Entrevista, Marcos Troyjo - O mundo está dando uma nova chance ao Brasil
- Marcos Troyjo é economista e cientista políico.
A entrevista foi concedida aos repórteres Marco Ankosque e Germano Oliveira
O economista e cientista político Marcos Troyjo,
professor da Universidade Columbia, em Nova York, avalia que o Brasil já teve
inúmeras oportunidades para desenvolver sua economia e obter papel de destaque
no comércio internacional, mas desperdiçou a maioria delas, sobretudo por não
realizar reformas estruturais que tornassem o País mais atraente aos
investidores estrangeiros, que hoje dispõem de enormes recursos para aplicar em
países emergentes. Uma dessas oportunidades perdidas, segundo ele, aconteceu no
governo Lula, período no qual as commodities agrícolas viveram um momento
amplamente favorável, mas o petista preferiu adotar políticas populistas e
protecionistas que afastaram grandes investimentos. Agora, contudo, de acordo
com Troyjo, o mundo está dando “uma nova chance ao Brasil”, mas adverte:“o País
não pode eleger um presidente que defenda o nacional-desenvolvimentismo como
alternativa, como é o caso do PT, PCdoB, PSol e, às vezes, Ciro Gomes”.
Especialista em política externa, Troyjo está finalizando o livro “Choque de
Globalizações: o Brasil em Busca da Grande Estratégia”, que chega às livrarias
em outubro.
O senhor diz no seu livro que a globalização vem perdendo
força, sobretudo por causa do crescimento do populismo e da intolerância no
mundo. Como isso está se dando?
Quando acabou a guerra fria, a queda do muro de Berlim e
o fim da União Soviética, o mundo foi tomado de um grande entusiasmo no início
da década de 90, com a vitória do Ocidente, dos países mais democráticos, com
economias abertas, prevalecendo o livre mercado. Desse período até a grande
crise do Lehman Brothers em 2008, vivemos um processo de globalização profunda.
De 2008 para cá, os sinais se inverteram. O clima de livre comércio foi
substituído por sinais do protecionismo e pelo mundo do cada um por si, devido
ao populismo e intolerância. Eu chamo esse período dos últimos dez anos de
desglobalização. O comércio internacional, por exemplo, começou a cair. A livre
circulação de bens e de serviços, também começaram a cair. E ao mesmo tempo
aumentaram as restrições no intercâmbio de universidades, no mercado de
trabalho.
O que a desglobalização está provocando de malefícios
para a humanidade?
Estamos tendo uma perda de eficiência da economia muito
grande. Num momento em que uma empresa como a Starbucks tem que comprar o papel
que envolve os canudinhos de uma fábrica em Ohio, em vez de comprá-los em uma
fábrica na Tailândia, por uma fração do preço que paga nos Estados Unidos, isso
gera desemprego no local onde anteriormente a empresa tinha sua operação. E
isso onera a plataforma de custos das empresas, afetando seu balanço
patrimonial. Na última sexta-feira 27, quando se anunciou o PIB americano, de
4,1% de expansão no trimestre, todo mundo ficou de olho arregalado, mas as
bolsas caíram. E não foi só por causa do efeito das ações do Facebook e
Twitter. Mas também porque há a idéia de que haverá uma adequação do PIB
americano por conta da guerra comercial desenvolvida por Trump e essa é uma das
facetas da desglobalização. Com a guerra comercial que vem por aí, quem perde
mais são os países que tem grandes empresas transnacionais e nenhum país tem
tantas empresas transnacionais como os EUA.
O senhor diz ainda no seu livro que o Brasil também teve
um grande um ciclo populista e protecionista. Como foi esse processo?
Tivemos um ciclo populista e protecionista de 2003 a
2016, durante os governos do PT. E por que esse período foi lamentável? Em
primeiro lugar, porque o mundo esteve muito bom para o Brasil e não se
aproveitou as chances que nos foram dadas. Se levarmos em consideração o grande
ciclo favorável das commodities, os grandes estoques de liquidez disponíveis no
mundo para serem aplicados em países com pouca poupança, como era o caso do
Brasil, e também as vantagens comparativas que temos em produtos como a soja,
poderíamos ter aproveitado esse vento de cauda para ter feito as reformas
estruturais e nós não as fizemos. E não fizemos por quê? Porque o governo teve
a sensação de que os bons tempos iriam perdurar para sempre. E isso fez com que
os governos petistas não mexessem em problemas cruciais, como a Previdência e
as questões trabalhistas, o que nos deixou em continuado atraso, vivendo esse
grande ciclo populista.
E o ciclo protecionista?
Também durante os governos petistas vivemos o
renascimento das antigas teses de substituição de importações, com a idéia de
desenvolver uma cadeia de produção vertical em todo o território nacional e
que, para isso, deveríamos dar incentivos aos chamados campeões nacionais. O
Brasil voltou a adotar uma estratégia econômica parecida com a que foi adotada
nos anos 40 ou 50, ou mesmo no período nacional-desenvolvimentista do regime
militar. É muito parecida a filosofia econômica do PT com a adotada pelo
governo militar. E um dos legados disso foi ver como o Brasil diminuiu sua
participação no fluxo do comércio internacional. Tudo o que o Brasil exporta e
importa — e que chegou ser de 2,5% do comércio mundial — agora é de 1%. Se
fizermos uma radiografia do nosso comércio, vamos perceber que tudo o que o
Brasil importa, somado ao que exporta, dá 22% do nosso PIB. Das 15 maiores
economias do mundo, é o menor contingente em relação ao PIB.
