Em meio à incerteza que caracteriza o cenário político
atual, há dois paradigmas teóricos que têm orientado a leitura da sucessão
presidencial. O primeiro pode ser chamado de predomínio da lógica dos grandes
partidos, ao passo que o segundo modelo pode ser intitulado de explicação
baseada na desestruturação do sistema partidário. O quanto cada um deles vai
explicar a eleição de 2018 é um dos grandes debates do momento.
A primeira teoria enfatiza mais o poder das máquinas
políticas e dos políticos profissionais hegemônicos nos últimos anos. Para essa
visão, há pouco espaço para a renovação e o mais provável é que os principais
polos partidários definam, de algum modo, a peleja final. O segundo modelo explicativo
parte do suposto de que, por conta da Operação Lava-Jato e da profunda crise
política nascida com Dilma e prorrogada por Temer, está quebrado o
bipartidarismo presidencial brasileiro, comandado pela dupla PSDB-PT, que
vigorou de 1994 a 2014. Assim, os favoritos para comandar a eleição de 2018
seriam os candidatos fora desse eixo.
Obviamente que essas duas visões comportam caminhos do
meio e combinações entre elas. Só que vale entender melhor o poder explicativo
das duas teorias rivais, expondo-as e contrapondo-as, para saber que fatores
podem gerar maior impacto, além de se colocar luz naquilo que, por ora, é mais
incerto e recheado de dúvidas.
A teoria que enfatiza o predomínio dos maiores partidos -
PT, PSDB e MDB - ancora-se em três fatores: o enraizamento partidário, a
concentração do financiamento público nas três grandes legendas e o peso das
lideranças nacionais, especialmente para o caso de tucanos e petistas.
O enraizamento partidário manifesta-se de duas maneiras.
Uma delas é organizacional, derivada da enorme capilaridade territorial dos
três grandes partidos, tanto em número de prefeituras e governos estaduais como
em termos de diretórios partidários pelo Brasil afora. Isso lhes garante um
exército de apoiadores políticos que é fundamental para montar os palanques
estaduais. Contar com um número maior de candidatos e alianças regionais ajuda
os presidenciáveis dessas forças, principalmente os advindos do PT e do PSDB,
porque no caso do MDB é preciso contar sempre com um grau bastante elevado de
traição local. Esse fenômeno que atinge o emedebismo desde a eleição de 1989
será muito forte agora, dada a baixa popularidade do presidente Michel Temer.
O fator do enraizamento partidário vincula-se também ao
grau de conhecimento e identificação da população em relação a esses partidos e
seus líderes. Mesmo com todo o desgaste dos últimos anos, esses três partidos
ainda lideram a preferência partidária dos eleitores. No plano das eleições
estaduais e congressuais, esse elemento ajuda as três grandes legendas, mesmo
que de modo diferente pelas regiões do país. Mas no âmbito da eleição
presidencial ele favorece mais o PT e o PSDB, que comandaram a disputa nacional
por cerca de 20 anos. Um dos fatores que explica isso é que, diferentemente de
emedebistas e mesmo da quase totalidade do sistema partidário, petistas e
tucanos têm maior articulação com grupos organizados e influentes da sociedade
civil, como sindicatos, ONGs, mídia, movimentos sociais, associações
empresariais e universidades, além do apoio de importantes formadores de
opinião.
A força dos três grandes do sistema partidário advém, em
segundo lugar, dos recursos que detêm. Um deles é o Fundo Partidário, cujo
maior parcela ficará com esses partidos, numa eleição sem financiamento de empresas.
Ademais, tais legendas concentram a maior parte do horário eleitoral gratuito.
Desse modo, esse montante de recursos deve favorecer MDB, PT e PSDB.
PT e PSDB, particularmente, têm líderes nacionais mais
conhecidos e com um peso eleitoral importante. Não que o MDB não tenha uma
liderança nacional expressiva; ele a tem, mas no caso seu impacto é negativo -
afinal, o presidente Temer é a grande "Geni" dessa eleição. Quem se
colar a ele terá enorme dificuldades de crescer nas pesquisas. Isso é que
torna, entre outros fatores, muito duro, quase impossível, o caminho eleitoral
de Henrique Meirelles.
No quesito liderança, petistas e tucanos vivem uma
situação estranha e difícil se comparada aos últimos seis pleitos
presidenciais. Começando pelo PSDB: Alckmin é um candidato conhecido
nacionalmente, apresenta-se como um moderado em meio à polarização, tem apoio
de setores do empresariado, da mídia e de técnicos (governamentais, da
universidade e do mercado) e possui como principal trunfo seu peso no maior colégio
eleitoral do país, o Estado de São Paulo. Porém, sua força não é como em 2006.
