We dont need no education (não precisamos de educação) é
coisa de teenager bobo
Sempre desconfiei de artistas com pautas políticas.
Continuo desconfiando: artista falando de política é puro marketing.
Recentemente, tivemos um exemplo no show do Roger Waters e sua “inserção” no
debate político brasileiro. Sua crítica é puro fetiche gourmet.
Artistas assim (existem vários exemplos nacionais e
internacionais, mas não vou citá-los, você os conhece bem) ganham rios de
dinheiro sendo “progressistas”. Trata-se de uma espécie de gourmetização da
crítica política, propício a shows de rock and roll.
O mundo da arte, do audiovisual e da cultura é um dos
mais violentos e antiéticos da face da Terra. Quem discordar, mente ou
desconhece o assunto.
A informalidade e o “capitalismo selvagem” que regem esse
campo de negócios é reconhecidamente agressivo. Jovens, e pessoas em geral, são
frequentemente explorados em larga escala quando tentam entrar nesse mercado de
trabalho. Além de serem mal pagos.
Seja música, seja cinema, seja teatro ou afins, muito do
que os artistas criticam no mundo do “capital” à sua volta é prática comum
nesses mesmos campos de negócios. Entre a vaidade e a vocação ao abuso, os
artistas (não todos, é claro) são menos confiáveis do que a “velha política”.
Outro fator importante é o desconhecimento em mínima
profundidade dos temas menos clichês da política contemporânea —que é uma selva
densa de problemas sem soluções.
As críticas levadas a cabo por esses artistas são mais
marketing profissional e pessoal deles do que propriamente conhecimento
instalado sobre esses temas.
O que Waters sabe da realidade brasileira (ou mesmo de
outro tópico constantemente tratado por ele, a saber, o conflito
israelo-palestino) que não seja fruto da sua própria e distante bolha
ideológica ou dos jargões “progressistas”? O que ele sabe que não seja fruto da
construção de uma imagem de consumo associado a este mesmo vago conceito de
“progressista”?
Há um pacote ideológico que alimenta o marketing de
artistas há muito tempo, começando pelo “Che suave”.
O conceito de cognição política, crescente no tratamento
do comportamento dos eleitores e agentes políticos em geral, cai bem aqui.
Antes de tudo, um profissional que se dedica (mesmo que,
competentemente, do ponto de vista artístico) a música, dificilmente conseguirá
reunir tempo e ferramentas específicas para construir um mínimo repertório para
realizar uma cognição política minimamente consistente.
Projetar imagens de crianças da África em shows de rock
and roll é o que há de mais banal em marketing da própria banda. Aquilo que, de
certa forma, era “raiz” em artistas como John Lennon, hoje não passa de estilo
“nutella” em bancas milionárias.
Voltando a cognição política, conceito que demonstra a
quase incapacidade de profissionais dedicados a política em, de fato,
compreender de forma minimamente consistente o mundo político contemporâneo
para além do mimimi ideológico, quase nos leva ao impasse cético nas análises
de temas políticos, principalmente depois que as mídias sociais trouxeram a
superfície a fala de milhares de pessoas que antes eram mudas, e não passavam
de objeto de fantasia idealizada por parte desses mesmos profissionais da
análise política.
Parte do transtorno e da desorientação que vivemos hoje
quando pensamos na democracia não advém da redução da participação popular nas
opiniões políticas, mas da saturação aguda dessa mesma participação.
Estamos afogados na “soberania popular” tagarela nos
últimos anos. E isso não vai mudar porque as ferramentas de comunicação tendem
a dispersar cada vez mais essa tagarelice (que Alexis de Tocqueville, em 1835,
já apontava no seu “Democracia na América”).
E venhamos e convenhamos, a música de Waters é grandiosa,
mas dizer que “we don’t need no education...” (nós não precisamos de educação)
é, como já apontou o psiquiatra inglês Theodore Dalrymple, coisa de adolescente
bobo.
Resistir ao fascismo sempre foi, de fato, urgente. Mas, é
bom lembrar que o fascismo sempre gostou de grandes surtos coletivos regados a
palavras de ordem e multidões.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e
“Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.