Marcus Vinicius Gravina, advogado, RS
A Proposta de Emenda à Constituição - (PEC 21/21) - de uma deputada do Partido Comunista do Brasil - PCdoB do Acre - está cumprindo sua tramitação no Congresso Nacional. Visa proibir militar da ativa de ocupar cargo civil da administração pública de todos os entes federativos.
Tem por objeto afastar os militares de atividades político-partidárias, no caso de estarem na ativa. Justifica a sua proposta como uma necessidade de prevenir riscos ao regime republicano e democrático ao país. Quer o distanciamento dos militares das funções de governo: “desta forma o nosso modelo constitucional de isenção e apartidarismo das Forças Armadas será aprimorado”.
Não comentarei a iniqua proposta, para concentrar minha crítica em assunto mais relevante. Falarei do sistema distorcido que está corroendo a sofrida democracia, atacada por atos inconstitucionais e atentatórios ao Estado Democrático de Direito.
Os Constituintes de 88 tiveram a oportunista sabedoria de legislarem em causa própria. Enganaram aos eleitores. Eleitos para o Legislativo renegam o mandato popular e vão mamar no Executivo.
Enquanto a proposta comunista impõe restrições aos cidadãos militares para ocupação de postos públicos, os mesmos constituintes enxertaram na Constituição Federal um privilégio aos deputados e senadores: acumulação de cargos no Poder Executivo, sem perda do mandato no Poder Legislativo.
“Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I. Investido no cargo de Ministro, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de capital ou Chefe de missão diplomática temporária.
§3º. Na hipótese do inciso I, o Deputado ou Senador poderá optar pela remuneração do mandado.”
Extinguir o protecionismo de aproveitadores que se eternizam em cargos públicos, saltitando do Legislativo para cargos do Executivo, é medida de depuração patriótica. É flagrante a violação do “Princípio da Separação dos Poderes” e do “Princípio de Igualdade” eleitoral. Este assunto está maduro para a PEC que altere o art. 56 e incisos sublinhados, proibindo a troca de mandato legislativo do povo pela vontade do presidente do Poder Executivo, em negociação espúria.
A Constituição nos obriga a votar e escolher quem irá fiscalizar os atos do Executivo e elaborar as leis em nosso nome. No entanto, permite a intromissão do presidente da República sobre o Poder Legislativo ao subtrair ou desfalcar da sua composição plenária, deputados e senadores, sem o consentimento dos eleitores fraudados, de quem receberam procuração para atos públicos predeterminados e passam a prevaricar.
Para isto os deputados e senadores dispõem, atualmente, de 37 ministérios e outras tantas autarquias para tirarem proveito dos seus votos em negociatas com o chefe do Poder Executivo.
Senador alçado ao Ministério da Justiça - para exemplificar - realiza o sonho acalentado por raposões felpudos da política. Valem-se do cargo, para preparar a próxima eleição. Podem destinar verba pública aos seus redutos, nomeiam assessores sem escrúpulos, contribuintes do caixa do partido para as despesas gerais de campanha e manutenção de cabos eleitorais.
Quatro anos no ministério é muito tempo para aliciar eleitores. Possui o mesmo efeito das Emendas Parlamentares, que favorecem deputados e senadores carreiristas, em detrimento de outros candidatos sem os mesmos recursos financeiros de campanha. A respeito das Emendas Parlamentares a min. Rosa Webber declarou haver na sua prática distributiva uma violação ao “Princípio da Igualdade” no campo da lei eleitoral.
Assim, como a PEC restritiva aos militares, cabe outra para alterar o art. 56 da Constituição Federal e depurar a malícia de rançosos e obsoletos políticos manipuladores da Constituição.
Deputados e Senadores eleitos, livremente, pelos cidadãos brasileiros, que traem os mandatos recebidos para atuarem no Poder Legislativo e se bandeiam para o Poder Executivo, sob o jugo do presidente República, têm de perder os respectivos mandatos outorgados pelos eleitores.
A traição é de tal natureza perniciosa que merece, inclusive, a imposição de inexigibilidade para a próxima eleição. O que vem acontecendo é um escárnio: Ministro empossado pode retornar ao Senado ou Câmara quantas vezes quiser, por vontade própria ou a mando do presidente da República, para votar seus projetos de leis e, retornar à sua pasta no executivo terminada à votação, sem que nada lhe aconteça. Intervenção descarada e direta do Poder Executivo no Poder Legislativo. Campo fértil para que se espraie o cultivo de várias espécies de melancias em nossa Nação.
Para a jurisprudência brasileira atual “uma mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo”. O que afetam à Constituição - no caso - em seu conteúdo nuclear- sobre a violação do Princípio da Separação de Poderes, são as idas e vindas ao Congresso Nacional para reassumir o mandato de senador ( vale para deputado) depois de votar matérias de interesse do Poder Executivo ao qual se encontra vinculado. Forma direta ou indireta de acumulação simultânea de poderes, por uma mesma pessoa, no executivo e no legislativo. É sabido que Ministério não integra a estrutura do Poder Legislativo. Daí a inconstitucionalidade da intervenção do Poder Executivo no Poder Legislativo, com tais nomeações.
O impedimento de uma mesma pessoa integrar mais de um Poder, ao mesmo tempo, obedece o comando nuclear do art. 2º, da CF: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e do Judiciário.”
Caxias do Sul, 30.03.2023