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Editorial, Folha de S. Paulo - Censura promovida por Moraes tem de acabar
A Constituição, no nobilíssimo artigo dos direitos fundamentais, dispõe ser "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".
Como se o comando fosse insuficiente, a Carta o reforça no capítulo em que trata da comunicação social, ao vedar qualquer tipo de restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação. O ordenamento, em suma, impede o Estado de calar um cidadão sob qualquer pretexto.
A ampla liberdade, no Brasil como no cânone democrático, caminha ao lado da responsabilidade individual. Uma pessoa pode dizer o que quiser sem ser amordaçada, mas estará sujeita a sanções penais caso o seu discurso configure crime, ou pecuniárias se conspurcar a imagem de alguém.
Quaisquer intervenções repressivas do poder público, portanto, deveriam sobrevir somente após algo ser expresso, nunca antes.
Pois um ministro do Supremo Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos —conduzidos pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente—, reinstituiu a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais.
O secretismo dessas decisões impede a sociedade de escrutinar a leitura muito particular do texto constitucional que as embasa. Nem sequer aos advogados dos banidos é facultado acesso aos éditos do Grande Censor. As contas se apagam sem o exercício do contraditório nem razão conhecida.
Urgências eleitorais poderiam eventualmente justificar medidas extremas como essas. O pleito de 2022 transcorreu sob o tacão de um movimento subversivo incentivado pelo presidente da República. Alguns de seus acólitos nas redes não pensariam duas vezes antes de exercitar o golpismo.
Mas a eleição acabou faz mais de 17 meses e seu resultado foi, como de hábito no Brasil, rigorosamente respeitado. O rufião que perdeu nas urnas está fora do governo e, como os vândalos que atacaram as sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023, vai responder pela sua irresponsabilidade.
Escapa qual seja o motivo para sustentar os silenciamentos, que violam um direito fundamental. Alexandre de Moraes tem, no mínimo, o dever de publicar todas as decisões que o levaram a exercer esse poder extraordinário.
Melhor mesmo seria que suspendesse as proibições. É um direito inalienável dos imbecis do bolsonarismo propagar as suas asneiras. Expostas à luz do sol, elas tendem a desidratar-se. Silenciadas, apenas alimentam o vitimismo hipócrita dessa franja de lunáticos.
Puna-se o que houver de crime no que for dito, mas sem recorrer ao instrumento inconstitucional e autoritário da censura prévia.
Artigo, Eugênio Esber - Liberdade de opressão
Já se avoluma o rol de decisões que Alexandre de Moraes tomou ao arrepio da lei e todos os abusos que vem cometendo desde 2019 contra os direitos constitucionais de cidadãos e cidadãs do Brasil – com o apoio ou a omissão inexplicável de colegas do Supremo Tribunal Federal, hoje uma corte que, pelas palavras de seu presidente, Luís Roberto Barroso, passou a ser um “poder político”. Dezenas de milhões de brasileiros não entendem este “desvio de finalidade”, como se diz em juridiquês, e se sentem órfãos de Justiça quando integrantes do órgão máximo do Judiciário falam fora dos autos; circulam em convescotes de empresas de lobby e dão entrevistas em que tomam lado sobre temas da miudeza política que estão judicializados, entre outras posturas inaceitáveis para um ministro de suprema corte no mundo livre e democrático.
Novo na corte, e ambicioso ao extremo, Moraes assumiu um papel único, bem conhecido por todos os brasileiros que entraram em sua alça de mira – eles e seus advogados. Como um xerife de dedos ágeis a roçar o coldre, ele abate perfis de redes sociais. Sob suas ordens, políticos, blogueiros, jornalistas, médicos e toda sorte de pessoas com ideias que ele considera propagadoras de “desinformação” e “ataques às instituições” são cancelados nas redes. Alguns tiveram de deixar o Brasil. Cancelamento de passaporte, bloqueio de contas bancárias, mandados de busca e apreensão de telefones e computadores, tudo se tornou rotina no Brasil. Nada mais infame, porém, que as prisões sem acusação formal e individualizada e, piores ainda, as condenações de brasileiros comuns a penas que são um ultraje ao “devido processo legal”, e sem a mínima chance de recurso. Foram intubados.
Esta paz de cemitério, que sepulta vozes, especialmente de conservadores, parecia absoluta. Pois não mais. Dias atrás, o jornalista norte-americano Michael Shellemberger rompeu a espiral de silêncios com a divulgação do “Twitter Files Brazil”. São arquivos (files) de e-mails que o time do Twitter no Brasil recebeu em 2022 do Tribunal Superior Eleitoral sob a liderança de Alexandre de Moraes. O material é extenso, e segundo Shellenberger, David Ágape e Eli Vieira Jr., mostra “as origens da demanda do judiciário brasileiro por amplos poderes de censura” e “o uso da censura pelo tribunal para interferência eleitoral antidemocrática”. Elon Musk, proprietário da rede social desde 2022, anunciou que fará o desbloqueio dos perfis que Moraes mandou cancelar. Acusou o ministro de algo mais grave: ordens para que o Twitter fizesse os cancelamentos sem atribuí-los a cumprimento de decisão dele, Moraes, e sim a uma pretensa, e farsesca, violação de políticas da rede social.
A reação de Moraes? A de sempre: incluir o norte-americano de origem sul-africana nos seus nebulosos e intermináveis inquéritos, como o das “milícias digitais”. Um duelo interessante, este. Liberdade de expressão, a que me fez ser jornalista, versus liberdade de opressão, que parece seduzir parcelas influentes da magistratura, do Ministério Público, da academia, do mundo artístico, da imprensa e de partidos que controlam o deep state brasileiro há décadas. Musk entrou no ringue como desafiante. Outro bilionário, Soros, o financiador do establishment, tem o cinturão. Tenso.