A entidade se mete em tudo, vive de cobrança compulsória,
não mostra suas contas e preserva a eleição indireta
A notícia é boa, resta saber se vai adiante. A repórter
Daniela Lima revelou que o Tribunal de Contas da União pretende abrir a
caixa-preta do cofre da Ordem dos Advogados do Brasil. Estima-se que ele
movimente a cada ano R$ 1,3 bilhão anuais. Cada advogado é obrigado a pagar
cerca de R$ 1 mil em São Paulo e no Rio, e a administração do ervanário é
mantida a sete chaves. Se isso fosse pouco, o presidente do Conselho da Ordem é
eleito indiretamente. Em 2014, seu titular, o doutor Marcos Vinicius Coêlho,
prometeu realizar um plebiscito entre os advogados para saber se eles preferiam
uma escolha por voto direto. Disse também que colocaria as contas da OAB na
internet. Prometeu, mas não fez.
A Ordem foi uma sacrossanta instituição, presidida no
século passado por Raymundo Faoro. De lá para cá, tornou-se um cartório de
franquias. Em 2015, na qualidade de presidente da Comissão de Direitos Humanos
da OAB, o deputado Wadih Damus (PT-RJ) condenou o instituto legal da
colaboração dos réus da Lava-Jato: “Delação premiada não é pau de arara, mas é
tortura.” Ele tem todo o direito de dizer isso como cidadão, mas uma ordem de
advogados não tem nada a ver com isso. A OAB defendeu o financiamento público
das campanhas eleitorais e meteu-se na discussão dos limites de velocidade no
trânsito de São Paulo. Esses assuntos não são da sua esfera, como não o são do
sindicato dos médicos, e disso resulta apenas uma barafunda. Cada advogado pode
ter as ideias que quiser, mas nem a Ordem, nem suas seções estaduais, devem se
meter em temas tão genéricos e controversos. Coroando as interferências
divisivas da Ordem, ela defendeu a deposição de Dilma Rousseff.
Uma Ordem de advogados pode tomar posição em questões
gerais, como a OAB de Faoro desmontando o Ato Institucional nº 5. Mesmo nesse
caso, não custa lembrar que o texto do instrumento ditatorial foi redigido pelo
ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva, ex-diretor da Faculdade de
Direito da USP, sucedido no cargo por Alfredo Buzaid, outro diretor das
Arcadas. Ao contrário do que ocorre com os médicos, comprometidos com a saúde
dos pacientes, o compromisso dos advogados com o Direito é politicamente
volúvel. A Constituição da ditadura do Estado Novo foi redigida por Francisco
Campos, um dos maiores juristas do seu tempo. Felizmente, naquele Brasil havia
também um advogado como Sobral Pinto, defendendo Luís Carlos Prestes com a lei
de proteção aos animais.
Quando os juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos
chegam ao aeroporto de Washington, tomam táxis. Quando os conselheiros da OAB
chegam a Brasília, têm à espera Corollas pretos com motorista. Esse mimo é
extensivo à diretoria da instituição. (O juiz Antonin Scalia dirigia sua BMW.
Seu colega Harry Blackmun andava de Fusca e nele viajaram suas cinzas para o
cemitério.) Num outro conforto, se a OAB recebe um convite para participar de
um evento na Bulgária, seu representante viaja com a fatura coberta pelos
advogados brasileiros.
Não se pode pedir que a sigla da OAB deixe de ser usada
como mosca de padaria, mas será entristecedor vê-la defendendo o sigilo de suas
contas.