Será mesmo uma simples anedota? Veio-me de um amigo de Buenos Aires. Além de
fazer rir, pôs-me a pensar em professores de antropologia que tive em duas
universidades. Vamos lá!
O motorista e o devoto
Um
árabe, muçulmano devoto, com roupas tradicionais, tomou um táxi numa rua de
Londres. Aos poucos minutos de o carro pôr-se em marcha, ele, com a autoridade
de quem se considera veículo da revelação, determinou bruscamente ao taxista
que desligasse o rádio. E ainda se prestou a explicar: por exigência dos
ensinamentos de sua religião, ele não deveria ouvir música, tendo em vista que
aquele tipo de coisa não existia ao tempo do profeta. E asseverou que,
sobretudo, jamais deveria ouvir música ocidental, que é obra de infiéis.
O
motorista inglês não perdeu a fleuma. E, gentilmente, desligou o rádio. Depois,
parou o táxi. Desceu. Abriu a porta.
Estranhando, o árabe muçulmano perguntou: "Que está fazendo o
senhor?"
Foi ainda com a atitude polida e gentil de um cavalheiro inglês que o motorista
respondeu: "No tempo do profeta também não existiam táxis! Assim, o senhor
tenha a bondade: desça e espere que passe um camelo..."
Rememorações
Éramos moços. Nas aulas de antropologia, na ilusão de estarmos fazendo um
exercício crítico, adotávamos a visão de professores que aproveitavam nossa
ingenuidade e afoiteza para induzir-nos a aceitar com aprovação qualquer valor
ou costume de outras culturas.
Aí, quanto maior o contraste com nossa própria bagagem cultural, mais crescia
nosso entusiasmo - talvez pelo prazer narcísico e ilusório de sentir-nos
isentos de preconceitos.
Mas o pior era ir ao ponto de pôr em descrédito os valores que havíamos
adquiridos por tradição. Oh, mas como era gostoso ser revolucionários...
Renato Sant'Ana é Psicólogo e Advogado.