Artigo, Franciso Ferraz - A pirâmide da democracia

Francisco Ferraz*
08 Maio 2017 | 05h00
Para os cultores do enfoque jurídico-formal, basta haver eleições e uma Constituição com os princípios formais do Estado de Direito para o sistema político ser considerado uma democracia. Preferimos sempre o abstrato ao concreto, a elaboração da nova lei ao costume e à tradição, o ideal ao real. Preferimos medir o progresso pelo número de faculdades, e não pelo que nelas é ensinado; diplomas à comprovação do conhecimento; igualdade abstrata ao mérito comprovado.
A escolha direta do governante por todo o corpo eleitoral parece a muitos suficiente para identificar uma democracia. O movimento popular das Diretas-Já foi uma mobilização por eleições presidenciais diretas e, secundariamente, pela democracia. O fato é que continuamos uma democracia instável, sujeita a uma crônica instabilidade política, como a maioria dos países do Hemisfério Sul. Mas o que se busca é uma democracia estável, que se caracteriza por variáveis de natureza sociológica, histórica, política e cultural, virtuosamente harmonizadas em seu funcionamento (ver Brasil: a cultura política de uma democracia mal resolvida, em www.politicaparapoliticos.com.br).
Mais difícil de ser realizada que o desenvolvimento econômico, uma democracia estável se constrói em “camadas”, sendo as eleições a primeira delas. Embora indispensáveis numa democracia, a existência de eleições isoladamente não é suficiente para constituir uma democracia estável. A pirâmide da democracia pode ser descrita como sendo composta de 6 camadas.
Eleições formam a 1.ª camada de uma democracia e correspondem ao procedimento legítimo para a escolha de autoridades políticas. A 2.ª camada é ainda a eleição, mas qualificada como imparcial, isenta e honesta. Passar de eleições manipuladas para eleições isentas não é uma questão de técnica. Significa um grande avanço institucional no rumo de uma democracia estável.
A 3.ª camada corresponde à segurança efetiva dos direitos e garantias individuais. Sem esses direitos assegurados efetivamente o cidadão não se pode manifestar livremente no processo eleitoral. Participação política sem liberdade individual é uma farsa.
A 4.ª camada não é especificamente política, mas a consequência de sua existência ou inexistência é decisiva para a continuidade do sistema político: eficiência governamental. Governos em crise provocam frustração e revolta contra as instituições, estimulam o surgimento de surtos de ação direta e empurram a democracia para o agravamento de sua instabilidade.
A 5.ª camada estabelece relações de igualdade e mútuo controle entre os Poderes. É do poder de contenção de cada Poder em relação aos demais que a liberdade individual é protegida dos abusos, cuja eficiência na garantia da liberdade grande parte dos eleitores desconhece.
A 6.ª camada na cúpula da pirâmide é a existência de sólido consenso sobre os valores, regras e procedimentos essenciais da democracia. Questões básicas para o funcionamento ordeiro da sociedade, que atingiram alto grau de aceitação, valorização e internalização pelos cidadãos, deixam de ser temas de conflito político e divisões partidárias. Liberdade política, propriedade, justiça social, pluralismo cultural, liberdade religiosa e devido processo legal são a base consensual de uma democracia estável.
A imagem da pirâmide ajuda também a entender que 1) cada nova camada é mais difícil de ser construída que a anterior; 2) a nova camada depende, para preencher seu espaço na pirâmide, da solução virtuosa da anterior; 3) só democracias estáveis conseguem completar a pirâmide; e 4) democracias instáveis assumem a forma de pirâmides interrompidas.
Na realidade, além de sua formalização, uma democracia estável depende de uma ação efetiva e resolutiva que transforme normas em comportamentos. São necessárias, então, qualidades como determinação, disposição, persistência e lucidez de sua elite política para edificar a pirâmide. A determinação de cada Poder para manter sua independência diante dos demais Poderes; dos Estados-membros de manterem sua autonomia política e administrativa ante o governo federal e este de respeitá-las; da sociedade, ao institucionalizar um consenso sobre valores, regras e princípios políticos básicos da democracia e garantir aos cidadãos o pleno gozo de seus direitos e garantias individuais. Todas essas exigências são mais complexas e difíceis de realizar que eleições, reformas políticas, Constituintes. Democracias instáveis têm, pois, muita dificuldade de avançar consistentemente para níveis mais complexos e exigentes de institucionalização, além de realizar eleições.
A pirâmide da democracia brasileira, a julgar pela última eleição presidencial, evidencia que do ponto de vista técnico talvez realizemos eleições satisfatoriamente (1.ª camada); eleições, contudo, que foram contestadas quanto à sua imparcialidade como nunca antes (2.ª camada); com direitos e garantias individuais satisfatoriamente respeitados (3.ª camada); mas com muito baixos níveis de eficiência governamental (4.ª camada); com formal independência dos Poderes, mas baixas condições de mútuo controle (5.ª camada); e com um frágil consenso em torno de valores básicos da democracia, com opções dicotomizadas e processo de radicalização (6.ª camada).
A avaliação global da pirâmide democrática do Brasil é, pois, muito insatisfatória. Recuamos em 4 das 6 camadas (2.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª) e agravamos muito o quadro do nosso consenso básico, pela radicalização do conflito político. Nosso desafio continua sendo edificar a pirâmide camada a camada.
Confirma-se, assim, a nossa condição de democracia instável e a conjuntura de debilitação da democracia. Grande parte das nações com democracias instáveis permanece na base da pirâmide, ainda na fase de luta para conseguir realizar eleições limpas, autênticas e imparciais.
Democracias estáveis construíram a pirâmide de baixo até o topo, e mantêm incólumes todas as seis camadas com a passagem do tempo.

