Florianópolis dá início à temporada de verão sem conseguir conter explosão da violência

- Reportagem da Folha de S. Paulo deste sábado.
    

Florianópolis vive hoje o temor de que 2017 termine com notícias semelhantes às que estrearam o ano. Na madrugada de Réveillon, a turista gaúcha e instrutora de ioga Daniela Scotto, 38, foi baleada e morreu após entrar, por engano, na comunidade do Papaquara, na zona norte da cidade.


O ritmo de mortes violentas não diminuiu desde então, fazendo a capital catarinense viver uma explosão no número de homicídios. O índice saltou 247% nos últimos dois anos, passando de 48 pessoas assassinadas em 2015 para 167 mortos desde o início deste ano. Foram cinco assassinatos na última semana.

Apesar do aumento do efetivo, a escalada de violência pode afetar diretamente o turismo na capital, responsável por 30% do PIB da cidade. Para esta temporada de verão, que começou nesta sexta (15) são esperados 1,5 milhão de visitantes. Há dois anos, a cidade recebeu 1,9 milhão de turistas.

Para o diretor da Polícia Civil para a Grande Florianópolis, delegado Verdi Furlanetto, a violência, percebida também na região metropolitana, tem relação direta com a disputa pelo mercado ilegal de drogas entre as facções PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, e PGC (Primeiro Grupo da Capital), de Santa Catarina.

O prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro reclama do número de policiais militares destinados a reforçar o efetivo da cidade, no mínimo, 400 policiais para tentar controlar a onda de violência na Capital. Dos 924 PMs formados pelo governo de Santa Catarina na quarta (13), 109 ficarão na capital.

"O critério adotado pelo Governo do Estado não levou em conta a mancha criminal, que destinou 10% dos novos PMs para Florianópolis, que enfrenta 30% dos crimes violentos de Santa Catarina", disse. E enfatizou que a Prefeitura precisa de ajuda para "combater a guerra de facções que acontece na cidade".

Antes restrito às regiões de comando de cada grupo, o confronto tem se espalhado pela cidade.

No dia 7 deste mês, dois jovens foram mortos com vários tiros em um ponto de ônibus próximo ao Floripa Shopping, na rodovia que liga o centro a Jurerê Internacional.

Três dias depois, um homem teve o carro metralhado por 14 tiros nas proximidades do Beiramar Shopping, durante o dia, na avenida Beira-Mar Norte. O motorista foi internado em estado grave. Também na mesma avenida, criminosos tentaram assaltar uma agência bancária na segunda-feira (11), resultando em perseguição e confronto com a PM.

Na terça, em outro conflito armado entre PMs e traficantes, três pessoas ficaram feridas e uma morreu. Criminosos também romperam a barreira policial no norte da ilha e foram perseguidos por 24 quilômetros até serem detidos pela polícia, gerando a troca de tiros que terminou com um adolescente morto.

Já na quarta-feira (13) de manhã, um homem morreu alvejado no bairro Chico Mendes. Johsefe Nogueira dos Santos, 23, estava com uma criança no colo e conversava com mais dois amigos quando foi assassinado. A criança saiu ilesa. Durante a tarde, um corpo foi encontrado enterrado no Saco Grande.

A onda de violência fez parte do discurso do governador Raimundo Colombo durante a formatura dos novos policiais, na quarta-feira.

"É um enfrentamento de duas facções que está acontecendo já há algum tempo, alguns meses. O tiroteio está acontecendo porque a polícia está reagindo. É exatamente essa linha que temos que enfrentar, não é coisa de um episódio, é coisa que tem que fazer todos os dias de forma continuada, usando todos os mecanismos da segurança pública", disse.
 
Colombo ainda destacou que "a estratégia está correta, o resultado está vindo, o número de apreensões de drogas e prisões cresceu muito. Estamos conseguindo fazer enfrentamento de forma orientada no momento em que o crime organizado está em conflito e as consequências são essas, mas o Estado está forte e vai vencer esta batalha".

Procurado para falar sobre o aumento das apreensões e prisões e sobre as estratégias para proteger o turista que vier à Florianópolis, o secretário de Estado da Segurança Pública (SSP-SC), César Grubba, preferiu não se pronunciar.

De acordo com a assessoria da Secretaria de Segurança Pública do Estado, além dos novos PMs, a Polícia Civil está em fase final de formação de 142 agentes e 47 delegados.

