Pronunciamento da presidente do STF


“A democracia brasileira é fruto da luta de muitos. E fora da democracia não há respeito ao direito nem esperança de justiça e ética.
Vivemos tempos de intolerância e de intransigência contra pessoas e instituições.
Por isso mesmo, este é um tempo em que se há de pedir serenidade.
Serenidade para que as diferenças ideológicas não sejam fonte de desordem social.
Serenidade para se romper com o quadro de violência. Violência não é justiça. Violência é vingança e incivilidade.
Serenidade há de se pedir para que as pessoas possam expor suas ideias e posições, de forma legítima e pacífica.
Somos um povo, formamos uma nação. O fortalecimento da democracia brasileira depende da coesão cívica para a convivência tranquila de todos. Há que serem respeitadas opiniões diferentes.
Problemas resolvem-se com racionalidade, competência, equilíbrio e respeito aos direitos. Superam-se dificuldades fortalecendo-se os valores morais, sociais e jurídicos. Problemas resolvem-se garantindo-se a observância da Constituição, papel fundamental e conferido ao Poder Judiciário, que o vem cumprindo com rigor.
Gerações de brasileiros ajudaram a construir uma sociedade, que se pretende livre, justa e solidária. Nela não podem persistir agravos e insultos contra pessoas e instituições pela só circunstância de se terem ideias e práticas próprias. Diferenças ideológicas não podem ser inimizades sociais. A liberdade democrática há de ser exercida sempre com respeito ao outro.
A efetividade dos direitos conquistados pelos cidadãos brasileiros exige garantia de liberdade para exposição de ideias e posições plurais, algumas mesmo contrárias. Repito: há que se respeitar opiniões diferentes. O sentimento de brasilidade deve sobrepor-se a ressentimentos ou interesses que não sejam aqueles do bem comum a todos os brasileiros.
A República brasileira é construção dos seus cidadãos.
A pátria merece respeito. O Brasil é cada cidadão a ser honrado em seus direitos, garantindo-se a integridade das instituições, responsáveis por assegurá-los.”

Artigo, Alexandre Morais da Rosa, Consultor Jurídico - O habeas corpus de Lula no Supremo: vai perder, mas vai ganhar


- O autor é juiz de Direito em SC, professor de Penal da UFSC.

O título é sugestivo e uma especulação. Em resumo, o STF vai denegar a ordem, dizer o mesmo, mas com efeitos diferentes, preservando o efeito suspensivo do Superior Tribunal de Justiça, por apertada maioria.
Isso porque o Supremo Tribunal Federal se colocou em um impasse. Ao mesmo tempo que precisa reafirmar as conclusões das decisões proferidas pelo colegiado no HC nº 126.292 e nas ADCs nºs 43 e 44, encontra-se com a prisão de Lula. A tendência é manter as conclusões anteriores, autorizando a prisão após a segunda instância, sustentando a tese de que, com o exaurimento das questões fáticas, justifica-se a prisão.
Confirmará, assim, a diretriz do HC nº 126.292:
“CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado”.
Trata-se do efeito compromisso, tão estudado na Psicologia.
Mas deve também sublinhar o conteúdo mais profundo do voto vencedor do HC e das ADCs, a saber, que, apesar de não se poder analisar, em regra, matéria fática, o acoplamento dos fatos ao Direito pode ensejar, ainda, modificação pelo STJ, ainda mais em um tema tão recente como lavagem de dinheiro. Este, aliás, o conteúdo cuidadoso do voto vencedor do HC e das ADCs onde constou expressamente do voto do ministro Teori Zavascki:
“Sustenta-se, com razão, que podem ocorrer equívocos nos juízos condenatórios proferidos pelas instâncias ordinárias. Isso é inegável: equívocos ocorrem também nas instâncias extraordinárias. Todavia, para essas eventualidades, sempre haverá outros mecanismos aptos a inibir consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a execução provisória da pena. Medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou especial são instrumentos inteiramente adequados e eficazes para controlar situações de injustiças ou excessos em juízos condenatórios recorridos. Ou seja: havendo plausibilidade jurídica do recurso, poderá o tribunal superior atribuir-lhe efeito suspensivo, inibindo o cumprimento de pena. Mais ainda: a ação constitucional do habeas corpus igualmente compõe o conjunto de vias processuais com inegável aptidão para controlar eventuais atentados aos direitos fundamentais decorrentes da condenação do acusado. Portanto, mesmo que exequível provisoriamente a sentença penal contra si proferida, o acusado não estará desamparado da tutela jurisdicional em casos de flagrante violação de direitos”.
Assim, após o julgamento em segundo grau, tanto no TRF-4, como em qualquer Tribunal de Justiça, a prisão depende da posterior negativa de seguimento do recurso especial pelo STJ, dada a possibilidade prevista em lei de se conferir o efeito suspensivo. No julgamento das ADCs nºs 43 e 44, restou ementado:
“No âmbito criminal, a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial detém caráter excepcional (art. 995 e art. 1.029, § 5º, ambos do CPC c/c art. 3º e 637 do CPP), normativa compatível com a regra do art. 5º, LVII, da Constituição da República. Efetivamente, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar a esta Suprema Corte e ao Superior Tribunal de Justiça exercer seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional”.
Em termos práticos, mantém a possibilidade de prisão, depois de encerrado o julgamento dos recursos ordinários, mas declara que o ato de prisão não pode ser automático e se submete a eventual interposição de recurso especial e/ou extraordinário, bem assim da decisão da Presidência (ou Vice, em alguns tribunais) de negar provimento ao recurso, bem assim ao agravo interposto ao STJ, em que o efeito suspensivo possa ser conferido pelo relator do STJ (e depois STF).
Com essa decisão, o STF preserva genericamente a possibilidade de prisão em segundo grau, ampliando somente o momento da prisão, que deixa de ser imediato e passa a ser depois de negado seguimento e/ou efeito suspensivo ao recurso, à mercê de um efeito suspensivo. Esta decisão pode manter a decisão anterior - prisão em segundo grau -, mas com requisitos e efeitos diversos.
Assim, a ordem deve ser denegada, mas esclarecido o procedimento para prisão, sublinhando que deve ser negado o efeito suspensivo. O HC de Lula será denegado, mas a prisão imediata de Lula, impedida pelo esclarecimento constante no voto majoritário. É apenas a nossa opinião sobre o jogo do processo penal. Na próxima quarta-feira (4/4), poderemos conferir. Boa Páscoa.

