é que cerca de
75% dos domicílios são próprios, percentual que está relativamente estável
desde 2001. Ou seja, cerca de 17 milhões de domicílios são alugados ou cedidos
à moradia. Mantida essa proporção, teríamos em 2025, cerca de 61,3 milhões de
imóveis próprios e cerca de 20,4 milhões de imóveis sendo locados ou cedidos.
Essa característica não afeta o potencial de crescimento da economia, uma vez
que apenas a propriedade do imóvel é que muda de dono, e não a quantidade de
imóveis construídos caso os inquilinos venham a adquirir um imóvel próprio a
partir de condições de crédito mais favoráveis que possam se estabelecer no
futuro. Variações nessa relação tendem mais a afetar o preço relativo do
aluguel em relação ao do imóvel do que a quantidade total ofertada de imóveis
novos.
A existência dessa demanda potencial por imóveis,
entretanto, é antiga no país e não caracteriza, por si só, perspectiva segura
de maior crescimento econômico. É fundamental que haja um ambiente econômico
previsível e favorável aos investimentos, incluindo regras importantes que hoje
afetam a disposição de investir do setor, como no caso dos distratos, por
exemplo, e até mesmo do patrimônio de afetação, cuja legislação está sendo
questionada judicialmente. Mas há sim uma perspectiva diferente, que foi
interrompida pela crise, mas que tende a apoiar essa demanda potencial,
traduzindo-a em crescimento efetivo, que é a expansão do crédito imobiliário
nos próximos anos.
O crédito imobiliário tem se tornado cada vez mais
relevante no mercado bancário brasileiro, mas ainda há enorme potencial para
crescer e se aproximar dos níveis verificados em outros países. Atualmente,
essas linhas representam cerca de 20% do saldo de crédito total e
aproximadamente 80% desse montante é destinado à pessoa física (através das
linhas de financiamento habitacional). Nos últimos 10 anos, a participação de
crédito imobiliário no PIB passou de 1,8% para 9,7%. A despeito da forte
expansão nos últimos 10 anos, a participação do crédito imobiliário no PIB do
Brasil está muito aquém dos pares internacionais. Em alguns países emergentes,
como na África do Sul, o crédito imobiliário atinge 30% do PIB e, em diversos
desenvolvidos, a relação ultrapassa os 60%. A julgar pelas métricas
internacionais, é possível contarmos com grande expansão do crédito imobiliário
nos próximos anos no Brasil. Assim, diante da possibilidade de convivermos com
um cenário macroeconômico mais estável, há duas fontes relevantes de expansão
do crédito, que ajudarão o setor residencial: (1) queda de juros e (2) aumento
da proporção do valor médio financiado.
Caso as condições para uma queda permanente da Selic se
consolidem, o potencial de famílias elegíveis a comprar um imóvel financiado
crescerá muito. Atualmente, a queda de 1 p.p. da taxa de juros reduz entre 6% e
8% a renda mínima exigida para financiamento imobiliário. Dessa forma, a queda
de 1 p.p. de juros adiciona cerca de 1 milhão de famílias elegíveis a um
financiamento de R$ 200 mil para habitação, dependendo do patamar da taxa de
juros. De fato, atualmente em torno de 10% das famílias brasileiras poderiam se
enquadrar em um financiamento de R$ 200 mil por 30 anos, percentual que não
passava de 7,5% há um ano atrás. Ademais, diante de um cenário de recuperação
gradual da atividade doméstica, o mercado de trabalho também deverá se ajustar
e o rendimento voltará a crescer. Caso os preços de imóveis se mantenham com
expansão próxima à do rendimento, o impacto da redução das taxas de juros será
bastante relevante, dada a sensibilidade da parcela em relação à taxa de juros
nos financiamentos de longo prazo. Vale ressaltar que não levamos em conta uma
eventual elevação do prazo de financiamento bancário nos próximos anos, uma vez
que já atingimos 30 anos para pagamento.
Esse maior número de famílias elegíveis a crédito tende a
diminuir a proporção de imóveis comprados à vista no país, ao possibilitar a
alavancagem do orçamento das famílias, aumentando o crescimento econômico. A aquisição
de imóveis pode ocorrer de quatro formas: financiamento bancário, financiamento
via consórcio, financiamento direto/e com proprietário ou pagamento à vista.
