A razão para a lentidão tem a ver com a profundidade e as
sequelas da grande recessão
A eleição do presidente Bolsonaro animou muita gente, o
que transparece na forte melhora dos indicadores de expectativas desde o mês de
outubro. Poucas vezes vimos os empresários tão positivos quanto ao futuro.
Entretanto, embora confiando que a reforma da Previdência
será, ao final, aprovada, acredito também que há um excesso de expectativas no
ar. Em outras palavras, medido pelo crescimento econômico, apenas em 2020
teremos um resultado mais significativo. A reforma pouco afetará o crescimento
deste ano, cuja projeção já está sofrendo revisões para baixo. Aqui na MB
projetamos algo como 2,2% há algum tempo.
Naturalmente, a observação acima não quer diminuir a
importância do sucesso no trâmite do Congresso. Ao contrário, se a Previdência
não for aprovada, não tenho dúvida de que voltaremos à recessão.
A principal razão para a lentidão da recuperação tem a
ver com a profundidade e com as sequelas da grande recessão pela qual passamos.
De 2014 ao terceiro trimestre de 2018, o PIB caiu quase 5%; a indústria, mais
de 9%; e a construção civil, 26%!
Como todos sabem, o impacto no mercado de trabalho foi
dramático, resultando na forte elevação do desemprego aberto e do subemprego,
como nunca se viu. Muitas famílias só conseguiram trabalho em ocupações menos
qualificadas e remuneradas, tendo que fazer ajustes significativos no padrão de
vida. Como isso não se esquece facilmente, as pessoas estão machucadas e
cautelosas, mesmo aquelas que conseguiram trabalhar durante todo esse período.
Daí por que não está fácil voltar a consumir, como observamos nos resultados
das vendas de final de ano.
Os indicadores de expectativas mostram esse fato: melhora
nas expectativas futuras e relativa estabilidade na avaliação da situação
presente.
No plano das empresas ocorreu algo semelhante. Muitas
quebraram e fecharam as portas nestes últimos anos. Poucas conseguiram manter o
fôlego financeiro e a qualidade de seu balanço, em geral com a ajuda das
exportações e fazendo os ajustes necessários para se manter saudáveis.
Entretanto, um número considerável de empresas acabou
entrando no que chamo de “modo de sobrevivência”, caracterizado por um ajuste
fortemente defensivo: corte de todos os projetos de expansão ou de novas linhas
de produtos, redução dos turnos e do contingente de trabalhadores, atrasos no
recolhimento de tributos, no pagamento de fornecedores e no serviço da dívida.
Com isso, o negócio não morre, mas vê seu balanço sistematicamente
enfraquecido.
O trabalho do prof. Carlos Antonio Rocca, do Cemec,
mostrou que, no primeiro semestre do ano passado (de acordo com os últimos
números disponíveis), cerca de 30% das companhias, abertas e fechadas, grandes
e pequenas, não tinham geração de caixa para cobrir o pagamento dos juros de
suas dívidas. Nessas condições, muitas sociedades ficam marcadas para morrer,
pois essa situação só permanece com crescente endividamento.
Por exemplo, menos de 5% das firmas em recuperação
judicial se tornam saudáveis novamente. A imensa maioria não consegue melhorar,
o que não protege a produção e os empregos, mas apenas o acionista controlador,
que tem o serviço de sua dívida suspenso.
Muitas das companhias nessa situação morrem exatamente
quando a recuperação econômica começa a ocorrer, por causa de sua fragilidade
financeira e da dificuldade de crédito para o capital de giro necessário à
elevação da produção. Isso porque os anos vividos no modo de sobrevivência
permitem aos bancos credores elevar suas provisões para crédito duvidoso,
deixando de renovar empréstimos. Finalmente, as empresas que pararam de
recolher tributos acabam por acumular uma dívida fiscal que destrói o valor da
empresa.
Se os leitores quiserem algum exemplo desse tipo de
comportamento, basta olhar a lenta mortandade de usinas de açúcar nos últimos
anos.
Paralelamente, o progresso tecnológico e os novos modelos
de negócios continuam se desenvolvendo durante a crise. Quando a retomada
começa, muitos segmentos, ainda que sobreviventes, veem-se inviabilizados.
Basta pensar na digitalização e nos modelos de ruptura, e em seu resultado
sobre o mercado editorial, as livrarias e outras publicações.
Em conclusão, para muitas empresas e seus colaboradores,
a situação ainda vai piorar antes de melhorar. Retomada mais firme, só se a
reforma da Previdência for aprovada e em 2020.
*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE
QUINZENALMENT