Fica, Temer’ significa, igualmente, ’Fica Maia’ – e um
tratado de cooperação contra as investigações
No horizonte do óbvio, Temer fica pois persuadiu 263
deputados a sustentá-lo, às custas do Orçamento, de cargos e de concessões
políticas vergonhosas. Dilma, porém, foi defenestrada, mesmo depois de ofertar
tudo isso no altar sacrificial da Câmara. As raízes da diferença entre um caso
e outro estão fincadas num horizonte mais profundo: a miséria da nossa
política. Temer fica pelos seguintes motivos:
1. Janot desviou a Lava Jato para o labirinto da
politicagem. A denúncia contra Temer não nasceu de uma investigação exaustiva,
como a conduzida no âmbito do cartel das empreiteiras, mas de uma arapuca
vulgar montada em aliança com Joesley Batista. A imunidade absoluta concedida
ao corruptor-geral da República provocou asco nacional, manchou a reputação
pública da Lava Jato e ofereceu um álibi político eficiente ao ocupante do
Planalto. Temer deve uma caixa de charutos a Janot.
2. A economia rompeu a crosta gelada da depressão. Temer
preservará o imposto sindical, pervertendo a reforma trabalhista, e substituirá
a reforma previdenciária por um emplastro improvisado. Mas, ao menos, a equipe
econômica representa um seguro contra calamidades. O empresariado admite quase
tudo, mas não um retorno aos folguedos infantis do dilmismo. E, claro, adora
uma Presidência exaurida, pronta a curvar-se à exigência de mais um
refinanciamento de dívidas em benefício dos amigos dos amigos. Temer deve um
vinho de origem controlada a Meirelles.
3. Nossa elite política tem pavor da Lava Jato. Temer, no
Planalto, e Rodrigo Maia, na Câmara, são fusíveis que protegem os parlamentares
do incêndio. A substituição do primeiro pelo segundo implicaria a remoção do
duplo fio de chumbo. O "Fica, Temer" significa, igualmente, um
"Fica, Rodrigo" –e um tratado de cooperação diante das investigações
policiais e judiciais. A manobra de salvação do presidente assinala o início de
uma contraofensiva do Planalto e do Congresso. Temer deve bombons baratos a
todos os políticos situados na alça de mira da polícia.
4. Aécio Neves alinhou uma corrente do PSDB à Santa
Aliança anti-Lava Jato. Para proteger-se, o cacique tucano cindiu seu partido e
atracou seu próprio futuro político ao cais do Planalto. A Lava Jato
encontra-se, agora, em situação similar à da Operação Mãos Limpas, na Itália,
durante os governos de centro-esquerda de Romano Prodi e Massimo D'Alema, cuja
base parlamentar se uniu a Silvio Berlusconi para sabotá-la. Temer deve meia
dúzia de pães de queijo a Aécio, outro amigo do peito da JBS.
5. "Fica, Temer" é o desejo oculto de Lula. A
bandeira farsesca do "Fora, Temer" destina-se, exclusivamente, a
consumo eleitoral. O PT e seus aliados garantiram quorum à sessão de salvação
do presidente. Preservando Temer, o condottieri petista assegura para si mesmo
o cenário mais favorável na disputa de 2018.
Mas, sobretudo, por essa via, o PT encontra um lugar na
trincheira compartilhada pelos políticos que resistem à tempestade da Operação
Lava Jato. Temer deve a Lula uma cachaça envelhecida, de alambique artesanal.
6. Nossa elite política separou-se, em conjunto, do
interesse público. A crise que produziu o impeachment prossegue no governo
Temer. Sob o signo da Lava Jato, vivemos o ocaso da Nova República. Contudo,
nenhuma articulação partidária significativa destacou-se da paisagem cinzenta
para oferecer ao país uma alternativa de reformas institucionais e políticas.
No lugar disso, em meio às ruínas, assiste-se aos
espetáculos deprimentes da decomposição do PSDB, do neoqueremismo lulista e das
apostas especulativas de Marina Silva, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, os
"salvadores da pátria" de plantão.
A frustração das ruas com a falência geral do sistema
político funciona como salvo-conduto do ocupante do Planalto. Temer deve tudo
ao medo da mudança. Ele honrará sua dívida, às nossas custas.
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Demétrio Magnoli é sociólogo