O bate-papo em grupo no WhatsApp foi uma espécie de vestiário digital para dezenas dos maiores empresários brasileiros. Havia um magnata do shopping, um fundador de roupas de surf e bilionário de grandes lojas do Brasil. Eles reclamavam da inflação, enviavam memes e, às vezes, compartilhavam opiniões inflamatórias.
"Prefiro um golpe ao retorno do Partido dos Trabalhadores", disse Jose Koury, outro dono do shopping, em 31 de julho, referindo-se ao partido de esquerda liderando as pesquisas nas eleições presidenciais da próxima semana. Um dono de uma rede de restaurantes respondeu com um GIF de um homem aplaudindo.
Dada a história do Brasil com ditadores e os temores generalizados de que o presidente Jair Bolsonaro se recusará a aceitar uma perda eleitoral, foi um comentário preocupante.
Mas o que se seguiu foi talvez ainda mais alarmante para a quarta maior democracia do mundo.
Agentes federais invadiram as casas de oito dos empresários. As autoridades congelaram suas contas bancárias, intimaram seus registros financeiros, telefônicos e digitais, e disseram às redes sociais para suspender algumas de suas contas.
A ordem partiu de um juiz do SUPREMO Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. A única evidência citada foram as mensagens do grupo de WhatsApp, que haviam vazado para um jornalista. Nessas mensagens, apenas dois dos oito empresários sugeriram que apoiavam um golpe.
Foi uma demonstração crua de força judicial que coroou uma tendência de anos em andamento: o Supremo Tribunal Federal ampliou drasticamente seu poder para combater as posições antidemocráticas do sr. Bolsonaro e seus apoiadores.
No processo, segundo especialistas em direito e governo, o tribunal tomou sua própria virada repressiva.
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A relação entre o Sr. Bolsonaro, à esquerda, e o Sr. Moraes tem se tornado controversa sobre alguns dos casos que o Sr. Moraes tem perseguido contra apoiadores do presidente.
A relação entre o Sr. Bolsonaro, à esquerda, e o Sr. Moraes tem se tornado controversa sobre alguns dos casos que o Sr. Moraes tem perseguido contra apoiadores do presidente.Crédito...Adriano Machado/Reuters
Moraes prendeu cinco pessoas sem julgamento por postagens nas redes sociais que, segundo ele, atacaram as instituições brasileiras. Ele também ordenou que as redes sociais removessem milhares de posts e vídeos com pouco espaço para apelo. E este ano, 10 dos 11 juízes do tribunal condenaram um congressista a quase nove anos de prisão por fazer o que eles disseram serem ameaças contra eles em um livestream.
A tomada de poder pela mais alta corte do país, dizem especialistas jurídicos, minou uma instituição democrática chave no maior país da América Latina, à medida que os eleitores se preparam para escolher um presidente em 2 de outubro. Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente de esquerda, tem liderado o sr. Bolsonaro nas pesquisas há meses, enquanto o sr. Bolsonaro vem dizendo ao país, sem qualquer evidência, que seus rivais estão tentando fraudar o voto.
Em muitos casos, o Sr. Moraes tem agido unilateralmente, encorajado por novos poderes que o tribunal concedeu em 2019 que lhe permitem, de fato, atuar como investigador, promotor e juiz de uma só vez em alguns casos.
Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal que criou esses poderes, disse em nota que o fez para proteger a democracia da nação: "O Brasil vive com a mesma incitação ao ódio que tirou vidas na invasão do Capitólio dos EUA, e as instituições democráticas devem fazer todo o possível para evitar cenários como o de 6 de janeiro de 2021, que chocou o mundo".
Líderes políticos de esquerda e grande parte da imprensa e do público brasileiro têm apoiado em grande parte as ações do sr. Moraes como medidas necessárias para combater a ameaça singular representada pelo sr. Bolsonaro.
Mas muitos especialistas jurídicos dizem que as demonstrações de força do Sr. Moraes, sob a bandeira de salvar a democracia, estão ameaçando empurrar o país para um deslizamento antidemocrático.
"É a história de todas as coisas ruins que já acontecem na política", disse Luciano da Ros, professor brasileiro de ciência política que estuda a política do Judiciário. "No início você tinha um problema. Agora você tem dois.
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Moraes se recusou a comentar através de um porta-voz.
A influência crescente do tribunal pode ter grandes implicações para o vencedor da votação presidencial. Se o sr. Bolsonaro ganhar um segundo mandato, ele sugeriu que procuraria embalar o STF, dando-lhe ainda mais controle sobre a sociedade brasileira.
Se o Sr. da Silva vencer, ele teria que enfrentar juízes que poderiam complicar sua agenda para um país que enfrenta uma série de desafios, incluindo o aumento da fome, o desmatamento na Amazônia e a profunda polarização.