O período petista representou, então, um retrocesso?
Foi uma oportunidade desperdiçada. Deveríamos ter feito
as reformas internas e, sobretudo, a reforma na nossa inserção internacional.
Reforma que levasse nosso comércio ao patamar de 35% a 40% do PIB, com a adoção
de uma política voltada para a ampliação das exportações e importações,
assinando novos acordos comerciais.
Dos candidatos a presidente que estão aí, quem ameaça o
nosso melhor desempenho internacional?
Quem continua defendendo o nacional-desenvolvimentismo
como alternativa é o PT, PCdoB, PSol e às vezes Ciro Gomes, que tem um discurso
um pouco pendular. A não ser que ele esteja utilizando a estratégia do violino:
pega com a esquerda, mas toca com a direita. Já o Meirelles, o Alckmin e o
Bolsonaro/Paulo Guedes, têm adotado uma retórica mais liberal de inserção
internacional. Eles entendem melhor as necessidades do dinamismo do nosso
comércio.
O senhor afirma que, além dos Estados Unidos na era
Trump, também a Europa tem se tornado mais protecionista. De que forma isso
está acontecendo?
O protecionismo da Europa é mais sofisticado. As tarifas
na União Européia até estão caindo, mas eles têm muitas barreiras fitossanitárias
e barreiras técnicas, que acabam funcionando como protecionistas. Vou dar um
exemplo. Exportação de carne de gado. Eles exigem a rastreabilidade, desde o
momento do nascimento do animal, com chip subcutâneo, para o acompanhamento em
real-time da sua saúde. Fazem exigências enormes. Ou então eles dão subsídios
para seus produtores e isso torna os produtos dos concorrentes quase que
inviáveis.
Nos próximos dois anos e meio, essa guerra travada por
Trump trará mais benefícios do que malefícios para o Brasil
O senhor avalia que a tendência é da China se tornar a
maior economia do mundo, superando os EUA. Então o Brasil deveria se aproximar
ainda mais da China?
Já estamos muito próximos da China. É o nosso principal
parceiro comercial e provavelmente vamos fechar 2018 com exportações para a
China que representam quase o dobro das nossas exportações para os EUA. Para a
China, vendemos muita soja, minério de ferro, petróleo. Mas é importante
perguntar para os candidatos a presidente que estão aí qual é sua política para
a China? Além de parceiro comercial, a China cada vez mais é fonte de
investimento estrangeiro direto. Nesses processos de fusões e aquisições, os
chineses estão comprando muita coisa no Brasil. Ainda é um dos poucos países do
mundo que podem atuar como fonte de empréstimo governo a governo, porque isso
quase não existe mais no mundo. Existia nos anos 70 e 80, quando o governo
americano e o governo japonês faziam empréstimos-ponte. Isso só os chineses
fazem hoje. E como os chineses precisam ter garantias para seu processo
alimentar, é natural que seus investimentos também venham mais para o Brasil.
Os candidatos a presidente precisam saber lidar com a China.
Nessa guerra comercial que os EUA começam a fazer, o
Brasil pode sair como perdedor?
Pelo contrário. Nos próximos dois anos e meio, a guerra
comercial travada pelo Trump trará mais benefícios do que malefícios para o
Brasil. Trará benefícios porque hoje os chineses compram R$ 14 bilhões por ano
em soja dos EUA. E se os chineses retaliarem os americanos na soja, o produto
tem que ir de algum lugar. E pode ser do Brasil e da Argentina.
Então os cenários são favoráveis ao Brasil?
Um dos legados da política nacionalista dos governos do
PT foi ver que a participação do Brasil no comércio mundial caiu de 2,5% para
os atuais 1%
O mundo não está ruim para o Brasil. Há uma demanda
aquecida por commoditeis e há um grande estoque de dinheiro no mundo sedento
por aplicações em mercados emergentes. Os grandes centros internacionais de
liquidez, como China, Japão e países Árabes, querem diversificar seus
investimentos. Temos espaço agora para correr atrás na atração desses capitais.
Provavelmente, teremos que intensificar nosso processo de privatizações e de
projetos de parcerias-público-privadas. Uma das características umbilicais
desse nocivo processo de desenvolvimento nacionalista do governo petista entre
2003 e 2016 foi a de cultivar a idéia de que poderíamos fazer tudo por meio da
liderança do Estado.
O que o novo presidente pode fazer para melhorar a
inserção do Brasil no comércio internacional?
É indispensável uma maior promoção do Brasil no exterior.
Nossa presença física em vários mercados é inadiável. Ter agências de promoção
de negócios em Cingapura, Xangai, Londres. Poderíamos aproveitar melhor nosso
patrimônio no exterior. O Brasil tem um imóvel gigantesco em Nova York, na rua
79. E para o que serve aquilo? Para o embaixador dormir. A embaixada deveria
ser uma agência de promoção do Brasil.
E não podemos repetir erros do passado, certo?
O mundo está, mais uma vez, dando uma chance para o
Brasil. O que poderia ser negativo, como a guerra comercial, nos dará
oportunidades para novos negócios. Eu não digo que estamos entrando num dia de
sol perfeito, mas estamos com boas chances de crescer no comércio internacional
e alavancar nossa economia. Já tivemos várias oportunidades e perdemos quase
todas. Vamos perder mais uma chance ou vamos aproveitar que nossas commodities
serão valorizadas e que há um grande volume de recursos para investir nos
países emergentes? Não podemos perder essa nova chance.
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