Artigo, Wálter Maierovitch, UOL - O oportunismo de Moraes e a cortina de fumaça

Moraes, com unhas e dentes, agarra-se, para manter a designação de inquisidor, ao estilo Tomás Torquemada.


Parêntese. Refiro-me ao supremo inquisidor da Igreja, perseguidor e julgador de hereges e de cristãos-novos, os chamados marranos (judeus) e mouriscos (islâmicos). Fechado parêntese


Atenção: para o ministro Moraes, existe uma organização criminosa que objetiva a cassação dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Também pretende a organização criminosa o retorno da ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição.


Aí, está a cortina de fumaça, a servir de justificativa para se manter o sistema inquisitorial inventado por portaria do Dias Toffoli, quando presidente do STF.


Aí, surge a pergunta que não quer calar.


Por que Moraes, diante do que afirmou, não decreta a prisão preventiva do chefe dessa organização criminosa voltada a apropriar-se do Brasil ?


Por partes.


Organização criminosa

O ex-presidente Jair Bolsonaro quis dar um golpe de Estado, acabar com a democracia e o estado de Direito. Dois chefes militares, do Exército e da Aeronáutica, não toparam, impediram. Então, partiu-se para o uso de massa de manobra ignara, como visto no 8 de janeiro passado.


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Bolsonaro, cassado por meio de devido processo legal pela Justiça Eleitoral, continua ativo e até prepara, com farta munição que lhe propicia diariamente o ministro Moraes, uma manifestação delirante.


O antidemocrático e golpista Bolsonaro convocar manifestação de 7 de setembro para a defesa da democracia é arrematado contra-senso, um estelionato a enganar incautos.


Mas, volto ao ponto.


Fora Bolsonaro, que está com a cidadania passiva cassada (não pode ser votado) e não possui condição mínima para tentar dar golpe, não existe nenhum outro brasileiro com potencial para comandar e manter uma organização criminosa destruidora, como a anunciada por Moraes.


Com longos e intermináveis inquéritos nas mãos, Moraes, que faz afirmação de existência de organização criminosa com objetivos antidemocráticos, deveria decretar prisões.


Moraes não impõe prisões por quê?


OLHAR APURADO.


Moraes poupa cachorro grande

A lei penal tipifica os crimes contra a paz pública. Uma organização criminosa, pela lei, atenta à tranquilidade social. Pelo afirmado pelo ministro Moraes, trata-se de organização permanente e estável.


A verdade, no entanto, é não estar Jair Bolsonaro sendo processado criminalmente.


Bolsonaro, até o momento, foi apenas, justa e legalmente, indiciado em dois inquéritos policiais.


O ex-capitão continua intocável em termos de suportar, na condição de réu, ações penais públicas. Como se diz no popular e estamos a assistir, "não se mexe com cachorro grande".


Pelo jeito, interessa a Moraes a não repressão efetiva contra Bolsonaro e o seu primeiro escalão.


Bolsonaro, repita-se, continua livre, leve e solto. E segundo Moraes, existe uma organização criminosa, - e ele não nomina os integrantes-, atuando para "cassar ministros" (referência a impeachment), fechar o STF e impor uma ditadura ao nosso país.


Pecado original

Moraes agarrou-se à inconstitucional portaria de Dias Toffoli, que lhe conferiu, - sem sorteio —, poderes ilimitados, inquisitoriais.


A inconstitucional portaria toffoliana restou referendada em sessão plenária do STF. O Supremo, ao invés dos caminhos oferecidos pelo estado de Direito, o estado das leis, preferiu criar os próprios instrumentos de autodefesa, com Moraes à frente.


Com isso tudo afrontou-se o sistema processual constitucional de partes, onde o juiz não apura, carece de provocação, e julga com imparcialidade.


Afrontou-se, ainda, o princípio do juiz natural, pois o STF passou a ser competente para aquilo que seleciona. Criou-se, até, o foro privilegiado da vítima, como, por exemplo, o caso a envolver Moraes no aeroporto de Roma.


Pior, e como volta a acontecer no mais novo inquérito requisitado por Moraes, o ministro imagina ser legítimo atuar quando aparece como interessado.


Inquérito novo

Com base no informado em três matérias do jornal Folha de S.Paulo, o ministro Moraes, à época com duas togas ( inquisidor por Portaria toffoliana do STF e presidente do TSE), mandava produzir relatórios para decidir contra àqueles que identificava inimigos da democracia e adeptos do golpismo.


Pelas matérias e à luz da Constituição e das leis, contra o ministro Moraes existe a forte suspeita de haver atuado com abuso de poder e desvio de função.


Sem enxergar isso, veio a requisição de inquérito para fazer cortina de fumaça aos referidos abuso de poder e desvio de função, mantida a função inquisitorial, por tempo indeterminado.


Moraes quer saber quem teve a ousadia criminosa de quebrar sigilo e entregar para a Folha de S.Paulo as suas condutas inquisitoriais. E no inquérito, a vítima será o Estado, na figura de Moraes.


Para qualquer inquisidor, impedimento e suspeição não contam, pois pode tudo.


Vícios

Como a imparcialidade é condição imanente à função de um juiz, cabe a ele repassar ao Ministério Público informação sobre notícia de crime, para as providências pelo procurador-natural (promotor natural).


Assim, estará o Ministério Público a atuar e não o juiz a obrigar a instauração de inquérito.


Por muito útil, convém recordar a advertência feita pelo saudoso professor José Frederico Marques, nome consagrado no campo do direito processual penal.


Frederico Marques ressaltou ser o inquérito policial "um procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal".


O inquérito serve de base à propositura da ação penal pública pelo Ministério Público.


Em outras palavras, o próprio Moraes, - e o procurador-geral Paulo Gonet teve o secundário papel de endosso-, requisitou (ordenou) a abertura de inquérito. E é o grande interessado.


Não se está a dizer não poder o juiz requisitar a instauração de inquérito.


Se está a dizer que Moraes, pelo envolvimento nos fatos em face de sua atuação inquisitorial inconstitucional, fez requisição em causa própria, mascarada de busca de autoria e materialidade de vazamento de informação sigilosa.


Moraes requisitou, vai acompanhar e decidir. O mesmo ciclo viciado de sempre, verificáveis em inquéritos onde cabe tudo, incluídos fatos novos e outros.


Interesse de Moraes

O olhar técnico isento, em face das matérias apresentadas pela Folha de S.Paulo, revela, em tese, haver Moraes atuado com abuso de poder e com desvio das suas funções.


O jornal Folha de S. Paulo, em três edições, informou, por matérias assinadas pelos jornalistas Fabio Serapião e Gleen Greenwald, condutas estranhas a envolver o ministro Moraes, dois auxiliares do seu gabinete do STF, ambos em cumprimento às ordens de Moraes, e um setor de repressão à desinformação eleitoral do TSE, à época presidido pelo próprio ministro Moraes.


A respeito da matéria da Folha de S.Paulo, o ministro Moraes está envolvido, até com o brilho da sua calva, pois impossível, no caso em concreto, usar a expressão até a raiz do cabelo.


Envolvido em inconstitucionalidades e ilegalidades: mandar produzir relatórios contra desafetos para, depois, decidir, com imposição de sanções.


Pano rápido. Claro como a luz do sol, a vedação legal de Moraes atuar em caso onde existe o seu interesse. Só um inquisidor, volto a frisar, não reconhece impedimento e suspeição.