"Historicamente, quando o tribunal tem dado novo poder, não diz mais tarde que estava errado", disse Diego Werneck, professor brasileiro de direito que estuda o tribunal. "Os poderes que são criados permanecem."
Se nenhum candidato receber mais de 50% dos votos na eleição de 2 de outubro, os dois primeiros colocados enfrentarão um segundo turno em 30 de outubro.
O Supremo Tribunal Federal já era uma instituição potente. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte pesa entre 100 e 150 casos por ano. No Brasil, os 11 juízes e os advogados que trabalham para eles emitiram 505 mil sentenças nos últimos cinco anos.
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Moraes ordenou o congelamento das contas bancárias dos empresários e a intimação de seus registros financeiros, telefônicos e digitais por mensagens trocadas no WhatsApp.
Moraes ordenou o congelamento das contas bancárias dos empresários e a intimação de seus registros financeiros, telefônicos e digitais por mensagens trocadas no WhatsApp. Crédito...Joedson Alves/EPA, via Shutterstock
Em 2019, poucos meses após o governo Bolsonaro, um documento de uma página ampliou consideravelmente a autoridade do Stf.
Na época, o tribunal enfrentava ataques online de alguns apoiadores de Bolsonaro. Normalmente, policiais ou promotores teriam que abrir uma investigação sobre tal atividade, mas não tinham.
Toffoli, o chefe de justiça da corte, emitiu uma ordem concedendo ao próprio Supremo Tribunal Federal a autoridade para abrir uma investigação.
O tribunal investigaria "fake news" — o sr. Toffoli usou o termo em inglês — que atacou "a honrabilidade" da corte e de seus juízes.
O que consideramos antes de usar fontes anônimas. As fontes sabem a informação? Qual é a motivação deles para nos dizer? Eles provaram ser confiáveis no passado? Podemos corroborar a informação? Mesmo com essas perguntas satisfeitas, o The Times usa fontes anônimas como último recurso. O repórter e pelo menos um editor sabem a identidade da fonte.
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Foi um papel sem precedentes, transformando o tribunal em alguns casos no acusador e no juiz, segundo Marco Aurélio Mello, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal que no ano passado atingiu a idade de aposentadoria obrigatória de 75 anos.
Mello, que é um apoiador do Sr. Bolsonaro, acreditava que o tribunal estava violando a Constituição para resolver um problema. "Na lei, os meios justificam os fins", acrescentou. "Não o contrário."
Antonio Cezar Peluso, outro ex-juiz do SUPREMO Tribunal Federal, discordou. As autoridades, disse ele, estavam permitindo que ameaças se proliferassem. "Não posso esperar que o tribunal fique quieto", disse ele. "Tinha que agir."
Para comandar a investigação, Toffoli contratou o sr. Moraes, 53 anos, um intenso ex-ministro da Justiça Federal e professor de Direito Constitucional que havia ingido ao tribunal em 2017.
Em sua primeira ação, Moraes ordenou que uma revista brasileira, Crusoé, retirasse um artigo online que mostrasse ligações entre o Sr. Toffoli e uma investigação de corrupção. Moraes chamou de "fake news".
Andre Marsiglia, advogado que representou Crusoé, disse que a decisão foi surpreendente. A Suprema Corte tinha muitas vezes protegido organizações de notícias de decisões de tribunais inferiores ordenando tais derrubadas. Agora "era o condutor da censura", disse ele. "Não tínhamos a quem recorrer."
Moraes mais tarde suspendeu a ordem depois que documentos legais provaram que o artigo era preciso.
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Uma tela com imagem do Sr. Moraes durante um encontro da CPAC em junho em São Paulo. O evento brasileiro é inspirado na conferência conservadora nos Estados Unidos.
Uma tela com imagem do Sr. Moraes durante um encontro da CPAC em junho em São Paulo. O evento brasileiro é inspirado na conferência conservadora nos Estados Unidos.Crédito...Victor Moriyama para o The New York Times
Com o passar do tempo, Moraes abriu novas investigações e reenquadou seu trabalho de proteção à democracia brasileira. Bolsonaro estava aumentando os ataques aos juízes, à mídia e ao sistema eleitoral do país.
Moraes ordenou que as principais redes sociais retirassem dezenas de contas, apagando milhares de seus posts, muitas vezes sem dar uma razão, segundo um funcionário da empresa de tecnologia que falou sob a condição de anonimato para evitar provocar o juiz. Quando a empresa de tecnologia deste funcionário revisou os posts e contas que o Sr. Moraes ordenou que ele retirasse, a empresa descobriu que grande parte do conteúdo não infringiu suas regras, disse o funcionário.
