A ressocialização do Zé

A comemoração pelos 78 anos de José Dirceu, na quinta-feira passada, mostra que o sistema penitenciário brasileiro funciona: o petista, devidamente ressocializado depois de ter sido preso três vezes, reuniu em torno de si boa parte da cúpula do poder numa mansão do Lago Sul, em Brasília. O beija-mão que se viu naquela festa mostrou que nenhum dos inúmeros reveses jurídicos e políticos de que Dirceu padeceu por ter se metido em toda sorte de malfeitos durante os primeiros mandatos do presidente Lula da Silva parece ter lhe tirado os ares de consigliere.


Nem parecia que os cerca de 500 convidados do aniversariante – entre os quais figuravam políticos de todos os matizes, advogados, empresários e jornalistas – estavam reunidos em torno de um criminoso condenado por delitos graves em várias instâncias do Poder Judiciário. Decerto a costelinha de porco, o feijão tropeiro, o sorvete do Pará e a perspectiva de poder oferecidos no banquete pareceram tão saborosos aos convivas que a vergonha passou longe dali.


Não se sabe exatamente por que Dirceu celebrou seu aniversário, que é hoje, na quinta-feira. O fato é que Brasília é conhecida por se tornar um deserto nos fins de semana. Sendo a festa num dia útil, convenientemente, puderam abraçar Dirceu – e lhe emprestar prestígio – o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, o presidente da Câmara, Arthur Lira, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e o deputado Guilherme Boulos, pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. Postulantes à sucessão de Lira no comando da Câmara, os deputados Elmar Nascimento, Marcos Pereira, Antonio Brito e Isnaldo Bulhões foram outros que, entre um brinde e outro, foram ouvir os conselhos do mandachuva petista.


Lula não prestigiou o amigo, mas, além de Alckmin, fez-se representar pelos ministros José Múcio Monteiro (Defesa), Fernando Haddad (Fazenda), Nísia Trindade (Saúde), Alexandre Padilha (Relações Institucionais ) e Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos).


A noite de festa pode ter sido maravilhosa para todos os que lá estiveram. Mas, para a grande parcela da sociedade brasileira que não perdeu a memória nem o juízo, o bolo servido foi indigesto.


Num discurso que soou quase como uma ameaça ao País que deseja se desenvolver social e economicamente com responsabilidade, Dirceu defendeu não só a reeleição de Lula em 2026, como ainda mais um mandato petista, no mínimo, até 2034. “Nós (os petistas) não temos mais 30, 40 anos. Nós temos dez anos para fazer as mudanças”, disse o aniversariante. “Nós não chegamos ao governo com maioria no País. Nós chegamos ao governo pelas circunstâncias históricas do bolsonarismo.”


Deve-se reconhecer que José Dirceu, um dos líderes de facto do PT, segue sendo um dos mais argutos e lúcidos estrategistas políticos do partido. Sua clareza de diagnóstico sobre as circunstâncias excepcionalíssimas que permitiram a volta de Lula e do PT ao poder parece faltar ao próprio presidente da República. Não se sabe se Lula tem a compreensão de que o que levou uma apertada maioria de eleitores a reabilitá-lo nas urnas foi o golpismo bolsonarista. O que seus atos e palavras demonstram, na direção diametralmente oposta, é que ele parece acreditar que sua vitória representou a chancela do eleitorado à agenda petista.


Que não haja ilusões. Dirceu está em franca campanha para voltar formalmente ao poder. Se Lula hoje, com um séquito de auxiliares que nem remotamente têm a história e a experiência política de seus primeiros assessores palacianos, já está inclinado a retomar políticas que, comprovadamente, quase levaram o Brasil à ruína no passado recente, tanto pior será com alguém muito mais inteligente e capaz, como Dirceu, a seu lado nessa empreitada rumo ao atraso.


Para que não seja o País a sofrer com a ressaca, seria prudente que uma direita democrática e responsável se articulasse para enfrentar essa força retrógrada. Afinal, como o próprio Dirceu admitiu, caso a direita não tivesse sido sequestrada por um desqualificado como Bolsonaro, o PT jamais teria voltado ao poder.