Ele perdeu popularidade como governador, terá um intrincado palanque duplo em
São Paulo e parece ter muitas pedras no caminho para crescer no resto do país,
por conta da força do lulismo no Nordeste, do crescimento de Álvaro Dias no
Sul, de Bolsonaro no Centro-Oeste e de Marina no Norte, além de não ter entrada
fácil no eleitorado do Rio de Janeiro.
Mesmo assim, por conta da máquina política, do horário
eleitoral gratuito, das divisões do centro e de sua força - mesmo que menor -
em São Paulo, Alckmin ainda é alguém que pode disputar uma posição para o
segundo turno. Dependendo com quem ele chegar lá, torna-se um candidato muito
forte na etapa final.
O PT montou sua estratégia nacional toda em cima do nome
de Lula. Isso é histórico no partido e, no fim das contas, não foi uma aposta
errada. Sem o lulismo, o PT não teria chegado aos pobres e ganhado quatro
eleições presidenciais. Mas agora a situação é bem mais complicada, com a
prisão de seu líder. O ex-presidente tem ainda um enorme cabedal político,
chegando a mais de 30% das preferências nas últimas pesquisas eleitorais. Só
que sua chance de ser efetivamente concorrente ao Palácio do Planalto é quase
zero. O que fazer então? Colocar alguém do partido para tentar herdar esse
caminhão de votos, ou apoiar desde já outro nome, como Ciro Gomes, para tentar
garantir a passagem ao segundo turno? O que importa mais: fazer da eleição um
questionamento da situação vigente - talvez já se posicionando para 2022 -, ou
garantir a participação no próximo governo, para evitar a "continuidade do
golpe", e na definição da esquerda?
É inegável que a lógica da preponderância dos três
grandes partidos continuará sendo um elemento importante. Entretanto, a teoria
da desestruturação do sistema partidário contém vários pontos e explicações que
ajudam a compreender a eleição de 2018. Em primeiro lugar, PT e PSDB, para não
falar do MDB, já não têm o mesmo poderio. Claro que se Lula estivesse no jogo,
a perda de força do petismo seria menor. Só que ele não conseguirá ser
candidato, e mesmo que o ex-presidente transfira muitos votos, quem ele apoiar
não terá uma liderança inconteste. Em outras palavras, a fragmentação tende a
vingar, o que muda o cenário do bipartidarismo presidencial.
Além disso, o discurso contra corrupção e, sobretudo,
contra o sistema tem favorecido três candidaturas: a de Bolsonaro, de Ciro e de
Marina. Somados, eles têm hoje quase 40% das preferências eleitorais. É
possível que percam votos pelo meio do caminho, mas um fato é obstáculo à
teoria dos grandes partidos: dois terços do eleitorado não definiu ainda em
quem votar, e exatamente esse grupo é bastante crítico ao sistema vigente.
O trio contra os grandes partidos terá grandes
dificuldades para montar palanques regionais e para fazer campanha nacional,
por conta da menor quantidade de recursos (financeiros e de horário eleitoral
gratuito). Ciro irá sofrer menos que os outros dois concorrentes, mas Bolsonaro
tem uma base importante advinda das redes sociais e de uma campanha
presidencial que já começou faz pelo menos dois anos. Não obstante essas pedras
no caminho, é preciso lembrar que ter muita exposição representando exatamente
o que a maioria do eleitorado rechaça pode não trazer votos. Basta lembrar da
campanha fracassada de Ulysses Guimarães em 1989 - muitos recursos e pouco a
dizer para um eleitorado que queria ver a classe política tradicional pelas
costas, tal como agora.
Não se pode esquecer de dois aspectos que prejudicarão os
grandes partidos: a campanha de 2018 será a mais curta da redemocratização e
haverá uma fragmentação maior do que nas eleições passadas. Isso não leva ao
descarte de Alckmin e de um candidato apoiado por Lula, mas PSDB e PT terão uma
eleição bem diferente das últimas.
Resumindo os resultados desse debate, é possível dizer
com mais certeza que a renovação não será grande nas eleições legislativas,
será maior nas disputas estaduais e a fragmentação e o sentimento antissistema
serão bem fortes no plano nacional, embora não se possa descartar as chances de
um candidato dos grandes partidos. A principal novidade é a possibilidade
razoável de haver dois concorrentes de fora do eixo hegemônico competindo no
segundo turno. Só isso demonstra como a incerteza cresceu no jogo político
brasileiro, depois de duas décadas de estabilidade do sistema.
Os resultados eleitorais, na verdade, podem apontar para
as duas teorias, com um candidato fora do eixo PSDB-PT ganhando a eleição,
governando com um Congresso mais parecido com a classe política tradicional.
Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e
chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP, escreve neste espaço
quinzenalmente
E-mail: fabrucio@gmail.com