5.116 presos estão nas ruas por falta de vagas nas cadeias do RS

5.116 presos estão nas ruas por falta de vagas nas cadeias do RS
Estado enfrenta o efeito dominó de interdições nas cadeias. Uma em cada cinco prisões está interditada, seja parcial ou totalmente. Isto é, das 101 unidades prisionais em funcionamento, 23 operam com alguma restrição da Justiça

Por: Marcelo Kervalt

Incapaz de assegurar condições mínimas de encarceramento, o Estado enfrenta o efeito dominó de interdições nas cadeias e de liberação de apenados para cumprimento de prisão domiciliar especial por falta de vaga. São 5.116 presos condenados que não estão recolhidos por inexistência de espaço físico, segundo levantamento da Corregedoria-Geral da Justiça. Destes, 2.878 usam tornozeleira eletrônica. Os demais nem sequer são monitorados.

— As tornozeleiras apenas nos informam a localização do apenado, mas não evitam a criminalidade. Sobre os outros 2.238, não há controle algum. Estão livres nas ruas — critica o juiz-corregedor Alexandre Pacheco.

Dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) mostram que uma em cada cinco prisões está interditada no Rio Grande do Sul, seja parcial ou totalmente. Isto é, das 101 unidades prisionais em funcionamento, 23 operam com alguma ressalva da Justiça, como, por exemplo, impossibilidade de receber novos detentos.

As decisões das Varas de Execuções Criminais (VECs) são embasadas, de forma geral, em problemas como deficiência estrutural, número insuficiente de servidores, escassez de recursos para aquisição de produtos básicos de higiene e, principalmente, superlotação. Inflado, o sistema prisional gaúcho abriga 11 mil detentos acima da sua capacidade de engenharia, que é de 23.826 vagas. Além disso, há os 5.116 presos condenados que estão livres por inexistência de vagas.

E foi justamente o excesso de detentos que levou à interdição de 16 (15,84%) das 101 unidades, como aconteceu recentemente com o Presídio Regional de Bagé, parcialmente interditado no dia 10 por superlotação e falta de segurança. Com 329 detentos, 69 acima do limite, sustenta um ambiente propício a rebeliões, mortes e fugas, como explicam a professora do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) Camila Nunes Dias e o doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo Guaracy Mingardi, ambos associados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os especialistas alertam, ainda, para a parcela de contribuição do Judiciário no colapso do sistema prisional. Também falam como isso reflete na sociedade, que cruza com criminosos à solta nas ruas, além de apontarem motivos para o Rio Grande do Sul ter atingido o volume de 23 interdições diante do déficit de 11 mil vagas. Para a socióloga, esse conjunto de problemas sinaliza o descontrole do sistema.

— Se a Justiça interditou é porque percebeu que o Estado não tem condições de encarcerar. E essas interdições mostram que o modelo de encarceramento faliu, fracassou — analisa Camila, autora do livro PCC - Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência.

Mingardi lembra do efeito cascata que as interdições provocam, obrigando a transferência de presos para outras unidades e as levando, por consequência, também à superlotação. Com isso, oferecem aos presos condições sub-humanas, que afastam a possibilidade de reinserção social.

— Se interdita, tem de transferir presos. Aí, superlota outros presídios, aumenta a probabilidade de rebelião, de fuga e de mortes. Além disso, os detentos abrigados em presídios inadequados são submetidos a uma sobre pena, ao viverem em local impróprio. Isso faz com que o detento saia de lá ainda pior, e o resultado é o aumento da criminalidade — diagnostica o cientista político.

Judiciário tem de fazer mea-culpa

Mingardi, que também é investigador criminal, sugere que a Justiça faça mea-culpa e chame para si parte da responsabilidade do caos penitenciário pelo qual passa não apenas o Rio Grande do Sul, mas todos os Estados brasileiros. O especialista em segurança pública critica o Judiciário ao dizer que os magistrados não têm acompanhado a degradação das casas prisionais ou agem tardiamente.

— É preciso culpar os dois lados. O Executivo por deixar chegar a um ponto insustentável, e a Justiça por não ter tomado providências antes. O Judiciário não pressiona no tempo adequado, quando o problema ainda tem solução, e, depois, se obriga a interditar. Essa é a realidade em todo o país — avalia.

Portanto, para Mingardi, não se pode colocar o problema unicamente na conta do Executivo, pois, na verdade, o problema "é de toda a sociedade", já que há pessoas que deveriam estar presas agindo livremente nas ruas sem qualquer controle do Estado.

— O juiz tem de cobrar do Executivo um lugar adequado sempre e não apenas interditar quando não tem mais condições.

As interdições, alerta Camila, devem servir de sinal para que juízes e governo repensem políticas de segurança pública e passem a valorizar outros mecanismos de controle além do cárcere. Ela cita a intensificação das audiências de custódia, revisão da lei de drogas, adoção de mais tornozeleiras eletrônicas e de penas alternativas. Corroborando com Mingardi, Camila alega que as interdições transferem parte do problema para outros estabelecimentos prisionais, que passam a receber mais presos.


— Não há outra solução que não o processo de desencarceramento. A longo prazo, é necessário que os Estados passem a adotar medidas de prevenção, abandonando essa centralização no policiamento ostensivo sem investigação. Isso acaba lotando os presídios com pessoas que estão na ponta da dinâmica criminal. As políticas de segurança pública hoje são centradas em prender quem está mais vulnerável à atuação do policiamento. Isso lota os presídios e não resolve a criminalidade — diz.