Jorge, 47 anos depois
O ex-guerrilheiro agora é um governante recluso, sitiado
pela calamidade administrativa e processos por corrupção. Aguarda que o correr
da vida embrulhe tudo
10/01/2017
José Casado, O Globo
Na manhã de segunda-feira, 2 de março de 1970, quatro
homens assaltaram um veículo em Canoas (RS). Roubaram o equivalente a R$ 565
mil da Ultragraz.
Na ação estava um jovem de 19 anos, alto, magro,
emplastro no rosto e revolver calibre 38 na mão. O mineiro Jorge era da
VAR-Palmares, derivado do Comando de Libertação Nacional (Colina) e da
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), devotados à luta armada contra a
ditadura.
Mês seguinte, interceptaram outro carro, em Porto Alegre.
Naquela noite de sábado, 4 de abril, Jorge desceu do Fusca apontando um calibre
.45 para o cônsul americano Curtis Carly Cutter, 42 anos. Veterano da guerra da
Coreia, Cutter acelerou seu vigoroso Plymouth Fury. Levou bala no ombro. Deixou
um deles estirado, com o tornozelo ferido pela roda — logo foi preso,
torturado, e amargou três anos na cadeia.
O manquejar de Fernando Pimentel, governador de Minas, é
herança desse confronto, quando vestia a máscara do terrorista Jorge na
liderança da “Unidade de Combate Manoel Raimundo Soares” da VAR-Palmares
gaúcha.
Passaram-se 47 verões. Pimentel agora é um governante
recluso, sitiado pela calamidade administrativa e processos por corrupção.
Em dezembro, arriscou passeio num shopping em São Paulo.
Saiu hostilizado, sob gritos de “ladrão”. Semana passada foi flagrado usando
helicóptero do governo para resgatar parente em festa de ano-novo num
balneário, a 270 quilômetros da capital. Minas, na falência, descobriu que o
governador gastara R$ 21,8 milhões em dois novos helicópteros.
Aos 65 anos, Pimentel é um político na sala de espera do
tempo. Aguarda que o correr da vida embrulhe tudo, como dizia Guimarães Rosa.
Governa com finanças em desgraça, por efeito da recessão
num estado dependente de indústrias antigas, como siderurgia, mineração e
automóveis. Os danos ao Erário foram potencializados por decisões errôneas suas
e dos antecessores, mas atribui a eles toda culpa pelo infortúnio.
Minas se destaca no grupo dos falidos. Ampliou isenções
fiscais e aumentou em 78% o gasto com pessoal, entre 2009 e 2016. Mantém um
buraco de R$ 8 bilhões, pelo segundo ano.
O governador resiste ao socorro federal. Prefere parcelar
salários, reduzir gastos na Saúde e insistir na loteria dos cenários. Num
deles, o governo Temer seria pressionado a atender a todos, sem
condicionalidades. Noutro, haveria imediata retomada da economia nacional.
Pimentel joga também com o tempo em processos nos quais é
acusado de transformado em balcão de negócios o Ministério da Indústria, no
governo Dilma. Seu antigo aliado, Benedito Rodrigues, detalhou a lavagem de R$
10 milhões recebidos do grupo Caoa em troca de benefícios fiscais na importação
de autopeças. Relatou, ainda, propina de R$ 15 milhões do grupo Odebrecht para
liberação de créditos do BNDES em obras no exterior.
Pimentel aposta na chancela do Supremo à Constituição
mineira, pela qual processos contra ele só seriam possíveis com autorização da
Assembleia — onde tem maioria.
Ao conquistar o governo do segundo maior colégio
eleitoral do país, em 2014, o ex-guerrilheiro Jorge foi saudado como símbolo da
renovação de um PT em crise. Pimentel chegou à metade do mandato isolado,
dentro e fora do partido, prisioneiro de si mesmo.