O (ainda) deputado Eduardo Cunha, que acaba de renunciar
à presidência da Câmara, é um subproduto da Era PT, de quem foi aliado – e
parceiro - até o ano passado.
A divergência foi incidental: a disputa de um cargo
estratégico – o de que acaba de renunciar -, que, por acordo, caberia à maior
bancada na Casa, o PMDB, mas que o projeto hegemônico do PT, expresso no seu 5º
Congresso, decidiu abocanhar.
Tornaram-se então inimigos e o PT passou a tratá-lo como
um personagem nocivo e estranho, buscando associá-lo à oposição. Mas os crimes
de que Cunha é acusado – e são muitos – estão quase todos centrados no
Petrolão, cujo comando coube ao PT.
Foi, na linguagem das máfias, um comparsa, parceiro
secundário, que só obteve notoriedade quando passou a ser apontado por seus
ex-aliados no crime como, vejam só, um criminoso. É bem verdade que, antes de o
PT chegar ao poder, Cunha já atuava no ramo. Mas exatamente por isso não teve
dificuldades de se adaptar à nova ordem (ou desordem) que se estabelecia.
Estava em casa.
Dilma Roussef mencionou, mais de uma vez, com
compreensível asco, as contas secretas de Cunha na Suíça. Esqueceu-se de
mencionar, porém, que o dinheiro que lá estava fora obtido em parceria com o
PT, que comandava o saque. E ainda: confrontando-se os valores do Petrolão, que
se contam na escala dos bilhões, o que coube a Cunha é pouco mais que um troco.
Ao concentrar em Cunha sua súbita aversão à corrupção, o
PT quis, na verdade, construir uma argumentação contra o impeachment. Não teria
legitimidade se conduzido por um corrupto. Omitia o fato de a decisão caber ao
plenário e não a um único indivíduo. E de o rito ter sido definido não por ele,
mas pelo STF.
Enquanto a tropa de choque do PT fazia circular essa
versão, promovendo passeatas e ocupando as redes sociais, Lula e Jacques
Wagner, em nome de Dilma, negociavam com Cunha o arquivamento dos pedidos (eram
28!) de impeachment.
A moeda de troca era o arquivamento do processo que Cunha
enfrentava na Comissão de Ética da Câmara por ter mentido à CPI da Petrobras,
negando ter contas secretas na Suíça.
Por isso, Cunha demorou três meses para dar sequência ao
processo. E só o fez por não confiar em seus interlocutores. Mesmo assim, optou
pelo pedido mais brando – o que está em exame -, que se atinha a crimes
administrativos, deixando de lado o conjunto da obra, de natureza penal.
O pedido da OAB, arquivado por Cunha, era, por exemplo,
bem mais abrangente. Ia muito além das pedaladas fiscais e levaria o debate do
impeachment às páginas policiais, por onde hoje desfilam empresários amigos do
PT e de sua base aliada (PMDB, PP, PTB, PR etc.), além da própria cúpula do
partido, incluindo Lula.
Graças a Cunha, o impeachment tornou-se uma discussão de
natureza meramente fiscal, que o povo tem dificuldades de assimilar, e preserva
a presidente afastada do constrangimento de se ver exposta aos rigores do
Código Penal.
Cunha deve ser cassado, mas não irá só. A demora em
puni-lo decorre de algo já definitivamente demonstrado pela Lava Jato: ele está
longe de ser um corpo estranho à classe política brasileira. Sua conduta, ao
contrário, é mais regra que exceção. O silêncio da então oposição – hoje
governo – indica cumplicidade e temor.
Se a régua com que foi medido for aplicada a todos,
poucos se salvam. O grande temor, hoje, no âmbito dos três Poderes – e não
apenas no Parlamento –, é saber até onde vai a Lava Jato. A conspiração para
liquidá-la corre subterrânea, na mesma proporção em que, na superfície, é
elogiada. Todos amam odiá-la.
Cunha, cassado e entregue a Sérgio Moro, só não voltará à
sua irrelevância política por um, digamos, detalhe: é uma caixa preta, que
compromete a muitos. Daí seu prestígio no chamado Centrão (também conhecido por
Cunhão), núcleo de parlamentares do baixo clero, que tem grandes chances de
fazer o seu sucessor. Pensa assim blindar-se, o que é altamente improvável.
Se não for socorrido – e quem terá meios para tanto? -,
poderá recorrer ao que lhe resta: protagonizar o papel de um Sansão profano, a
derrubar as colunas do templo e morrer ao lado de seus desafetos. O pós-Cunha
promete emoções.