MINISTÉRIO ITAMAR FRANCO - 30 ANOS ESTA NOITE (IV)
YEDA RORATO CRUSIUS
Porto Alegre, 29 de agosto de 2024.
Nos primeiros anos da década de 2020 megaeventos têm mudado muito o
mundo. E nós com ele. Primeiro foi a pandemia de coronavírus de 2020/1,
com 13 milhões de mortos e sequelas não totalmente conhecidas. Depois, as
enchentes catastróficas de maio de 2024, que mobilizaram o Brasil e o
mundo para acudir nosso estado destruído. A dor e a destruição são visíveis
por onde se ande, minoradas pela consciência da gigantesca mobilização de
voluntários e de doações que emocionam a todos.
Hora de colocar em ordem algumas memórias, que têm em mim fluído no
turbilhão de emoções que a época levanta.
Chamo o auxílio de uma linha do tempo para ordenar meus dois ciclos
profissionais de 30 anos, um como economista, outro como política. O
primeiro foi de 1963 – ano que ingressei na Faculdade de Ciências
Econômicas da USP - a 1993. O segundo foi de 1993 – quando assumi o
Ministério de Orçamento e Planejamento do Governo Itamar Franco (Figura
1) – a 2023, quando encerrei meu último mandato à frente do PSDB-Mulher
nacional.
Escrevi em 2023 crônica que intitulei 30 Anos Esta Noite. Foi com aquela
crônica que encerrei meu site www.yedacrusius.com.br . Completava 30 anos
dedicados à política partidária e preparava a transição no PSDB Mulher
Nacional, que havia fundado com líderes como André Franco Montoro em
1998, e que presidia novamente desde 2017. Nesse período (2017/2023)
comandei 4 eleições das mulheres candidatas do partido em todo o país.
Nas eleições gerais de 2018 conquistamos os 30 % do fundo partidário,
inovação que permitiu eleger 100% mais mulheres pelo partido. Nas eleições
municipais de 2020, realizadas em tempos de pandemia, desenvolvi uma
Plataforma Digital para que mulheres em todo o Brasil pudessem fazer
campanha pelos meios digitais. Cresceu muito o número de vice-prefeitas,
prefeitas e vereadoras eleitas.
Já em 2021, pela plataforma digital do PSDB Mulher conduzi os debates
públicos nacionais on line das inovadoras prévias para escolha do nosso
candidato a presidente às eleições de 2022. Escolhemos, mas não tivemos.
Sem candidato a presidente pela primeira vez desde a sua fundação em 1988,
nas eleições gerais de 2022 produzi as Bandeiras Eleitorais das Mulheres
Tucanas para orientar as candidatas. Com o partido em crise, tivemos uma
redução brutal no número de eleitos.
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Começando em 1962 até 2024, a linha de tempo fica como guia para datas e
eventos que identificam esses 2 ciclos de 30 anos:
1º - 1962: grande crise com a renúncia de Jânio Quadros, eleito em 1961.
1992: grande crise do Plano Collor, eleito em 1989;filiação ao PSDB (RS).
2022: Bandeiras Eleitorais PSDB-Mulher, sem candidato a presidente.
2º - 1963: ingresso na Faculdade de Ciências Econômicas USP.
1993: Governo Itamar Franco pós impeachment de Collor – Ministra.
2023: Término do mandato de 6 anos presidindo o PSDB Mulher.
3º - 1964: Governo Militar, reorganização institucional e política do país.
1994: Plano Real Gov. Itamar, FHC eleito em 1º turno – Dep. Federal.
2024: enchentes no Sul, queimadas no Brasil, desfiliação.
Em 2024 celebramos os 30 anos do Plano Real (Figura 2), plano elaborado por
economistas da PUC do Rio, que vou visitar durante a Rio Innovation Week
(RIW) deste agosto. A RIW conta com presenças de conferencistas inovadores
da minha geração, como Fritjof Capra (Tao da Física, de 1975, e O Ponto de
Mutação, de 1982), que com seus 85 anos circula pelo mundo debatendo o
Novo na ciência, e tem como um dos seus coordenadores Marcelo Gleiser (A
Simples Beleza do Inesperado, de 2016, e O Despertar do Universo
Consciente, de 2024).
Um título bem dado pode gerar um símbolo clássico. É o caso dos 30 Anos
Esta Noite.
O título vem do cinema dos anos 1960. Louis Malle, em 1963, lançou em P&B
o filme Le Feu Follet, adaptação do livro de Pierre Drieu La Rochelle traduzido
em Portugal como Fogo Fátuo e no Brasil como 30 anos Esta Noite (Figura 3).
Vamos encontrar depois esse título em livros e outras formas de expressão.
Virou uma marca. Era forte a influência francesa entre nós na década dos
1960, da cultura à produção de todas as formas de arte e movimentos. O
filme foi um sucesso mundial, na esteira da filosofia existencialista que a
partir da França conquistava a nova geração.
O ano de 1962 foi agitado no país. Meu pai perdeu o emprego na crise da
renúncia do presidente Jânio Quadros. Num país ainda sem proteção
trabalhista e forte pressão inflacionária, isso significava para um trabalhador
não ter mais como comprar o pão de cada dia. Éramos 6 irmãos e eu, com 17
anos, busquei meu primeiro emprego, e meu valioso primeiro salário
mínimo. Terminei o ensino médio sem aulas, “passando por decreto”. A
lacuna na minha formação sinto até hoje.