 As metas são reforçar as Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso, que passariam a trabalhar coordenadas com a Delegacia de Homicídios, Delegacia de Combate a Roubos e Delegacia de Combate às Drogas.


"Nossa cidade sempre foi calma, mas neste ano, o crime tomou o asfalto. Estamos acompanhando tiroteios em lugares públicos à luz do dia. Então há uma preocupação com o turismo", diz o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Florianópolis, Estanislau Bresolin. "Mas acreditamos que essa onda de violência possa ser controlada com o aumento do efetivo policial."

IBGE: 50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza

Marcelo Casal/Agência Brasil

Cerca de 50 milhões de brasileiros, o equivalente a 25,4% da população, vivem na linha de pobreza e têm renda familiar equivalente a R$ 387,07 – ou US$ 5,5 por dia, valor adotado pelo Banco Mundial para definir se uma pessoa é pobre.

Os dados foram divulgados hoje (15), no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fazem parte da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2017 – SIS 2017. Ela indica, ainda, que o maior índice de pobreza se dá na Região Nordeste do país, onde 43,5% da população se enquadram nessa situação e, a menor, no Sul: 12,3%.

A situação é ainda mais grave se levadas em conta as estatísticas do IBGE envolvendo crianças de 0 a 14 anos de idade. No país, 42% das crianças nesta faixa etária se enquadram nestas condições e sobrevivem com apenas US$ 5,5 por dia.

A pesquisa de indicadores sociais revela uma realidade: o Brasil é um país profundamente desigual e a desigualdade gritante se dá em todos os níveis.

Seja por diferentes regiões do país, por gênero - as mulheres ganham, em geral, bem menos que os homens mesmo exercendo as mesmas funções -, por raça e cor: os trabalhadores pretos ou pardos respondem pelo maior número de desempregados, têm menor escolaridade, ganham menos, moram mal e começam a trabalhar bem mais cedo exatamente por ter menor nível de escolaridade.

Um país onde a renda per capita dos 20% que ganham mais, cerca de R$ 4,5 mil, chega a ser mais de 18 vezes que o rendimento médio dos que ganham menos e com menores rendimentos por pessoa – cerca de R$ 243.

No Brasil, em 2016, a renda total apropriada pelos 10% com mais rendimentos (R$ 6,551 mil) era 3,4 vezes maior que o total de renda apropriado pelos 40% (R$ 401) com menos rendimentos, embora a relação variasse dependendo do estado.

Entre as pessoas com os 10% menores rendimentos do país, a parcela da população de pretos ou pardos chega a 78,5%, contra 20,8% de brancos. No outro extremo, dos 10% com maiores rendimentos, pretos ou pardos respondiam por apenas 24,8%.

A maior diferença estava no Sudeste, onde os pretos ou pardos representavam 46,4% da população com rendimentos, mas sua participação entre os 10% com mais rendimentos era de 16,4%, uma diferença de 30 pontos percentuais.

Desigualdade acentuada

No que diz respeito à distribuição de renda no país, a Síntese dos Indicadores Sociais 2017 comprovou, mais uma vez, que o Brasil continua um país de alta desigualdade de renda, inclusive, quando comparado a outras nações da América Latina, região onde a desigualdade é mais acentuada.

Segundo o estudo, em 2017 as taxas de desocupação da população preta ou parda foram superiores às da população branca em todos os níveis de instrução. Na categoria ensino fundamental completo ou médio incompleto, por exemplo, a taxa de desocupação dos trabalhadores pretos ou pardos era de 18,1%, bem superior que o percentual dos brancos: 12,1%.

“A distribuição dos rendimentos médios por atividade mostra a heterogeneidade estrutural da economia brasileira. Embora tenha apresentado o segundo maior crescimento em termos reais nos cinco anos disponíveis (10,9%), os serviços domésticos registraram os rendimentos médios mais baixos em toda a série. Já a Administração Pública acusou o maior crescimento (14,1%) e os rendimentos médios mais elevados”, diz o IBGE.

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O peso da escolaridade

Os dados do estudo indicam que, quanto menos escolaridade, mais cedo o jovem ingressa no mercado de trabalho. A pesquisa revela que 39,6% dos trabalhadores ingressaram no mercado de trabalho com até 14 anos.