Artigo, Afonso Licks - Octávio, o gaúcho civil dos 18 do Forte


A elite parisiense da Belle Époque definia pejorativamente como rastaqueouère o indivíduo sul-americano que gastava excentricamente na Europa a fortuna feita com o gado, como se arrastasse grosseiramente a riqueza do couro por onde andasse. No início dos anos 1900, Paris percebeu que Octavio Augusto da Cunha Corrêa não se enquadrava no tipo. Aquele gaúcho do Quaraí, ginete excepcional, refinado e inteligente, tinha uma forma toda própria de se conduzir nos ambientes que a riqueza lhe oferecia.
Como um centauro dos pampas a que se referia Alexandre Dumas, meio xucro e valente como os gaúchos que lutaram por nossas fronteiras e meio civilizado, refinado e culto, o seu temperamento evidenciava o dualismo político da sociedade do Rio Grande do Sul. A divisão da revolução Farroupilha, dos ximangos e maragatos,  do que se chama hoje de grenalismo. Octavio era de família monarquista. Os Cunha Corrêa mereciam distinções na Corte do Rio de Janeiro por terem permanecido com propriedades em Salto, na Banda Oriental, no fim da Cisplatina. Sua mãe tinha o nome da Imperatriz Leopoldina e o status de dama de honra da Princesa Isabel, apoiando a causa da Abolição da Escravatura.
O golpe militar que derrubou a monarquia, transformou o prestígio em motivo de perseguição por parte dos republicanos. O patriarca Carlos Alberto Corrêa, por vários anos o maior contribuinte do fisco como pioneiro no desenvolvimento genético de raças bovinas para exportação, teve que se refugiar no Uruguai para escapar da intolerância do positivismo. O ódio castilhista conduzido por Borges de Medeiros, acabou por atingir a Octavio, depois que, sozinho, armado apenas com uma faca, correu com uma patrulha da Brigada Militar cujo comandante molestava os peões da sua estância na fronteira.
Tal fato obrigou Octavio a partir para o exílio, para gastar o seu dinheiro na Cidade Luz, na cultura da paz e do divertimento. Jovial e vivaz, suas noitadas no Quartier Latin o fizeram famoso e querido. Lá, em 1912, ensinou a dançar o tango legítimo a Rodolfo Valentino que, depois, vestido a rigor retratou o amigo no filme “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, como o gaúcho meio parisiense que ele era.
Octavio viu Paris entristecer com a Primeira Guerra Mundial. Estava lá para receber a geração perdida dos americanos que chegavam, mas preferia conviver com os artistas espanhóis. Enamorou-se de uma princesa russa perseguida pela revolução soviética e acabou envolvido em um duelo contra três irmãos dela. Feriu, foi ferido gravemente e teve que deixar a França.
O destino o levou para o Rio de Janeiro, para entrar na História. Em julho de 1922, Octavio Corrêa foi o único civil entre os 18 heróis que decidiram não atirar mais contra a cidade do Rio de Janeiro e deixaram a pé o invencível Forte de Copacabana, na revolta que enfrentou oito mil combatentes do corrupto governo de Epitácio Pessoa. Sereno e elegante de chapéu, terno, gravata e um fuzil Mauser nas mãos, Octavio seguiu à frente. Aos 36 anos de uma vida emocionante, morreu na calçada mais famosa do mudo como a síntese de um tempo que acabava. O tempo dos homens que colocavam a honra acima da própria vida que ofereciam no altar das suas convicções.

(Fonte: livro “Octavio, O Civil dos 18 do Forte de Copacabana”, um capítulo da História do Brasil que nunca foi contado).