Discursos inflamados do presidente Jango Goulart, vice que havia assumido
depois que o presidente Jânio Quadros fugiu em 1961 gerando grave crise
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política e econômica, acompanhavam o ambiente de toda a América Latina,
influenciada pela Revolução Cubana de Castro. Tivemos, de 1961 a 1963, a
segunda experiência parlamentarista do Brasil. Que tempos!
Ingressei em 1963 no curso de Economia da USP. A faculdade ficava no
centro de São Paulo, na rua Dr. Vila Nova, ao lado da rua Maria Antônia e sua
influente Faculdade de Filosofia, uma região conhecida como “boca do luxo”,
contraponto a outra zona, a de prostituição, que ficava próxima, conhecida
como “boca do lixo”. Também na Dr. Vila Nova ficava o Bar sem Nome, em
frente à FCE, lugar onde todos os tipos de batidinhas embalavam nossas
madrugadas de boemia com a criação de músicas para os festivais da época.
Em 1964, a agitação culminou com o afastamento de Jango e a tomada de
poder por um Governo Militar, a exemplo do que acontecia em outros países
da América Latina. Muitas instituições que conhecemos hoje foram então
criadas (Decreto-Lei 200): o Banco Central, o salário-desemprego, a
caderneta de poupança, um sem-fim de instituições novas. Sob a liderança
do Ministro Delfim Neto, professor da FCE/USP, a profissão de economista
ganhou valor.
Na timeline dos agitados anos 1960 tem também a efervescência cultural, os
festivais de música, a guerrilha, os movimentos hippie e black power, a
guerra do Vietnã, o assassinato de grandes líderes como Kennedy e Martin
Luther King , o homem na lua, e um maio de 1968, quando estudantes de
Paris fizeram eclodir um movimento de rua imediatamente exportado para
todo o mundo. Vi fecharem as faculdades da Dr. Vila Nova e da Maria
Antônia quando, no movimento dos “estudantes de maio de 1968”, a morte
de um deles na Maria Antônia deflagrou o Ato Institucional (AI5) que fechou
o Congresso Nacional, gerando mais uma forte crise política. Os cursos,
inclusive o de pós-graduação que eu cursava, foram transferidos para a
Cidade Universitária, em Pinheiros, ainda em construção. Ou seja, nada de
aulas e, para muitos, novamente o “passar por decreto”. Sim, fecharam
também o Bar Sem Nome, e os festivais.
Tempos de forte mudança. Com um grupo de estudantes de pós-graduação
aportamos nas montanhas de Boulder, Colorado. Depois o grupo se dividiu
entre várias universidades americanas. Fomos para Nashville, Tennessee,
onde Crusius e eu nos casamos. Chamados para compor a equipe que criou o
pós-graduação em Economia da UFGRS, viemos para Porto Alegre em 1970,
nesta Poto Alegre onde plantei raízes, família, e uma riquíssima vivência. Nos
primeiros 30 anos, profissionalmente como professora da UFRGS e
comunicadora. Nos 30 anos seguintes, como política.
Chamada em 1993, início do governo Itamar Franco, empossado após o
impeachment de Collor, assumi como Ministra (Figura 1) nos tempos difíceis
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de hiperinflação. A Assembleia Nacional Constituinte resultou na nova
Constituição e, com ela, puderam ser realizadas em 1989 as primeiras
eleições livres para presidente da minha geração, contando com o partido
PSDB fundado por líderes de fato, com ideias e formas de agir com as quais
me identificava. Um de seus fundadores, Mário Covas, foi nosso candidato a
presidente. Sonhava-se participar livremente da construção de um mundo de
paz pela via política. Participei.
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Na tentativa de controlar a inflação, vários planos econômicos baseados em
congelamento de preços haviam fracassado da década dos 1980. A “década
perdida” para muitos países cobrava seu preço na forma de inflação,
recessão, quebra de países endividados. Veio então o Plano Collor em 1990
que, entre outras coisas, congelou os saldos das cadernetas de poupança,
que eram o instrumento de defesa dos que ganhavam menos contra a perda
de poder de compra pela inflação que se transformava em hiperinflação e
derrubava a autoestima dos brasileiros. Mais uma crise econômica e política.
O fato mais relevante de então foi a queda do Muro de Berlim em 1989,
dando fim à Guerra Fria e abrindo um mundo novo ansioso por paz,
democracia e desenvolvimento. Nascia a União Europeia e o Euro.
Já estando há três décadas vivendo o mundo acadêmico e da comunicação, a
crise aberta pelo governo Collor me levou a decidir por mais uma mudança:
era preciso “voltar às ruas”, fazer política.
Fiz. Filiada ao PSDB desde 1992, participei como Ministra, governadora, 4
vezes deputada federal, candidata a prefeita. Foram 9 eleições como
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candidata. Durante esse período vivi intensamente o cotidiano de um partido
que comandou a transformação do país, com o Real, suas reformas, e seus
líderes, participando com altivez dos desafios do novo mundo dos anos 1990.
Pude também comandar como governadora eleita a transformação da
realidade deficitária do Rio Grande, o que possibilitou um período de
estabilidade e desenvolvimento (2007/2010) para o estado.
Em janeiro de 2023, no verão tórrido de Porto Alegre, fui buscar n memória
da minha filiação partidária. Em 2 de abril de 1990 tive minha filiação
regularizada. Devo isso ao Deputado Federal Jorge Uequed, de saudosa
memória, e por isso sou filiada pela sua Canoas. Valeu, Uequed.
Agradeço sempre as oportunidades que, na vida, me permitiram viver esses
ciclos completos. Parto para mais uma mudança, um novo desafio pelo qual
me apaixone. Há imensos desafios santando à nossa frente, e uma infinidade
de oportunidades para essa escolha. Vamos lá.