Segundo informações do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis de São
Paulo, em março de 2017, 44% dos imóveis adquiridos foram pagos à vista no
estado de São Paulo, o que parece uma parcela muito elevada. Assumindo que o
padrão de financiamento de imóveis observado no estado de São Paulo seja uma
boa proxy para o mercado de imóveis nacional, existe um potencial de expansão
da venda de imóveis a partir do maior acesso ao crédito imobiliário. Em nosso
cenário, acreditamos que a participação do setor bancário no financiamento pode
voltar para a máxima histórica (de 70%) em dez anos. Ao comprar o imóvel
financiado ao invés de pagá-lo à vista, as famílias suavizam poupança e consumo
ao longo do tempo, possibilitando uma antecipação de consumo que acelera o
crescimento econômico.
A julgar pela própria experiência brasileira, e
internacional, e também diante da possibilidade de juros estruturais mais
baixos, também existe espaço para crescimento do valor financiado dos imóveis
no país. Segundo informações da Associação Brasileira das Entidades de Crédito
Imobiliário e Poupança (Abecip), o percentual do valor do imóvel financiado
(Loan to Value – LTV) no Brasil foi de 58,2% no primeiro trimestre de 2017.
Esse percentual está muito aquém das máximas atingidas antes da crise, de 65,4%
em 2014 e do valor máximo comumente financiado, de cerca de 80%. Em diversos
países desenvolvidos, podemos observar um LTV médio maior do que o verificado
no Brasil. Na área do Euro, por exemplo, o loan to value médio para a primeira
habitação é de 79% e, em alguns países superam os 90%, como na França e
Holanda. Acreditamos que, em um ambiente macroeconômico estável, com taxa de
juros reduzida, podemos ter uma expansão saudável do loan to value no Brasil
para algo próximo a 70%.
Em nossas simulações, a flexibilização da oferta, seja
via maior loan to value ou expansão do percentual de imóveis financiados, pode
gerar um crescimento de cerca de 8% ao ano na carteira de crédito imobiliário.
Adicionalmente, a expansão anual de estoque de domicílios projetada pela FGV,
combinada a um aumento de preços em linha com a meta da inflação, poderia gerar
um crescimento da demanda da ordem de 6% ao ano. Nesse sentido, acreditamos que
o estoque de crédito imobiliário poderia crescer cerca de 14% a.a. em termos
nominais nos próximos 5-10 anos, apoiando a recuperação da economia. Com isso,
em nosso cenário base, acreditamos que a relação crédito imobiliário/PIB poderá
atingir 15% em 10 anos. Ainda, ressaltamos que, a despeito do crescimento da
carteira de crédito habitacional, temos observardo nos últimos anos uma redução
do endividamento das famílias (seja com crédito habitacional seja com crédito
mais relacionado ao consumo). Assim, entendemos que há espaço para esse
crescimento do crédito imobiliário sem que seja imediatamente questionado o
endividamento das famílias.
A despeito dessa leitura mais favorável para o médio
prazo, nossa visão para o curto prazo (2017 e 2018) ainda é de uma recuperação
gradual do mercado imobiliáro. Ainda que a carteira de crédito imobiliário
esteja apresentando um dos melhores desempenhos do mercado, a desaceleração
ocorrida nos últimos anos foi considerável, por diversos fatores. Entre 2008 e
2013, observamos forte expansão da carteira, de cerca de 40% a.a., em virtude
da expansão dos rendimentos, da mobilidade social e da formalização do mercado
de trabalho, acompanhada pela regulamentação favorável. Acreditamos ser pouco
provável voltarmos a esse ritmo de expansão, em virtude da maturidade do
mercado e da queda de lançamentos nos últimos anos. Mas apostamos que, com o
fim do ajuste do mercado de trabalho e diante da possibilidade de uma redução
sustentável da taxa de juros, a carteira de crédito imobiliário poderá voltar a
crescer de forma mais acelerada a partir de 2019.
Portanto, em nossa avaliação, há grande potencial para
crescimento do setor imobiliário nos próximos anos, tanto por condições de
demanda quanto de oferta. Naturalmente, outras fontes de financiamento, além da
poupança, serão cada vez mais necessárias ao longo do tempo para fazer frente
ao crescente volume de financiamento imobiliário. Acreditamos também que as
reformas estruturais em curso são importantes para promover a redução
sustentável da taxa de juros e permitir um crescimento sustentável da carteira
de crédito que trará, como benefícios diretos, o apoio a uma expansão mais acelerada
do setor imobiliário que é fonte importante de crescimento e geração de
empregos no país.