*Professor de Ciência Política, ex-reitor da UFRGS, pós-graduado pela Universidade de Princeton, é criador e diretor do site Política para Políticos

Revista Amanhã marca para 22 de junho Top of Mind 2017

A próxima edição do Top of Mind Rio Grande do Sul e do Top Porto Alegre já está com data marcada e campanha lançada. Promovido pela revista Amanhã, em parceria com a Segmento Pesquisas, o estudo revela as marcas mais lembradas espontaneamente pela população gaúcha há 27 anos.

O evento de premiação comandado por Eugenio Esber e Jorge Polydoro será realizado em 22 de junho, no Salão de Festas da Sogipa, em Porto Alegre.

Os convites para a cerimônia podem ser adquiridos pelo e-mail marcia@amanha.com.br ou pelo telefone (51) 3230.3508.

Artigo, Tito Guarniere - Pau que bate em Chico

TITO GUARNIERE
PAU QUE BATE EM CHICO...
Até a semana passada o ministro Gilmar Mendes, do STF, era um dos vilões prediletos do lulopetismo. Mas depois da liberação de José Dirceu, com a prestimosa ajuda de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, (Mendes) foi absolvido em parte, avançou duas casas e durante algum tempo será tratado como “companheiro”.
Já o irritadiço procurador do MPF, Deltan Dallagnol, que nunca sorri - como convém a um missionário do bem e da virtude -, só respeita o Supremo quando acata as suas postulações, quando faz o que ele deseja. Assim, diante de um novo requerimento de habeas corpus em favor de José Dirceu, adiantou o expediente: pediu a abertura de mais um processo contra o réu, visando influenciar - para não dizer pressionar - o STF, na véspera do julgamento. A Turma do STF não deu a mínima e mandou soltar Dirceu, entre outras razões para mostrar a Dallagnol que ele deve conter seus arroubos juvenis e não sair por aí peitando a Corte Suprema.
A revista Veja é um ícone do ódio petista. Mas mudou a ênfase, anda “light” com o PT, e endureceu o jogo com Temer e os tucanos em geral. Dia desses, a capa foi para Aécio Neves (PSDB), como a dizer que chegou a hora e a vez do senador mineiro nos rolos da Operação Lava Jato. A turma da esquerda, momentaneamente, esqueceu o ódio. Anda comprando a revista em hora de pouco movimento, para não dar na vista e não dar o braço a torcer, e saboreia a leitura às escondidas.
Os petistas mais velhos lembram com saudades do tempo que a revistona paulista batia sem dó nem piedade no governo FHC. Cada denúncia em Veja naquela época era replicada aos quatro cantos. Veja ajudou muito o PT a sair das áridas trincheiras da oposição para, em 2003, passar a conviver com as delícias do poder. E como se deliciaram! FHC, nos seus “Diários da Presidência”, se queixa amargamente de Veja e da grande imprensa nacional. Pau que bate em Chico bate em Francisco.
Até bem pouco tempo o blogueiro Reinaldo Azevedo era unanimidade na esquerda (que o detestava) e na direita (que o exaltava), por causa da oposição implacável contra Lula, Dilma e o PT. Porém Azevedo sempre achou - não sem razão - que os procuradores da Lava Jato e o juiz Sérgio Moro exageram no protagonismo. De tempos para cá recrudesceu nas críticas -por sinal, muito bem fundamentadas -, de tal sorte que, agora, na direita, acusam-no de conspirar contra a Lava Jato; e da esquerda tem merecido até citações e elogios.
A esquerda acusa a mídia de golpista, de exprimir somente os interesses das elites e do grande capital. Já a direita reclama que as redações são dominadas pelas esquerdas e pelo lulopetismo.
Quem explica esses comportamentos contraditórios, erráticos, é Robert Wright, autor do livro “Animal Moral”, citado pelo jornalista Hélio Schwartzman, na Folha: “ O cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo da sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma das duas. Como um advogado, o cérebro humano quer a vitória, não a verdade; e , como um advogado, ele é muito mais admirável por sua habilidade do que por sua virtude”.
titoguarniere@terra.com.br
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