Em muitos casos, o Sr. Moraes foi atrás de influenciadores de direita que espalhavam informações enganosas ou falsas. Mas ele também foi atrás de pessoas da esquerda. Quando o relato oficial de um partido comunista brasileiro tuitou que o Sr. Moraes era um "skinhead" e que o STF deveria ser dissolvido, o Sr. Moraes ordenou que as empresas de tecnologia proibissem todas as contas do partido, incluindo um canal no YouTube com mais de 110 mil inscritos. As empresas cumpriram.
O Sr. Moraes foi ainda mais longe. Em sete casos, ele ordenou a prisão de ativistas de extrema-direita sob a acusação de ameaçar a democracia, defendendo um golpe ou convocando pessoas para comícios antidemocráticos. Pelo menos dois ainda estão presos ou em prisão domiciliar. Alguns casos foram iniciados pela Procuradoria-Geral da República, enquanto outros o Sr. Moraes começou a si mesmo.
Em sua investigação, o tribunal descobriu evidências de que extremistas de extrema-direita tinham discutido agredir juízes, estavam rastreando os movimentos dos juízes e havia compartilhado um mapa de um prédio do tribunal, de acordo com um funcionário do tribunal que falou sob a condição de anonimato porque as descobertas são parte de uma investigação selada.
No caso mais importante, o Sr. Moraes ordenou a prisão de um deputado conservador depois de criticar o Sr. Moraes e outros juízes em um livestream online. "Tantas vezes eu imaginei você levando uma surra na rua", disse o deputado, Daniel Silveira, no livestream. "O que você vai dizer? Que eu estou incitando a violência?
O Supremo Tribunal Federal votou por 10 a 1 para condenar o Sr. Silveira a quase nove anos de prisão por incitar um golpe. Bolsonaro o perdoou no dia seguinte.
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Moraes ordenou a prisão de um deputado conservador, Daniel Silveira, ao centro, após o sr. Silveira criticar o Sr. Moraes e outros juízes do Supremo Tribunal Federal.
Moraes ordenou a prisão de um deputado conservador, Daniel Silveira, ao centro, após o sr. Silveira criticar o Sr. Moraes e outros juízes do Supremo Tribunal Federal. Crédito...Victor Moriyama para o The New York Times
Com a maioria do Congresso, os militares e o Poder Executivo apoiando o presidente, o Sr. Moraes tornou-se, sem dúvida, a verificação mais eficaz do poder do sr. Bolsonaro. Isso fez dele um herói para a esquerda - e inimigo público nº 1 à direita.
Bolsonaro tem protestado contra ele em discursos, tentou e não conseguiu o impeachment e depois disse aos apoiadores que não iria cumprir as decisões do Sr. Moraes. (Ele mais tarde caminhou para trás.)
No mês passado, o Sr. Moraes assumiu ainda mais poder, assumindo também a presidência do tribunal eleitoral que supervisionará a votação. (O momento foi uma coincidência.)
Em sua posse, o Sr. Moraes parecia falar diretamente com o Sr. Bolsonaro, que se sentava nas proximidades. "Liberdade de expressão não é liberdade para destruir a democracia, destruir instituições", disse Moraes enquanto o sr. Bolsonaro carrancudo.
A tensão entre os homens cresceu com o caso do WhatsApp envolvendo os empresários.
O Sr. Bolsonaro detonou a ordem do Sr. Moraes, que em parte aprovou um pedido da polícia para revistar as casas dos homens. Em um momento inusitado, a grande imprensa brasileira concordou com o presidente. "Trocar mensagens, meras opiniões sem ação, mesmo que sejam contra a democracia", disse a rede de TV Band em editorial, "não constitui crimes".
Sob críticas, o gabinete do Sr. Moraes produziu um documento legal adicional que, segundo ele, forneceu mais evidências da potencial ameaça representada pelos homens. O documento repetia conexões já públicas que alguns dos homens tinham com agentes de direita.
Moraes mais tarde descongela as contas bancárias dos empresários. Os homens nunca foram presos.
Luciano Hang, o bilionário da caixa, disse que estava lutando para recuperar o controle de suas contas nas redes sociais, que coletivamente tinham pelo menos 6 milhões de seguidores. "Nos sentimos violados por a polícia federal aparecer às 6h querendo pegar seu celular", disse ele.
Lindora Araújo, subprocuradora-geral do Brasil e procuradora de carreira, recorreu da ordem do Sr. Moraes contra os empresários, dizendo que o juiz abusou de seu poder ao alme por simplesmente declarar opiniões em um bate-papo privado. Sua ordem se assemelhava a "um tipo de polícia de pensamento que é característica de regimes autoritários", disse ela.
Esse recurso foi para o Sr. Moraes. Ele descartou.