Para os analistas, “a idade em que o trabalhador começou a trabalhar é um fator que está fortemente relacionado às características de sua inserção no mercado de trabalho, pois influencia tanto na sua trajetória educacional – já que a entrada precoce no mercado pode inibir a sua formação escolar – quanto na obtenção de rendimentos mais elevados”.

Ao mesmo tempo em que revela que 39,6% dos trabalhadores ingressaram no mercado com até 14 anos, o levantamento indica também que este percentual cresce para o grupo de trabalhadores que tinha somente até o ensino fundamental incompleto, chegando a atingir 62,1% do total, enquanto que, para os que têm nível superior completo, o percentual despenca para 19,6%.

Ainda sobre o trabalho precoce, o IBGE constata que, em 2016, a maior parte dos trabalhadores brasileiros (60,4%) começou a trabalhar com 15 anos ou mais de idade. Entre os trabalhadores com 60 anos ou mais houve elevada concentração entre aqueles que começaram a trabalhar com até 14 anos de idade (59%).

A análise por grupos de idade mostra a existência de uma transição em relação à idade que começou a trabalhar, com os trabalhadores mais velhos se inserindo mais cedo no mercado de trabalho, o que pode ser notado porque 17,5% dos trabalhadores com 60 anos ou mais de idade começaram a trabalhar com até nove anos de idade, proporção que foi de 2,9% entre os jovens de 16 a 29 anos.

O IBGE destaca que os trabalhadores de cor preta ou parda também se inserem mais cedo no mercado de trabalho, quando comparados com os brancos, “característica que ajuda a explicar sua maior participação em trabalhos informais”.

Já entre as mulheres foi maior a participação das que começaram a trabalhar com 15 anos ou mais de idade (67,5%) quando comparadas com a dos homens (55%). Para os técnicos do instituto, esta inserção mais tardia das mulheres no mercado de trabalho pode estar relacionada “tanto ao fato de elas terem maior escolaridade que os homens, quanto à maternidade e os encargos com os cuidados e afazeres domésticos”.

Cresce percentual dos que não trabalham nem estudam

O percentual de jovens que não trabalham nem estudam aumentou 3,1 pontos percentuais entre 2014 e 2016, passando de 22,7% para 25,8%. Dados da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2017 indicam que, no período, cresceu o percentual de jovens que só estudavam, mas diminuiu o de jovens que estudavam e estavam ocupados e também o de jovens que só estavam ocupados.

O fenômeno ocorreu em todas as regiões do Brasil. No Norte, o percentual de jovens nessa situação passou de 25,3% para 28,0%. No Nordeste, de 27,7% para 32,2%. No Sudeste, de 20,8% para 24,0%. No Sul, de 17,0% para 18,7% e no Centro-Oeste, de 19,8% para 22,2%.

Ele atingiu, sobretudo, os jovens com menor nível de instrução, os pretos ou pardos e as mulheres e com maior incidência entre jovens cujo nível de instrução mais elevado alcançado era o fundamental incompleto ou equivalente, que respondia por 38,3% do total.

Pobreza é maior no Nordeste

Quando se avalia os níveis de pobreza no país por estados e capitais, ganham destaque - sob o ponto de vista negativo - as Regiões Norte e Nordeste com os maiores valores sendo observados no Maranhão (52,4% da população), Amazonas (49,2%) e Alagoas (47,4%).

Em todos os casos, a pobreza tem maior incidência nos domicílios do interior do país do que nas capitais, o que está alinhado com a realidade global, onde 80% da pobreza se concentram em áreas rurais.

Ainda utilizando os parâmetros estabelecidos pelo Banco Mundial, chega-se à constatação de que, no mundo, 50% dos pobres têm até 18 anos, com a pobreza monetária atingindo mais fortemente crianças e jovens - 17,8 milhões de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, ou 42 em cada 100 crianças.


Também há alta incidência em homens e mulheres pretas ou pardas, respectivamente, 33,3% e 34,3%, contra cerca de 15% para homens e mulheres brancas. Outro recorte relevante é dos arranjos domiciliares, no qual a pobreza - medida pela linha dos US$ 5,5 por dia - mostra forte presença entre mulheres sem cônjuge, com filhos até 14 anos (55,6%). O quadro é ainda mais expressivo nesse tipo de arranjo formado por mulheres pretas ou pardas (64%), o que indica, segundo o IBGE, o acúmulo de desvantagens para este grupo que merece atenção das políticas públicas.